Venancio Junior
Esta afirmação de Jesus às multidões tem uma profundidade e uma amplitude muito maiores do que imaginamos. Ela mexe no cerne do ego humano. Exatamente no ponto onde também se define o que somos enquanto criaturas. A intenção de Jesus é exatamente expor o que somos à nós mesmos. A renúncia propriamente dita e sugerida por Jesus depende de nós. Renúncia é arrancar de dentro para fora e expor numa exata cognição submissa. A afirmação de Jesus fala sobre a relação com Ele. Não se pode servir a dois senhores, ou serve a Deus ou ao ego. A relação com Deus depende totalmente desta negação de si mesmo. Mas, esta atitude em negar a si mesmo, não se limita a caminhada espiritual. Tem-se a triste mania em separar a vida cristã do resto que compõe o gênero humano como se fossem desconectados e cada um tivesse “vida própria”. Isto se chama falta de integridade. A composição do ser humano é espírito, alma e corpo e deve haver a conexão intrínseca de forma ampla e profunda para que haja integridade. Vida cristã é a vida em si e tudo o que a envolve. Nos relacionamentos sociais e familiares adota-se este mesmo princípio. Nas relações sociais seria impossível sermos absolutos e buscar somente aquilo que nos interessa. Não existe relação sem a entrega. Em Filipenses 2:3 lemos que devemos considerar os outros superiores a nós mesmos. Isto significa dedicação ao outro e, em absoluto, não significa se desvalorizar, mas, não agir com soberba onde há uma clara intenção em se autopromover. Em qualquer nível de relacionamento para que haja estreitamento e se descubra as afinidades, isto deve ser uma prática constante, caso contrário, o distanciamento será iminente. Quanto mais perto de si mais distante do próximo estará e será impossível seguir à Jesus porque Ele é também o próximo que deve ser considerado. Talvez uma das maiores crises que o ser humano viva é a do relacionamento, seja com Deus, com as pessoas e até, pasmem, consigo mesmo. Esta, talvez, seja a pior de todas, pois, quando não se consegue conviver consigo mesmo, não se pode esperar algo de positivo quando o próximo deve ser considerado em termos de dedicação e esforço para que continue sendo próximo, uma verdadeira humilhação. Ser humilhado é diferente de se humilhar. Humilhar-se é uma atitude nobre. Humilhar o outro é arrogância. Na atitude nobre de humilhar-se, o real valor é exposto quando a casca do orgulho, da vaidade e da arrogância é retirada porque o “inchaço” do ego não tem raiz. Aquilo que não tem raiz, não tem profundidade. Aquilo que não tem profundidade, não subsiste frente as dificuldades. Devemos deixar que as pessoas nos descubram. Estes predicados vão de encontro à afirmação de Jesus. Enquanto persistir os interesses do ego, o insucesso no relacionamento baterá à porta. Jesus enquanto viveu fisicamente aqui na terra insistiu na profundidade nos relacionamentos, porém, os discípulos e os demais tinham uma visão superficial. Muitas das parábolas de Jesus eram incompreensíveis para eles devido a esta falta de profundidade no relacionamento. Muitos eram fechados pela amargura e tinham medo de se expor ou até mesmo e, principalmente, pela religiosidade. A religião judaica, na época, era muito influente e uma fiel aliada do governo romano e dominava as mentes e o coração, inclusive daqueles que Jesus escolheu para serem seus discípulos. Neste cenário era difícil promover qualquer aprofundamento. O sistema era viciado e não permitia qualquer ameaça à sua influência nas pessoas e no modo como elas viviam. O aprofundamento em qualquer relacionamento só é possível quando permitimos o acesso ao nosso córtex cerebral. Este é responsável pela maioria das reações humanas. A princípio não é saudável o controle absoluto seja de si mesmo ou de outrem. O absolutismo é uma armadilha perspicaz que subjuga as emoções a uma condição egoísta e que destrói a capacidade de aprofundar nos relacionamentos. O princípio do relacionamento do gênero humano encontra-se em Genesis 2:18, “...não é bom que o ser humano esteja só!...”, quando houve a clara intenção de Deus em promover o relacionamento. Deus acertou em fazer isto? Cada um individualmente faça a sua consideração ou uma auto-análise se é bom ou ruim. Podemos dizer com certeza de que não é bom viver só. Não somente no aspecto conjugal, mas, nos relacionamentos sociais. Em qualquer um deles teremos problemas de atritos ou, como dizem, “incompatibilidade de gênios” e num sentido mais amplo, "incompatibilidade de gêneros". O importante é não desconsiderar e saber administrar para que o grau de relacionamento se aprofunde e crie raízes. Não podemos, como dizem, forçar a amizade, existem relacionamentos que não evoluem, por uma simples questão de personalidade. O relacionamento “exige” confiança. Isto não se impõe, mas, se conquista. Para conquistar a confiança de alguém primeiramente se parte da iniciativa em abrir-se e despojar-se dos conceitos e dos costumes acumulados. Repito, isto não é despersonalização e muito menos uma desvalorização da pessoa. Isto chama-se flexibilidade e ponderação. É uma atitude muito honrada que valoriza muito a construção de um relacionamento e o torna muito sadio. Sem esta entrega de si mesmo a estrutura emocional se desgasta e todos perdem porque o relacionamento se manterá na superfície apenas. Além de nada ganharem, nada construirão e perderão o que já conquistaram. Um grande exemplo desta entrega é no relacionamento conjugal, especificamente no ato conjugal, cada um deve procurar dar prazer ao outro porque no compromisso conjugal o corpo do marido pertence a mulher e o da mulher pertence ao marido (I Coríntios 7:4) para cuidar e dar prazer. Tudo a ver com o que texto bíblico em Atos 20:35 “Mais bem-aventurado dar do que receber”. Considerar o outro superior a si mesmo é não se considerar a si mesmo. Em hipótese alguma impor que sejas melhor do que o outro. Entregar-se em prol de alguém. Estar sempre aberto para incluir alguém na vida e permitir aproximação independente se o outro merece ou não alguma consideração. Isto é muito sublime e digno de admiração. Jesus foi o maior exemplo de inclusão. Esta foi a sua missão. Não pense que foi uma tarefa fácil. Com os humildes demonstrava compaixão. Com os insensatos, arrogantes, presunçosos e ignorantes (fariseus e hereges) agia com o rigor que a situação merecia e nunca desrespeitou qualquer um daqueles com quem conviveu, nem mesmo Judas que o traiu e Pedro que o negou por três vezes. Não se respeita a pessoa por mérito, mas, pelo princípio da ética e educação. O reconhecimento do mérito para si próprio é soberba. Reconhecer o mérito dos outros é humildade. Nunca devemos excluir as pessoas da nossa vida. Ela mesma se exclui por não ter uma atitude de incluir aos outros na sua própria vida. Quem não tem disposição para incluir, provavelmente, sempre terá atitudes de exclusão, daí, surge o conflito consigo mesmo porque é impossível dissociar-se de si mesmo, vindo a depressão, a angústia que geram problemas emocionais profundos. Devemos ser pessoas livres para servir e atraentes na bondade, desta forma alcançaremos a razão do que é ser desprovido da autoafirmação do ter. Nunca devemos ser considerados por aquilo que temos, mas, pelo que somos.
Campinas - Julho/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário