quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

LIVRE ARBITRIO E PREDESTINAÇÃO DOS ESCOLHIDOS

Venancio Junior

O mundo evangélico vive atualmente uma confusão doutrinária que tem dificultado as pessoas a desenvolverem a fé de forma lúcida. A fé não é somente crer para ver, mas, também ver para crer (João 20:29,31). O que já era difícil, tornou-se muito pior porque há o envolvimento emocional aliado à forte personalidade e a falta de senso crítico o que gera uma bomba de destruição em massa de valores. Além disto, há uma liderança que é fruto da ignorância de uma parcela da população e que se aproveita da fragilidade intelectual das pessoas para manipular e manter o poder. As pessoas que não possuem senso crítico se tornam presas fáceis. Tudo o que acontece e que alimenta este caos, são consequências das múltiplas interpretações dos textos bíblicos e a maioria fora de contexto o que é um perigo na compreensão das escrituras perdendo-se o referencial do principal objetivo do evangelho que é ler, compreender e aceitar. Temos, então, um verdadeiro gigante com pés de barro. Uma imensa massa falida que sabe da força que tem, porém, utiliza para alimentar as tolas definições "anti-teológicas" empurradas goela abaixo pelos usurpadores do evangelho. Agora, se nos dias atuais temos um vasto material didático religioso e muitos estudiosos que se empenham em colocar os pontos e vírgulas nos seus devidos lugares eliminando qualquer má interpretação, imagine naquele tempo em que os autores dos livros canônicos/torá, todo o antigo testamento e os evangelhos e o novo testamento não dispunham da mesma riqueza de material que temos hoje?

Para mostrar um pouco do que acontecia naquela época, vou destacar três episódios bíblicos em que houve debates, críticas e discussões e que envolvem Pedro e Paulo. No primeiro, em Atos 15:17,34 Paulo é levado ao Areópago em Atenas para explicar aos filósofos gregos sobre este novo evangelho que fala de um "deus" ainda estranho a eles. No segundo episódio, em Gálatas 2:11,21 Pedro é repreendido porque tem se comportado de maneira condenável e incondizente com o evangelho que foi revelado à Paulo. No terceiro episódio, em II Pedro 3:15,16 o próprio Pedro afirma que Paulo recebeu sabedoria de Deus para escrever as escrituras mesmo que algumas coisas sejam difíceis de compreender. Naquele tempo, o debate era natural, pois, os evangelhos ainda estavam sendo escritos e os apóstolos foram chamados pelo próprio Jesus (incluindo Paulo) para lançarem os fundamentos doutrinários da igreja centralizados no processo de salvação capitaneado pelo Messias. Mesmo as pessoas comuns não tendo acesso ao material onde constavam as leis, elas tinham um conhecimento básico dos principais fundamentos e estas pessoas precisavam conhecer o evangelho da graça. Dentre estas pessoas, tinham aquelas mais interessadas e que se preocupavam em seguir a tradição, frequentavam o templo para ouvir a repetição das leis e não se incomodavam em questionar ou discutir algum ponto ou outro. No máximo tiravam alguma dúvida sobre alguns assuntos isolados sem apresentar alguma outra opinião contrária. Havia os escribas, os fariseus e os doutores da lei que tinham o acesso e preservavam a tradição judaica.

Após milênios de história da igreja, alguns assuntos ainda permanecem nas mesas de discussões. Para os judeus ortodoxos de onde originou a igreja cristã, o Messias prometido ainda não veio. Para a igreja católica que é a remanescente da primeira ramificação da igreja cristã, Maria, a mãe biológica de Jesus é “co-mediadora” com o filho perante Deus e também defendem a doutrina em que, antes de chegar ao céu, existe uma antessala que chamam de purgatório para a purificação final dos pecados. Estas coisas não constam na bíblia e são consideradas como invencionices humanas. Após a cisão com a igreja católica provocada pela reforma protestante de 1517, surgiu a igreja reformada. Luterana, Presbiteriana e Episcopal (Anglicana) também conhecidas como igrejas históricas são as principais representantes desta linha doutrinária. Mas, as grandes divisões causadas por questões doutrinárias não pararam por aí. Alguns séculos mais tarde surgiram as igrejas pentecostais defendendo que as manifestações espirituais ocorridas na igreja primitiva no livro de Atos ainda acontecem e as igrejas reformadas não reconhecem que ainda existam estas manifestações e consideram que foi um evento restrito ao dia de Pentecostes e estas igrejas são denominadas como cessasionistas. Não descreem totalmente nas manifestações espirituais, principalmente línguas estranhas, profecias e revelações, porém, não buscam e se acomodam afirmando se Deus quiser conceder eles aceitariam. Até mesmo a liderança feminina (pastorado e oficiais) não é aceita por estas igrejas porque, segundo os teólogos reformados, não encontraram base bíblica. É muito controversa esta posição. Reitero que para Deus não existe igreja histórica, reformada, pentecostal e neopentecostal. A igreja é uma só e não tem paredes ou divisão interna. Isto é conformidade do ser humano.

O cenário místico religioso atual é bem carregado e as cisões continuaram com o surgimento das igrejas neopentecostais e progressistas, estas últimas defendem o aborto e a união homoafetiva. Mas, vou me dedicar apenas ao assunto em questão que me provocou esta reflexão, o livre arbítrio e a predestinação. Tenho ouvido muitas explanações de teólogos até renomados e com muito estudo, porém, ignoram alguns aspectos na interpretação, pois, são duas questões muito sérias e fundamentais que pertencem ao processo de salvação. Não vou me arvorar baseado numa interpretação sem o fundamento bíblico.

Sinceramente, não tenho nenhuma dúvida do que a bíblia diz sobre estes dois assuntos. Primeiramente destaco que hoje sofremos as consequências do pecado porque Deus concedeu o livre arbítrio ao ser humano em comer do fruto da árvore do bem e do mal Gênesis 2:16,17 "E o Senhor Deus ordenou ao homem: “Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá”. O que significa dar a opção do sim e do não? Se isto não for um livre arbítrio, então, seria preciso redefinir o conceito. Para que não houvesse o livre arbítrio, Deus simplesmente nem colocaria a árvore do conhecimento do bem e do mal e estaríamos todos felizes e tranquilos usufruindo do jardim do Éden. Quem não se sente tentado em quebrar uma ordem e não fica curioso em saber o que há por detrás daquela porta de acesso proibido ou o que tem dentro daquela gaveta trancada? No caso do jardim, o acesso ao fruto proibido estava livre. Deus não dificultou e não havia nada que impedisse, exceto a ordem que foi posteriormente desobedecida e tudo tornou-se um caos. Perceba que nem mesmo o acesso da serpente a árvore estava obstruído. Por que a serpente tentou a mulher e não o homem? A maioria julga que a mulher é mais facilmente manipulada. Eu diria que é o contrário. Dificilmente o homem convenceria a mulher a comer do fruto. Então, a serpente convenceu a mulher que, sequer foi questionada pelo homem que também comeu do fruto. Dentro do processo de recondução da raça humana à presença de Deus, consta um texto em Marcos 16:16 em que há a aplicação do livre arbítrio pelo próprio Jesus que, após a ressurreição falou aos seus discípulos: "Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado". Este batismo não é o de João, mas, é o batismo do selo do Espírito Santo. O ladrão que estava ao lado de Jesus na cruz foi salvo, porém, nunca foi batizado com água, mas, somente com o selo do Espírito Santo.

O que aconteceu depois deste episódio literalmente fatídico? Fomos predestinados ao inferno “pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” Romanos 3:23. Neste mesmo texto há um detalhe fundamental que muitos insistem em ignorar. Observe: "Agora, porém, se manifestou uma justiça que provém de Deus, independentemente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creemNão há distinção, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus". Observe que a predestinação ao inferno foi para absolutamente todos. Já na segunda parte do mesmo texto subentende-se que os predestinados são todos, porém, daqueles que creem sem distinção. Distinção neste caso, não é nominal, mas, para todos aqueles que crerem. Talvez o texto de Efésios 1:4,5 seja o que gere mais dúvidas. "Antes da fundação do mundo, Deus nos escolheu, nele, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele. Em amor nos predestinou para ele, para sermos adotados como seus filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o propósito de sua vontade". Com certeza, antes que viéssemos a existir, Deus já nos escolheu. A interpretação a este texto tem como foco o jardim do Éden. Fazia parte dos seus planos criar a raça humana para sermos os seus filhos. Esta escolha não foi nominal, mas, ao gênero humano. Todos nós estávamos no jardim do Éden. Após a queda, tem o conhecido texto “Deus amou o mundo” (João 3:16), é uma referência ao gênero humano que foi expulso da sua presença. “A vontade de Deus é que todos sejam salvos (I Timóteo 2:4). Não faz sentido amar e desejar que todos sejam salvos e predestinar apenas alguns. Seria uma contradição que colocaria em xeque a confiabilidade das escrituras, pois, a doutrina da predestinação defendida por alguns segmentos da igreja evangélica é típica de um deus malvado e preconceituoso. Como poderia, Deus sabendo que alguém seria condenado ao inferno porque não foi previamente escolhido permita que nasça sem lhe dar qualquer oportunidade de salvação? No caso dos chamados e escolhidos que muitos confundem que seja um fato restrito a sua igreja, os chamados não são aqueles que se desviaram da fé, mas, todos os que ouvem a verdade para que tenham a mesma oportunidade de salvação, mesmo que a rejeite. Ser chamado também não significa ser incluído sem decisão pessoal. Os escolhidos é a igreja santificada formada por todos os que creem e que se renderam ao evangelho de salvação. O Ide de Jesus foi para promover o grande chamamento “...pregai o evangelho a toda criatura” Marcos 16:15 e são predestinados somente os que livremente crerem.

O DEUS DA SORTE E DO AZAR

Venancio Junior

O ser humano foi jogado à própria sorte. Logo no início bíblico da história em Genesis 6:5 Deus já percebeu que a coisa desandou totalmente e nos Salmos 81:12 Deus relata esta entrega aos desejos do coração maldoso e no livro de Romanos 1:28 a 32, o apóstolo Paulo escracha esta condição depravada do ser humano. Contrariamente à definição humana, na bíblia, sorte é um termo concomitante onde significa possibilidades que podem ser boas ou más. Todos estão sujeitos a todas elas porque perdeu-se a originalidade da criação em que estávamos usufruindo somente as coisas boas.

A origem de onde se partiu é fundamental para que não se perca a referência do que somos. É esta referência do padrão de qualidade que alinha as ações e pensamentos de acordo com o que foi definido por Deus o próprio criador. Sofremos as consequências por esta queda da origem que é somente um. Já, o destino, são dois, a salvação que é voltar a configuração original ou a perdição que é se manter nesta situação confusa e sem a originalidade. Perdê-la é algo que representa não ter mais a boa qualidade do início da criação. A Bíblia discorre sobre o que éramos, o que nos tornamos e o que podemos continuar sendo ou vir a ser. Dizem que o Antigo Testamento é a revelação do ser humano a Deus. Já o Novo Testamento ouvi falar que é Deus se revelando ao ser humano, convivendo em carne e osso com as agruras de uma vida fora do contexto da vida sem a originalidade da criação.

Por que Jesus não teve pecado sendo que nasceu no mesmo contexto de qualquer ser humano? Jesus foi concebido pelo Espírito Santo em que não há pecado. Apesar desta condição humana santificada, Jesus não ficou livre das tentações. Será que Jesus foi tentado somente no deserto? Será que Jesus sofreu alguma “cantada” para um tempo de quentes emoções das prostitutas com quem conversou? Será que Jesus foi tentado a dar um "jeitinho" na sua própria vida para fugir da morte que ele próprio já antevia? Lembro que em vários momentos, mesmo sabendo que, por amor, não tinha como fugir, demonstrou claramente que nunca quis morrer na cruz e, talvez o motivo principal fosse a dificuldade que Jesus teve em morrer pela vida dos religiosos que tanto combateu e foram os seus principais desafetos. Jesus tinha de demonstrar que também era humano, porém, sem pecar. Será que o primeiro milagre de Jesus transformando a água em vinho numa festa comum de casamento foi um deslize? Afinal, os milagres eram para fazer diferença na vida espiritual das pessoas. Ninguém passou a crer em Jesus do ponto de vista messiânico por causa deste milagre. Tanto os noivos, como também o administrador da festa e a maioria dos convidados não ficaram sabendo disto. Maria, a mãe biológica de Jesus, talvez não tenha cobrado uma intervenção miraculosa por parte do filho conforme a interpretação de alguns teólogos católicos que a superestimam, mas, não podemos negar que, em todos os episódios que a envolve, se portou como mãe, mesmo assim, Jesus se esquivou de fazer a vontade dela ou da forma como queria. Praticou o milagre, mas, sem alarde e sem que a maioria soubesse do ocorrido.

Eu creio em milagres e creio no poder de Deus que é, em todos os casos, extraordinário onde geralmente esperamos as manifestações do seu poder e na festa de casamento onde nem todos foram surpreendidos, demonstrou que se importa com o simples cotidiano humano. Contrariamente ao que se supõe quando no texto lemos que Deus nos abandonou e nos jogou a própria sorte nos submetendo a todas as possibilidades das consequências do pecado sem que ele próprio interviesse no destino de cada um, Deus se importa. Esta decisão radical em mudar o próprio rumo que foi definido ao ser humano, revela que se importa, pois, demonstrou sua tristeza e uma certa frustração porque não era para ser assim. Muitos julgam que Deus não tem sentimento ruim porque é perfeito. Deus é perfeito e completo. Deus é bom e demonstrou sua plena bondade na sua infinita misericórdia. Mas, Deus é completo demonstrando a sua absoluta soberania ficando triste e frustrado com a sua criação. Afinal, Deus é a fonte de tudo o que se imagina e o que se vê. Somos feituras da glória de Deus e essencialmente bons. Deus se encantou com a sua criação "...viu que tudo era bom" Gênesis 1:31. Porém, se desencantou posteriormente por causa do pecado que retirou a nossa originalidade e fomos condicionados a todas as possibilidades.

O ser humano tenta a qualquer custo se reintegrar a uma condição que lhe traga paz interior e faça sentido nas suas crises existenciais. Fora de Deus, nada faz sentido. Há muitos questionamentos internos e externos quando querem saber o porquê a outra pessoa é assim ou o porquê eu sou assim. Como forma de se proteger destes questionamentos, é mais fácil se conformar de que nasceu com estas características e seguir o próprio caminho desconsiderando todas as consequências desta decisão. Tem aquele velho ditado “pau que nasce torto, morre torto”. Os conflitos internos existem em cada pessoa. Alguns comportamentos sociais e religiosos, seus conceitos são questionados pela sociedade civil que se divide entre radicais e liberais. Cada um deve administrar suas fraquezas da melhor forma possível. De antemão afirmo que nem todo pau que nasce torto deve morrer torto. A nossa origem diz tudo o que somos e como devemos ser. Num contexto em que houve perda da originalidade, o melhor é buscar a composição original que, no contexto de pecado, não será possível utilizando os recursos humanos. Somente em Deus é possível ser uma nova criatura em Cristo. Da mesma forma que Deus nos deixou a própria sorte, nos deu a possibilidade em ser reconduzido a sua presença através da justificação em Cristo. Basta decidir em ser esta nova criatura. Não existe uma terceira via opcional em que a pessoa não decida por Deus e nem pelo diabo. A guerra entre Deus e o diabo não existe. Deus é soberano e o diabo que é a manifestação do mal, está sob esta soberania porque também é criação de Deus. O diabo sempre pediu permissão a Deus para agir. Se Deus não permitir, é inútil toda investida maligna do diabo. Toda violência e os absurdos que presenciamos na vida é porque Deus permitiu que o mal se apoderasse de nós, pois, nos submeteu às suas consequências. O único refúgio seguro é estar na presença de Deus onde o diabo não tem qualquer liberdade para praticar o mal na vida das pessoas para que não esteja mais sob os seus cuidados. Surge, então, o questionamento, se está sob o seu cuidado, então, por que as pessoas boas que encontram refúgio em Deus também sofrem? É porque fomos literalmente jogados a própria sorte onde bons e maus sofrem as mesmas consequências de estar fora da sua presença.

As principais promessas de Deus ao ser humano dos benefícios da sua bondade constam nos 10 mandamentos e nas bem-aventuranças que são para uma nova vida em Cristo. Mesmo em meio as turbulências da vida e sendo ainda pecadores, continuaremos pecadores, cada qual com o seu "pecado de estimação". Devemos crer nestas promessas para que o pecado não seja a única influência do nosso destino. Aquele que rouba que não roube mais, aquele que mente que não minta mais, aquele que julga, que não julgue mais e não dê vazão a todas as suas fraquezas. Todos nascem sujeitos a todas as possibilidades. Isto é por causa do pecado que está em nós e Deus nos submeteu a todas as consequências deste pecado. É uma tendência procurar motivos para os nossos erros e colocar a culpa nos outros. O inimigo não é o próximo, mesmo que seja o nosso virtual inimigo, mas, é aquele que age nas pessoas que praticam o mal. Da mesma forma aqueles que sofrem de algum tipo de incontinência, deve submeter esta propensão que se tornou natural, a Deus que é o único capaz de nos proteger destas consequências.

Ainda bem que os que decidem viver como uma nova criatura não sofre mais porque vai a igreja onde todo mundo é perfeito. Este é um pensamento absolutamente equivocado e não deve ser motivo para criticar as igrejas. Muitos consideram que a igreja deve ser composta somente por pessoas perfeitas. Ninguém é perfeito e somente Deus é bom. A igreja que Deus considera como a sua eleita, não está entre quatro paredes e nem ostenta uma placa com nome. A igreja verdadeira é formada por pessoas cheias de defeitos e capazes de continuar praticando o mal mesmo frequentando um grupo religioso. Constantemente devemos rever a nossa condição e apresentar diante de Deus as nossas fraquezas para que a arrogância e nem a soberba não sejam armadilhas e façamos um pré-julgamento de nós mesmos como sendo merecedores da graça de Deus. A igreja, não a institucional, mas, a que funciona em cada um daqueles que se renderam a Cristo, deve ser uma clínica de almas e acolher a todos com os seus defeitos e cada um deve assumir sem medo os seus defeitos todos os dias. Para isto, a igreja deve estar preparada para receber todas as pessoas do jeito que elas se encontram e do que elas sejam.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

PESSOAS COM PEQUENAS AVARIAS

Venancio Junior

Quem não conhece lojas que vendem móveis e eletrodomésticos novos, porém, com pequenas avarias? É um segmento que cresceu muito nos últimos anos. O público com renda média tem a oportunidade de adquirir produtos de marcas conhecidas pela sua qualidade e que tem um arranhão ou um pequeno amassado, mas, com funcionamento perfeito e que são vendidos com um bom desconto. Esta clientela não se importa com estes pequenos defeitos, desde que funcione bem e retorne a qualidade que se espera, tudo bem.

Usando como uma metáfora na espécie humana, será que existem pessoas com pequenas avarias ou que possuam mais defeitos que outras? Não, não existem! Todos nós somos igualmente maus e temos a essência do pecado. Alguns poderão contestar dizendo: “Lá vem ele com esta história de pecado novamente!”. Já afirmei noutras reflexões que pecado não é somente uma má ação, mas, tudo o que esteja fora da presença de Deus é pecado, sendo este, o único considerado por Deus. Não tem como praticar a bondade fora da presença de Deus. As más atitudes são consequências de um contexto espiritualmente desconfigurado. Surge então, o questionamento, como alguém que esteja fora da presença de Deus tem boas ações? Isto é possível, pois, Deus age nas pessoas independentemente da sua condição. Ser usado não significa que haja comunhão com o próprio Deus. O faraó que escravizava o povo hebreu no Egito não tinha qualquer sintonia, porém, foi usado por Deus que endureceu o seu coração. Não vou entrar neste mérito porque se trata de um assunto muito vasto.

Em plena época em que imagem é tudo e as redes sociais facilitaram muito esta exposição, as pessoas buscam intensamente fugir desta condição de que sejam essencialmente más e se esforçam para demonstrar que não possuem defeitos aparentes. Investem na aparência e até fingem serem cordiais e respeitosas e que até transparecem ter algo de valor a oferecer. Procuram de todas as formas possíveis externar que são pessoas “perfeitas” como se a beleza exterior fosse reflexo do interior o que na maioria das pessoas não é. Esta contradição, muitas vezes se observa, seja na vida real ou nos filmes em que a pessoa para conquistar alguém de interesse se torna muito diferente (para melhor) daquele que se tornará (para pior) após a conquista. A cara e o corpo atraentes servem apenas para chamar a atenção, sendo irrelevantes naquilo que somos (de verdade) bonitos ou não. Cordialidade, respeito e caráter elevado são apenas recursos descartáveis utilizados somente para esta conquista. Lembro que o melhor de si "exige" iniciativas e sacrifícios, enquanto, o pior de cada um faz parte da natureza decaida e que, de certa forma, não exige qualquer "esforço" para ser revelado. Uma leve reação já extrapola todos os limites da boa pessoa expondo o pior que tem a oferecer. O que mais temos hoje em dia são pessoas com fraturas emocionais expostas, amassados com afundamento de caráter e personalidades com muitos arranhões. Poderíamos ser boas pessoas neste contexto do pecado? Sim, poderíamos se o controle no processo da relação Santidade-Ser humano-Pecado fosse diferente. O problema é que não temos este controle e a tendência do ser humano é somente pecar porque já nascemos com grandes e profundas avarias. 

Absolutamente todos se tornaram pessoas más. Esta maldade é intensificada na personalidade e na falta de controle. As pessoas comedidas geralmente não expõem, poderia dizer, em grande escala as suas maldades, enquanto outras são bem explícitas e intensas. Somos essencialmente maus e demonstramos isto nos relacionamentos, nas atitudes e nas situações simples ou complexas. Porém, podemos demonstrar o oposto se a tendência da carne for anulada. Somente desta forma será possível demonstrar os valores da configuração original antes do pecado. Em Romanos 8:10 lemos que o corpo precisa estar morto: "Mas se Cristo está em vocês, o corpo está morto por causa do pecado, mas o espírito está vivo por causa da sua justificação" e na sequência do texto no verso 12 está escrito: "Portanto, meus irmãos, nós não devemos viver segundo as inclinações da natureza humana". Infelizmente tem muitas pessoas que revelam facilmente esta inclinação da natureza humana. O poder de vingança e de não se sentir inferiorizada e ser passada para trás, são as principais causas de maldade. Ao invés de demonstrar força quando são desafiadas, preferem dar vazão a estas inclinações. Este poder, na verdade, é perda de controle. Não devemos nos iludir julgando que temos poder para controlar a nossa vontade. É pura ilusão e os resultados por estas más atitudes poderão gerar feridas incuráveis em si mesmos e em outras pessoas. O apóstolo Paulo fez uma afirmação de si mesmo de que o mal habitava nele e queria praticá-lo constantemente, mas, o bem relutava em fazê-lo. "Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço". Romanos 7:19. A nossa vontade deve ser submetida ao controle do Espírito Santo de Deus.

O mal está em todo lugar. No aglomerado urbano das cidades, nas casas agindo nas famílias, nas empresas, nos templos religiosos, nos relacionamentos sociais e conjugais. Repito, para praticar o bem é preciso iniciativa, esforço e até sacrifício. Jamais pratique o bem com expectativa de reconhecimento e também não deve ser feito apenas aos amigos e familiares, isto é muito fácil, mas, se deve fazer o bem também aos inimigos. Isto é extremamente difícil porque a motivação natural é fazer o mal para quem nos faz mal. Em Romanos 12:20 lemos: "Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem". É uma questão de sabedoria, mas, não seja sábio aos seus próprios olhos (Provérbios 26:12). A prática do bem no anonimato é uma virtude que Deus considera muito.