quarta-feira, 30 de maio de 2018

FRAGMENTOS CONJUGAIS

Venancio Junior

     Dizem que o casamento é uma loteria. Muitos insistem nesta teoria fazendo entender que se trata de uma “roleta russa”. Será que isto é verdade? Acho que não. Primeiro, sorte biblicamente “falando” significa possibilidades. Não é algo solto que acontece por acaso. Segundo, as pessoas são imprevisíveis, caso contrário, acertaríamos sempre. Não existe uma receita infalível. Sequer receita exista. O que existe são princípios aplicados na vida individual que afetam diretamente o outro numa situação de compromisso conjugal. Qual seria, então, o melhor caminho? Na crise, a decisão certa, muitas vezes, é não tomar nenhuma decisão. Parar, refletir e deixar que as coisas fluam naturalmente sem perda de controle porque qualquer “pré-ocupação” gera tensão e, nesta condição, a falta de serenidade anula a capacidade de optar pelo melhor caminho que, pode não ser o que queira, mas, o que precisa, mesmo sendo dolorido e traumático. Pode ser que o caminho ainda não tenha sido encontrado e precise abri-lo na “mata cerrada” do relacionamento. Estas crises, muitas vezes, acontecem nos primeiros anos do casamento quando há somente os dois. Assentamento das emoções, adaptação das personalidades e uma gama de costumes e manias dispostas num ambiente agora compartilhado. Isto pode ser o começo de uma grande e excitante jornada.

     Mesmo casados e já acostumados com a nova vida, o que nunca deve deixar é o respeito mútuo. Lembro que respeito não é um mérito, mas, uma questão de educação. Respeitamos porque somos educados e não porque a pessoa merece. O casamento pode ter sido circunstancial, conveniente ou nunca fez parte de um processo construtivo e o resultado, neste caso, não precisará de terapia de casal para detectar onde aconteceu o erro. Vamos considerar o erro como ações na tentativa em acertar. O erro não é uma culpa isolada. O casamento é uma relação concomitante. Onde não há parceria, é impossível ter um ambiente que respire segurança quando tudo favorece a fragmentação do relacionamento. Numa situação de extrema insegurança, ao invés de se abrir e viver a verdade a dois, por mais dolorida que seja, se omitem e buscam soluções fora do núcleo conjugal gerando, desta forma, mais problemas tanto para o relacionamento e, muitas vezes, traumas pessoais que se perpetuará na vida individual de ambos. Quando isto acontece, numa situação emocional em “frangalhos”, o melhor é evitar os ressentimentos que causam desfiguração em tudo o que foi construído e que, em hipótese alguma, deva ser descartado como se fosse algo sem importância. A pressa é livrar-se o mais rápido possível do passado. Ninguém consegue se livrar do passado. O que precisa é aprender a conviver com ele.

     Na vida, de uma maneira geral, muitas coisas não acontecem conforme planejamos. A frustração surge quando o que se espera fica aquém daquilo que se idealizou. Isto é normal. Esta situação será saudável e construtiva se considerar como um momento de rever a relação se não se tornou algo nocivo à saúde emocional e nada tem acrescentado. Não existe comportamento padrão generalizado porque cada um tem a sua peculiaridade que deverá ser administrada de forma que se adéque aos diversos níveis de personalidades. Não hesite em desabafar, porém, com sabedoria. Evite o acúmulo de carga emocional, pois, poderá descarregar em hora errada.

     O gostoso de qualquer relacionamento é saber administrar o inevitável. Até mesmo as crises, por pior que seja, é obrigação comum enfrentar a dois que, quando bem-sucedido, traz grande prazer fortalecendo o vínculo. O relacionamento conjugal nunca deve ser assumido como um risco. Pode ser um grande e maravilhoso desafio na vida. Superá-los juntos ou separados, é uma questão de hombridade. Independentemente da decisão, o que foi construído juntos deve ser preservado mesmo separados. O respeito é algo que sempre deve fazer parte da relação por uma questão de princípios. Como já afirmei, o respeito nada tem a ver com mérito. Tem tudo a ver com caráter elevado. Perder o respeito é desvio de caráter. Isto é muito sério. O que seria exatamente a falta de respeito? Na relação conjugal, o pior deles é a traição. Quem trai, não pode dizer que errou, pois, só erra quem está tentando acertar e traição jamais será uma tentativa em acertar. Traição é uma prática do mal. Não precisa ser exatamente um caso extraconjugal, mas, pode ser também uma simples decisão isolada que infringe diretamente o casal ou a família. Expor problemas conjugais ou familiares a terceiros. De qualquer forma, a traição é uma extrema falta de respeito e deve ser banida. Isto se aplica também na vida social, profissional e outros.

        Em qualquer nível de relacionamento, a atenção e dedicação ao outro deve ser sempre de forma altruísta. Na relação conjugal o carinho deve ser parceiro constante nas palavras e nos gestos. Todos nós precisamos de carinho, afeto e atenção. Sem esta afetuosidade a vida perde muito o sentido e a sua graça. O que devemos evitar é que a atenção exclusiva das pessoas, filhos ou o cônjuge, se torne uma exigência. Atenção dedicada é algo espontâneo porque é a única forma de demonstrar sinceridade. Todo mundo tem alguém com quem quer estar sempre por mera questão de empatia. O ideal seria o próprio cônjuge porque, quanto mais presente na vida, mais implica intimidade. Conhecer um ao outro é uma questão de necessidade e sobrevivência conjugal. Por exemplo, no relacionamento sexual, não se trata de sobrevivência no sentido de obrigação, mas, quando ambos ainda estão ativos e não acontece, com certeza, o relacionamento sobreviverá à mingua. Em I Coríntios 7:5 o apóstolo Paulo foi incisivo, “não vos priveis um ao outro”. No verso 3 do mesmo capítulo ainda lemos que “marido e mulher devem cumprir com o seu dever conjugal” e na sequência diz que “nem a mulher e nem o homem devem se dispor do corpo a terceiros porque um pertencem ao outro”. Fazendo um adendo, particularmente, no ato conjugal, julgo que a mulher é passiva e o homem é o ativo. O comportamento passivo da mulher é de ser amada e protegida na sua intimidade. O comportamento ativo do homem é o de cuidado, dedicação e proteção a alguém de sua intimidade. Dentro desta conjuntura, não faz qualquer sentido o relacionamento extraconjugal. A sexualidade é uma entrega. Assumir um compromisso conjugal é entregar-se também de corpo ao outro que, teoricamente, é a pessoa de maior confiança. Ninguém entrega o que é seu para um estranho. No capítulo 6:19 o apóstolo enfatiza de que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo para a glória de Deus e devemos fugir da imoralidade sexual.

     Casamento é uma construção de valores para favorecimento mútuo. Filhos, por exemplo, valor incalculável. Ouço muitos casais já desiludidos e até mesmo terapeutas conjugais afirmarem que filhos não “segura” casamento. Concordo em parte. Os filhos não podem ser jogados ao acaso quando “ninguém é culpado” por nascerem. "Os filhos são herança do Senhor para as nossas vidas" Salmos 127:3. Mesmo inicialmente não fazendo parte do plano original do relacionamento, um filho deve ser assumido como uma grande conquista. Quando nascem os filhos, a carga de preocupação se acentua porque a responsabilidade pela formação é dos genitores que ainda precisam administrar incessantemente a relação. Lembro que o cuidado para com eles independe da condição do relacionamento. Não amamos os nossos filhos porque são bons. Da mesma forma que também não amamos o nosso cônjuge por ser uma boa pessoa. Amar é algo incondicional. Muitos dizem que amor não é sentimento, mas é atitude. Creio que sejam as duas coisas intrinsecamente ligadas. O apreço aproxima as pessoas e o amor intensifica a relação pelas atitudes seja intencionalmente na parceria ou de forma espontânea. No relacionamento sempre deve haver o compartilhar das ideias, dos planos e, principalmente, dos sentimentos. Porém no decorrer da vida os relacionamentos se desgastam e podem perder o sentido e instintivamente tomar rumos ignorados. O ideal seria que, antes que aconteça este desgaste, reagir no sentido de revitalizar a relação ou, a grosso modo, cortar o mal pela raiz. Com ou sem crise, o entendimento deve ser um processo contínuo. O respeito ao outro nunca deve ser por mérito, pois, respeita-se a pessoa, mesmo que não mereça. Tanto no relacionamento conjugal ou com os filhos, em meio à uma potencial crise, deve-se evitar o confronto direto. No caso dos filhos, quando ainda estão na adolescência que é uma fase difícil até para eles mesmos que, numa busca incessante de identidade e querem conquistar o mundo, muitas decisões precisam ser tomadas em pouco espaço de tempo e julgam que já conquistaram o mundo e não admitem que alguém diga o que eles devem fazer. Entrar em confronto direto para quem está aceitando todos os desafios possíveis não é uma boa ideia porque a relação vai minando e chega num ponto que não tem muito o que fazer, tudo o que os pais disserem não vale e a melhor coisa é exatamente nada fazer e torcer para que aprendam da melhor forma possível. A maioria dos filhos nesta fase avançam destemidamente e transpõem todos os obstáculos possíveis. Isto é causado pela sobrecarga de energia da novidade em decidir pela própria vida. Não tem limite, até que amadureçam e percebam que precisam retornar, abaixar a poeira e reconhecer que sem o apoio dos pais nada seria possível porque, muitos, ainda dependem deles. Não se trata de questão financeira, mas de sentimento, afeto, apoio nas incertezas e o carinho que qualquer pessoa precisa principalmente daqueles que são mais próximos.

        Não somos perfeitos e temos os nossos defeitos, mas, em algum lugar deve ter alguma coisa de valor em cada um que propicie uma “compensação” e demonstre que vale a pena a convivência. Muitas vezes é difícil encontrar estes valores porque estão sufocados por um comportamento fechado, retraído e egoísta. Geralmente, reagimos de acordo com as circunstâncias e não tomamos qualquer iniciativa em agir conforme as qualidades. Muitas pessoas, mesmo na velhice, quando nesta fase não se exige muito da vida, estão escravizadas pelas suas convicções, ocultando o que tem de melhor. Talvez tenham de ser livres de si mesmas porque a própria vida pode estar fragmentada e que afeta o relacionamento conjugal. Viva a vida a dois sem a marra do ressentimento desfragmentando as emoções.

terça-feira, 15 de maio de 2018

CAIR DA GRAÇA

Venancio Junior

Cair da graça é quando não demonstramos aquilo que Deus é em nós. Por nós mesmos, decaímos e perdemos os privilégios da santificação. O apóstolo Paulo já nos advertiu em Gálatas 5:4 quando diz: “Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído”. Fomos separados após a queda, quando houve uma ruptura na relação com Deus e o homem sofreu uma completa e profunda desfiguração, trazendo consequências irreparáveis do ponto de vista humano. Porém, Deus redarguiu com a sua graça ao pecado. A graça faz parte da configuração original da criação, mesmo com esta queda, está disponível à nós, potencializadas em Deus somente, não dependendo de nossos esforços. Cada indivíduo tem este acesso e muitos a estão rejeitando e se mantendo fora da presença de Deus. Em Mateus 24:10 lemos sobre o acontece quando rejeitamos a graça de Deus aonde as pessoas irão “...trair-se uns aos outros e mutuamente se odiarão”. Nem mesmo os evangélicos escaparam como lemos ainda no texto de Mateus 24 no versículo 11 que é bem explícito, “...surgirão muitos falsos profetas e enganarão a muitos” e na continuação, no verso 12 e que já está acontecendo, "o amor de muitos esfriará, pois, a iniquidade se multiplicará” (Mateus 24:12). O amor, que é a essência do nosso relacionamento com Deus, esfriou porque fogem da sua graça e reforça ainda mais este distanciamento.

Graça é uma das manifestações de Deus. Em hipótese alguma pode ser considerada uma oposição à sua justiça, porque é a única forma manifestada de Deus que permite sermos reconduzidos à sua presença novamente. Quando fomos expulsos da sua presença, Deus foi justo e quando nos ofereceu a salvação que nos reconduz à sua presença, foi gracioso. Fomos condenados ao inferno pela justiça de Deus. A justiça divina deve ser vista nesta perspectiva, de que Deus não compactua com o pecado, sendo esta, uma convivência impossível. Deus se manifestou movido pelo amor e veio em carne para salvação do homem pela sua graça. “Porque pela graça sois salvos...” Efésios 2:8. A graça vem de Deus que está também em Cristo como lemos no livro de Lucas 2:40 onde há o relato do desenvolvimento de Jesus: “E o menino crescia, e se fortalecia no espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele”. Devemos continuamente buscar o crescimento no conhecimento e na graça como nos adverte o apóstolo Pedro da segunda carta no capítulo 3:18, “...antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.

Numa sociedade em que ser evangélico tornou-se moda, contrariamente ao que imaginávamos anos atrás que poderia facilitar, é difícil perceber qual a marca, não da roupa, mas, da graça de Deus que revele o verdadeiro discípulo. Vimos o esforço da maioria dos evangélicos em cumprir com as suas “obrigações” dentro e fora da igreja numa conduta até condizente com os princípios da palavra de Deus. E os não evangélicos, como explicar a boa conduta? Lembrando que o princípio da moral, da ética, da bondade, da dignidade e do respeito é a partir do evangelho. Temos a mesma origem em Deus pela sua graça. Pelo simples fato de a pessoa não ser evangélica não significa que ela será moral e socialmente irresponsável. Conheço muitos destes que não seguem e nem gostam de algum tipo de religião, principalmente as cristãs, porém, assimilam sem saber, os princípios da palavra de Deus cuidando e amando as suas famílias, não desejando o mal ao próximo e zelando pela integridade moral do meio em que convivem. Por que isto acontece? Simples, a graça de Deus é concedida a todos, independentemente da condição. No entanto, estas pessoas não têm consciência de que as boas intenções são legitimadas na graça de Deus. Não basta ser bom, tem de ser justificado em Cristo. Por estarmos fora da presença de Deus, perdemos a graça intrínseca, porém, todos são alcançados e reconduzidos pela sua graça desde que renuncie à velha criatura “sem graça”. A graça de Deus é o meio que foi concedido a todos, principalmente, para salvação e outras benesses porque ela é abrangente. Mesmo salvos pela graça, continuamos em pecado e incessantemente sendo justificados em Cristo. Por meio da graça somos salvos e a superabundante graça, sendo ampla e contínua, é o processo que nos mantem salvos.

Justificados ou não, vivemos em pecado, porém, devemos rejeitar o pecado em nossa vida. Deus não está interessado em saber quem peca pouco, quem peca muito, se é “pecadinho” ou “pecadão”, na verdade, não existe quantificação e nem qualificação de pecado. Toda citação de quantidade de pecados é uma metáfora porque estar fora da presença de Deus significa estar imerso no pecado. Quando o apóstolo Tiago fala sobre cobrir uma multidão de pecados se alguém salvar uma alma, na verdade, ele deu ênfase para que entendêssemos o fato de que salvar uma vida do inferno tem uma grandiosidade indescritível. Pedro também utilizou esta metáfora em relação ao ardente amor uns pelos outros que “encobriria uma multidão de pecados”. Quem pode mensurar o amor? É uma grande missão pregar o evangelho e deve ser feito com o amor autêntico de Deus, caso contrário, não atingirá a mente para a consciência e nem o coração que define a conversão. Esta missão em pregar até os confins da terra foi designada a todos que foram alcançados pela graça e a grande mensagem do evangelho é que todos podem ser salvos pela graça. Sem a graça, já estaríamos condenados à morte eterna sem qualquer chance de resgate porque fomos rejeitados por Deus. O pecado separa o homem de Deus. A graça permitiu o acesso. A graça de Deus e tudo o que provêm dEle são manifestações da sua presença no sentido de nos reerguer para que vivamos sob a sua graça.