terça-feira, 18 de janeiro de 2022

DEUS JÁ ERA

Venancio Junior

Em recente artigo publicado no jornal Estadao que originalmente foi publicado na revista inglesa The Economist, o assunto, óbvio, é econômico, porém, na área imobiliária com enfoque na venda dos templos de algumas religiões. Segundo a matéria, o esvaziamento dos templos tem sido gradativamente se intensificado e não faz sentido como também o custo é muito alto, manter os templos físicos e muitos são colocados à venda. Mesmo antes da pandemia, este êxodo religioso era preocupante. Durante a pandemia este processo teve um efeito vertiginoso. Os grupos que deixaram de frequentar são diversificados, desde os preocupados com a doença numa virtual contaminação por aglomeração, como também daqueles que já tinham em mente esta decisão pela perda do sentido em frequentar a igreja.

De certa forma, no tocante a espiritualidade, isto é muito preocupante. Reitero que frequentar uma igreja não significa que esteja tudo bem. Mas, deixar de frequentar muitas vezes revela que algum tipo de problema exista na espiritualidade. A relação com Deus nunca pode ter como “termômetro” a frequência ou o envolvimento com as atividades no templo físico por mais intensa que seja. A própria bíblia exorta que, neste caso, o envolvimento e atividades em qualquer instituição de cunho religioso são denominados como obras e não é por meios delas que se define a espiritualidade (Efésios 2:9). De outra forma também a inatividade plena das obras invalida a fé que será meramente nominal (Tiago 2:26). Tanto a fé como também as obras não se devem praticar somente nos templos. Primeiro que o próprio Deus afirma que não mais habita em templos feito por mãos humanas (Atos 17:24). Este tríplice princípio é o fundamento da espiritualidade.

Pois bem, o esfriamento espiritual e o fechamento literal de igrejas, principalmente nas sociedades socialmente mais evoluídas, diria que é até previsível e, mesmo antes do mundo digital em que as informações são extremamente rápidas, isto já vinha acontecendo. A Europa e América do Norte são conhecidas pela raiz do cristianismo incrustada na formação das suas sociedades. O crescimento econômico destes países gerou uma falsa blindagem e coloca as pessoas numa encruzilhada em que devem escolher continuar dependendo de Deus ou confiar no dinheiro. Deus e mamon, descrito na bíblia como dinheiro, não se alinham (Mateus 6:24). Imagine uma pessoa que vive confortavelmente sem aparente problema financeiro, saúde e a família felizmente encaminhada nos seus propósitos profissionais e relacionais? Onde Deus se encaixaria neste contexto? Diria que Deus já era. Infelizmente para muitas pessoas Deus é apenas um recurso quando é algo humanamente impossível no sentido de viabilizar seus projetos pessoais na classe média e prover as necessidades emergentes nas classes menos favorecidas que não tem o apoio da classe política que deveria assisti-los a contento. Deus já era quando a autossuficiência é o principal sentimento tornando a arrogância o seu próprio deus que faz tudo o que a pessoa deseja. Deus já era também quando a esperança se esvai nos muitos casos perdidos e quando a frustração é companheira mais próxima. Este termo “já era” foi muito difundido pelos hippies na década de 70. Tem o sentido de acabou ou não existe mais.

Toda história tem perspectivas diversas e nesta não é diferente. Atualmente existe um grupo principalmente nas Américas que se autodenomina “evangélicos” cuja doutrina tem como principal bandeira a “prosperidade” e Deus é o principal provedor desta doutrina. Outra crença deste grupo é que se a pessoa passa por dificuldades é porque há algum problema espiritual. Eles creem em Deus como um paizão que satisfaz os desejos do filho mimado atendendo todos os seus caprichos. É uma relação com Deus muito estranha e antibíblica. Talvez para este grupo Deus também já era. Usam o nome dele e falam em nome dele, mas, o coração está longe (Mateus 15:8,9).

Tem aquele outro grupo de pessoas em que Deus já era Deus mesmo antes da existência. Bem antes de sermos imersos no contexto do mundo atual disforme e confuso, Deus já era Deus. Por incrível que pareça, Deus já era Deus mesmo diante, da fome, das guerras, do preconceito, da discriminação, da pobreza, das doenças, da morte e de tantos outros revezes que a vida impõe. Reconheço que é preciso uma fé, como dizem, hard para suportar, por exemplo, o que Jó sofreu. Os discípulos sofreram perseguições e morte por acreditarem em Deus. Para todos estes que sofreram e ainda sofrem, Deus já era Deus mesmo antes dos problemas existirem. Que contexto de vida é este em que a fé vem pelo ouvir e crer na mente e no coração? Como crer em um Deus que já era Deus desde sempre? Um Deus inexplicável porque criou a existência (Gênesis 1:1) criou o mal (Isaias 45:7), insondável que se tornou conhecido mesmo sendo invisível (João 14:17)!

Deus já era Deus mesmo antes de tudo existir. Criou a existência para que ele existisse em nós (I Coríntios 3:16) e dar forma ao amor relacional porque nos amou primeiro (I João 4:19). Não adianta buscar veracidade nos livros de filosofia, nos templos e nem mesmo na religião. Deus se relaciona com a pessoa na sua intimidade e inter-relaciona com os seus escolhidos. Num mundo egoísta e profundamente carente de relacionamento a única certeza é confiar em Deus que se torna “palpável” através da fé. Sei que para os céticos este extremo sentimento soa meio piegas. Afirmo que Deus é comprovado também pela lógica. Vamos nos ater aos sentidos do ser humano, olfato, paladar, visão, audição e tato. O aroma das flores e da fragrância dos perfumes e também dos alimentos, até mesmo o mau odor é flagrado no faro apurado. O que seria do cheiro se não houvesse o olfato. Da mesma forma o paladar. O que seria do alimento gostoso se não houvesse paladar? O paladar também serve para rejeitarmos o de gosto duvidoso. A visão seria desnecessária se não houvesse a beleza das cores, o contraste da natureza e a beleza humana. O que seria dos diversos sons se não houvesse a audição? Como identificar a textura e forma dos objetos sem a sensibilidade do tato? Como afirmar de que não houve a evidente intencionalidade em criar esta inter-relação? Podemos chamar de qualquer nome, nós chamamos de Deus. O próprio Deus se apresentou como “Eu sou” (Êxodo 3:14). Ele não falou para o chamarem de Deus, Javé, Alá ou qualquer outro nome da invencionice humana. O próprio Jesus enquanto Deus não tem nome. Jesus é o nome humano para que cumprisse a missão em se tornar carne e habitar entre nós (João 1:14). Já o nome Cristo não é um nome próprio porque significa designação ou unção. Chegamos à conclusão de que Deus não existe, pois, não se limita a existência que ele próprio criou e, como toda matéria, é finita. Então, Deus simplesmente é. No passado ele é o “Eu sou”. No presente continua sendo o “Eu sou”. No futuro continuará eternamente sendo o “Eu sou”.

Aquele Deus que se procura nas imagens e nos rituais da religião já era, na verdade, nunca foi. A venda dos templos e das propriedades das religiões poderiam e devem ser concretizadas e distribuir o dinheiro aos pobres, desenvolvendo, desta forma, a verdadeira religião. Religião é atitude e não propriedade. Um templo sem pessoas vale muito dinheiro, mas, um templo sem Deus de nada vale. Para o que serviria um templo sem Deus? Nós somos o templo (I Coríntios 3:16). O que somos sem Deus? Se respiramos e desenvolvemos todos os sentidos, pelo menos é privilégio para a maioria das pessoas é porque temos a vida em nós independentemente se cremos em Deus ou não. Não apague o Espírito da vida que está na tua vida (I Tessalonicenses 5:19).