sábado, 28 de agosto de 2021

ANTROPOLOGIA DO EVANGELHO

Venancio Junior

Quando se fala em antropologia ou existência, vêm à mente a questão do princípio de todas as coisas, até da própria existência. Há três teorias em evidência no meio acadêmico: Teoria do criacionismo – Teoria do Big Bang – Teoria da Evolução. Este último tem mais afinidades com a segunda teoria, a do Big Bang. Cientificamente ainda não se chegou a um denominador comum de qual o conceito realmente válido. A teoria do Bing Bang ainda não conseguiu explicar o princípio de tudo o que já existia. O princípio de tudo, segundo os cientistas, foi causado por uma explosão apelidada de “Big Bang” ou tudo foi intencionalmente criado conforme defende os criacionistas? O que vai mudar se um ou outro conceito for comprovado? Nada vai mudar porque a existência é autônoma e subsiste independentemente de qualquer comprovação. A existência como matéria tem um princípio. É uma questão, de certa forma, lógica. Qualquer uma das teorias deverá haver a sua crítica para que não tenha algum indício de fraude nas análises. A existência tem as suas considerações e implicações. A evolução pertence aos dois principais conceitos. Imagine comigo, tudo o que existe tem um princípio. Isto é bem lógico. Então, neste caso, Deus não existe, pois, não tem princípio e não tem fim. Deus simplesmente é. No texto de Êxodo 3:14, há uma estimativa de 1390 anos antes de Jesus, quando Moisés perguntou como deveria apresentá-lo aos israelitas, Deus respondeu apenas como “Eu Sou”. Deus foi de certa forma, econômico nas palavras porque, como Moisés entenderia Deus explicando a si mesmo? Isto significa que Deus não se limita à nossa dimensão. Deus se apresentou e nos permitiu uma “conexão”. A única forma de se ligar a Deus e compreender o seu valor, segundo a bíblia, é através da fé. Não tente entender pela fé o que é e nem quem é Deus, a não ser que Ele se revele. A fé não explica Deus. Se conseguisse, então, seria um Deus lógico, consequentemente limitado, o que não é o caso. Vamos analisar seguindo a linha do evangelho que nos foi revelado.

Quando Deus criou a existência, especificamente o universo onde se encontra um “pontinho” denominado planeta terra, definiu que o ser humano e os animais eram para cuidar e manter o funcionamento tal como foram criados e usufruir de todos os benefícios e não há qualquer menção em possuir os “produtos” da criação. Para felicidade dos veganos, no princípio todo mundo só se alimentava de plantas e frutos (Gênesis 1:29) e os animais se alimentavam de vegetais (Gênesis 1:30). O ser humano parece que não entendeu o recado e, além de desobedecer e perder o privilégio do jardim, com muita obstinação, confundiu e deseja ardentemente “possuir” o quanto mais e tudo o que seja melhor para alimentar o ego e a vaidade. O mundo é para usufruir e não para possuir.

Desde este princípio (que ninguém sabe ao certo quando aconteceu) muita coisa mudou e tomou formas que, a princípio, não era para ser deste jeito. Reconheço que, como um simples observador da vida que se aventura e tenta aproximar o máximo possível de uma compreensão lógica do que seja, de fato a existência, esteja sendo extremamente ousado em abordar a sua antropologia. Imagine a junção destas duas complexas estruturas discorridas em poucas linhas e por alguém, de fato, limitado? A minha motivação e propósito é aprender um pouco mais sobre a lógica (se é que tenha alguma) do conceito que aprendi sobre estes dois assuntos. O conceito de antropologia é o estudo da existência. Neste caso, até o inimaginável faz parte da estrutura metafísica. Daí, pensei, o porquê não fazer esta “brincadeira literária intelectual” que irá desobstruir o raciocínio da lógica abrangendo também o contexto espiritual. Espiritual!? Pois é, não tem como falar sobre a vida e tudo o que a envolve sem falar da espiritualidade. Tudo o que pensamos e sentimos é espiritual. Tudo o que acontece na dimensão física tem reação na dimensão espiritual. A espiritualidade não é uma parte de nós, mas, o todo composto é espiritual.

O conhecimento vem através dos cinco sentidos, visão, audição, olfato, paladar e tato. Os acontecimentos na vida são simultâneos. Os eventos se acontecem. Mesmo com o amplo avanço da comunicação, não conhecemos tudo o que há na vida mesmo que algo esteja acontecendo simultaneamente. Imagine quando se assiste a um programa de televisão ao vivo? Não imaginamos e nem enxergamos o que está acontecendo atrás do palco. Vamos avançar no raciocínio e reconhecer que atrás das paredes dos bastidores do palco também tem muita coisa acontecendo e se prosseguir neste raciocínio, lembraremos que indiretamente participamos de tudo o que acontece no mundo. Numa transmissão ao vivo, estamos presentes porque fazemos parte da mesma dimensão. Não conseguimos ver devido a visão limitada, mas, as coisas não deixam de acontecer porque não enxergamos. Compartilhamos o mesmo espaço. Não existe lá fora. Fora do mundo tem o universo infinito. O nosso conhecimento é mais amplo na dimensão espiritual, pois, na dimensão física nos limitamos a um pontinho quase insignificante no universo infinito. Esta afirmação se refere apenas ao ambiente atmosférico. O espaço espiritual também é infinito. Alguém conhece o “fundo do poço da alma”? O meu propósito é discorrer sobre a perspectiva da antropologia conhecida e fazer uma analogia de um dos principais conceitos da existência. Tomo a liberdade em partir do princípio de que a lógica e o raciocínio são também integrantes, obviamente, da existência, da mesma forma, que o sentimento, as emoções e, praticamente, todos os sentidos são também seus componentes, porém, da dimensão “abstrata”.

Vamos analisar do ponto de vista da teoria criacionista. No princípio Deus criou tudo, inclusive o ser humano. Sem entrar no mérito da questão, este “princípio” era do que exatamente? Na verdade, para melhor compreender e evitar discussões infindáveis e discorrer textualmente os fatos revelados foi usada a lógica de forma simplificada. Para não ser simplório, este princípio refere-se ao próprio processo da criação. O autor de Gênesis enfatizou que no começo, tudo foi criado querendo dizer que a matéria tem um início e não foi “obra do acaso”. Com exceção da matéria vegetal e animal, o ser humano foi essencialmente dotado de raciocínio com vontade e escolha. Será que Deus quis que o ser humano tivesse livre arbítrio sobre suas vontades e seus destinos e também sobre toda a existência? Um dos grandes pontos polêmicos defendida por uma das principais linhas teológicas cristãs, a tradição reformada, defende que o ser humano não tem livre arbítrio. Ela crê que a soberania de Deus é absoluta. Nisto eu concordo, porém, quem definiu este livre arbítrio foi exatamente a soberania de Deus. Vou considerar como um grande equívoco afirmar que não nos foram concedidas opções. Lembro que o livre arbítrio vem desde antes da formação da mulher e da queda. Vamos considerar sim e não como os fatores determinantes da livre arbitrariedade. Esta afirmação encontramos no evangelho, especificamente no livro de Gênesis 02:16: “E o Senhor Deus ordenou ao homem: “Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente morrerá”. O que significa “O Senhor ordenou”? O que significa “livremente”? E o que significa “não coma da árvore do bem e do mal”? Livremente significa ter opção de escolha e, neste caso, nas variedades de frutos e entre o bem e o mal. Quem determina o que, absolutamente, acontece na existência é o seu autor, Deus com a sua soberania. Se Deus determinou que o ser humano teria opção, então, não há mortal na face da terra e nem no universo que contrarie esta decisão. A árvore do bem e do mal mesmo que nunca viesse a existir, o livre arbítrio estaria presente porque foi concedida a opção de liberdade para o homem decidir, inclusive, o nome dos animais e das plantas. O ser humano optou em desobedecer, primeiramente a mulher e depois o homem. O porquê desta ordem, sinceramente, não há uma resposta razoável. Talvez se fosse o homem sendo seduzido pela serpente houvesse uma certa relutância. Não quero dizer que a mulher seja mais fácil de se convencer. Será que a serpente já conhecia a personalidade de Eva? A serpente é astuta e sabia muito bem o que estava fazendo. Será que a serpente teve autonomia para fazer isto? Houve a permissão de Deus, isto é fato, caso contrário, seria questionável a onisciência em não saber o que estava acontecendo e onipotência de Deus em impedir este ato de desobediência.

De qualquer forma, o “estrago” estava feito e tudo foi, tipo, desconfigurado e precisava de um novo plano para que o fluxo do processo fosse revertido. As condições foram expostas e o próprio Deus precisava se envolver pessoalmente nesta questão. Voltando no início do texto em Gênesis, Deus se revelou em três para que houvesse uma melhor compreensão das ações distintas Pai, Filho, Espírito Santo. Não existem três deuses e não encontraremos três deuses no Reino. No Gênesis houve a primeira manifestação da trindade demonstrando que se tratava de uma mesma essência. Logo no capítulo 1:1 Deus se manifestou onde lemos “Deus criou” e no mesmo capítulo, porém, no versículo 26 Deus demonstra a essência da sua divindade “Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Deus é único, porém, com ações distintas no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Até aqui percebemos a essência de Deus se envolvendo pessoalmente na criação e no resgate do ser humano através da encarnação de Deus em Jesus Cristo. A primeira menção de Cristo como o Messias que viria encarnado foi em Isaias 9:6, “Porque um menino nos nasceu...”. isto foi profetizado 700 anos antes do nascimento de Jesus. Os dados históricos não são importantes no processo de resgate do ser humano. O importante é saber qual o papel desempenhado por cada profeta que anunciou a salvação e por Jesus, autor da salvação.

Ainda criança, sempre me vinha à mente o questionamento, se foi Adão e Eva que pecaram, então, por que eu sou penalizado também? Grosso modo, o que eu tenho a ver com isto? A resposta é simples. Quando Deus expulsou Adão e Eva do paraíso é como se a raça humana fosse expulsa da presença de Deus. Isto lemos em Romanos 3:23. Nesta condição, nascemos em pecado. Seria como viver num ambiente poluído pelo pecado e respiraremos a poluição e seremos sujos pela poluição. Não tem escapatória. No caso do pecado, tem, sim. Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. Foi isto que Deus nos ofereceu. Algo que devemos ter sempre em mente é que Jesus, mesmo sendo divino, foi humano e precisava se comportar como tal para que ratificasse a mensagem do sacrifício pelos pecados. Que sentido seria Deus sofrer sem as fragilidades humanas? Deus não sofre, porém, se permite sofrer por nós através de seu filho que é Ele mesmo encarnado. Tudo o que existe tem como fonte em Deus, tanto o bem como também o mal. Ele sabe o que precisa ser feito para que as coisas voltem à funcionalidade original. Esta é a proposta do Reino e tudo o que está sendo feito na dimensão espiritual é para a vida eterna ou morte eterna da raça humana.

Desde o Antigo Testamento até a primeira vinda Cristo pulamos muitos fatos. Na verdade, o foco é expor de forma sucinta o processo do início da história até chegarmos na conclusão desta história que é a salvação da raça humana. Prosseguindo, já sabemos que a existência teve um início. No decorrer da história houve uma ruptura com a dimensão original e precisava que houvesse outra ruptura, só que agora com a dimensão do pecado que nos mantêm fora da presença de Deus. Exatamente neste ponto que Jesus, Deus encarnado entra na nossa história para refazer a nossa vida. Há uma controversa sobre o como funciona este processo de salvação. Devido a isto, surgiram diversas doutrinas e suas ramificações que mais confundem do que esclarecem que é o foco principal do discernimento bíblico. Não pretendo ser mais um que expõe a sua versão. O ideal é não apenas crer com o coração na palavra, mas, confirmar com a mente. A bíblia é para o coração, porém, a porta de entrada é a mente. Temos vários exemplos disto. “A fé vem pelo ouvir” (Romanos 10:17) e a mensagem vai para o coração. Devemos entender que “coração” é um sentido figurado porque fisicamente é o que bombeia o sangue e não permanecemos vivos sem ele. O real sentido do coração é a nossa alma (consciência) onde sentimos, cremos e decidimos o rumo da nossa vida. Deus não quer pessoas “inconscientes” que não sabe o que esteja fazendo. A decisão em seguir a Deus é absolutamente intencional. Fé não é um amuleto e nem pode ser depositada em objetos de devoção e muito menos em pessoas consideradas “santas”. Os apóstolos não foram santos e ninguém pode ser santo no sentido de empoderamento de força sobrenatural. A não ser que Deus use uma pessoa e a condicione para cumprir uma missão. Mesmo assim, esta pessoa não é santa por mais boa, mansa e humilde que seja. A única condição que a bíblia nos classifica é como pecadores. Todos pecaram, inclusive Maria é pecadora, Pedro é pecador, Paulo é pecador, o Papa é pecador, o Pastor é pecador, Agostinho é pecador e “todos indistintamente pecaram e foram expulsos da presença de Deus” (Romanos 3:23) e precisam de salvação. Ninguém é santo. A bíblia afirma que somente Deus é santo. Santo significa separado. Noutras palavras, somente Ele é totalmente separado do pecado. A palavra santificação na bíblia é referente a ação de Jesus em nossa vida. Morremos por causa do pecado e Jesus, tipo, nos separou do pecado, ou seja, santificou através dEle e se permanecemos nEle, continuaremos santificados. Isto não significa que fomos dotados de poder e nos tornamos “seres superiores”, nada disto. Todo este processo acontece por causa da graça que nos foi concedida. Em Efésios 2:8 está muito claro que “somos salvos pela graça e isto não vem de nós, mas, é um dom gratuito de Deus”.

Outro ponto polêmico que abordarei é com referência aos dons espirituais. De antemão digo os dons não são garantias de salvação. A única coisa que nos garante a fé é reconhecer que somos pecadores e totalmente dependentes do amor de Deus. O apóstolo Paulo em I Coríntios 12 discorre sobre os dons com muita propriedade atentando para o corpo de Cristo que é a igreja. São vários membros diferentes uns dos outros, porém, bebem da mesma fonte. No último verso (31) exorta para que se busque com zelo os melhores dons. Porque “melhores”? Excetuando a questão da tradução, creio que a intenção de Paulo foi orientar para que busque o dom adequado ou aquele que Deus entregar para um determinado fim. Creio também que nos chamou para que busquemos os dons com sabedoria sem vaidade ou arrogância como vemos por aí quando as pessoas se comportam como “santarrões” devido a julgar que possuem muitos dons. Os dons não pertencem a uma determinada linha cristã ou tornará mais espiritual determinado grupo. Isto é menosprezar o corpo que é somente um em Cristo. Os dons não podem se caracterizar como “termômetro” que ratifique espiritualidade. Os dons, conforme o verso 07, são concedidos pelo Espírito Santo para beneficiar a todos e não a si próprio exclusivamente. Outrossim, é possível que a pessoa julgue que não tenha algum destes dons listados por Paulo. Particularmente creio que os dons não se restringem a somente estes. Os dons, talvez sejam infindáveis, pois Deus é quem definiu a diversidade dos dons, porém, com unidade no mesmo Espírito. Este é o mesmo Espírito presente na criação da existência e do ser humano.

Outro questionamento a respeito da salvação é sobre a eleição. De cara já exponho o texto de Romanos 2:11 onde lemos que “...em Deus não há acepção de pessoas”. Será que existe mais alguma referência neste sentido? Alguns dizem que Deus escolheu somente algumas pessoas para serem salvas. Concordo em parte na questão dos escolhidos. O próprio Jesus afirmou isto em Mateus 22:14 de que “...muitos são chamados, mas, poucos são os escolhidos”. Muitos aceitam a mensagem e seguem, porém, se perdem pelo caminho e são, podemos dizer reprovados porque não seguiram conforme o evangelho e preferiram seguir os ventos de doutrinas que a bíblia se refere no livro de Efésios 4:14 e que induz as pessoas ao erro. Outro ponto a ser esclarecido é que esta eleição não é pessoal, tipo, fulano será salvo e beltrano não será salvo. Tem vários textos que falam sobre quem crê e quem não crê. Julgo adequado para esta reflexão o texto de João 3:18 que diz “...quem nEle crê não é condenado e quem não crê já está condenado”. Os outros textos afirmam que quem não crê será condenado. Vemos que não há pessoalidade nesta afirmação. Há uma clara opção em crer ou não crer. Na verdade, o texto de Romanos 3:23 exposto anteriormente diz que estamos fora da presença de Deus e o texto de João afirma que o que não crer já está condenado. Se manter fora e não crer é opção. Mesmo aquela pessoa que a vida toda cumpriu com as suas obrigações na questão moral e ética praticando obras de relevância para a sociedade, caso não tenha crido no unigênito filho de Deus, está condenado. Da mesma forma que a fé sem obras é morta, a fé não é pelas obras para que ninguém se julgue merecedor da salvação. Algumas linhas cristãs adotam esta doutrina como fator preponderante de salvação. Os dois exemplos estão em Tiago 2:26 “Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta”. e Efésios 2:8;9 “Porquanto, pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus, não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Faço questão de mostrar as referências bíblicas de todos os questionamentos. Outro texto que desconstrói a doutrina da eleição nominal encontra-se em I Timóteo 2:4 onde lemos que “a vontade de Deus é que todos sejam salvos”. Jesus morreu por todos para que todos sejam salvos II Coríntios 5:15 “E Ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos”. Isto define que os eleitos são os que creem independentemente de quem seja.

Outro questionamento é a respeito da garantia da salvação. Uma vez salvo, salvo para sempre. Não funciona desta forma. Na verdade, ainda estamos em via de sermos salvos. Enquanto estivermos vivendo na dimensão do pecado, a salvação só é garantida em Jesus Cristo. “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” II Coríntios 5:17. Estar é condicional.  Em I Timóteo 4:1 observo um texto muito forte sobre o abandono da fé: "Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé...".  As pessoas a que se refere são aquelas que ouviram e creram no evangelho. É possível a pessoa desistir da caminhada. Apostatar é abandonar o que já havia garantido. Podemos afirmar com todas as letras que se tratava de pessoas que já haviam “conquistado” a fé. A jornada de fé é um caminho longo e que exige renúncia da vida pregressa ainda sem a justificação em Cristo. Não faz qualquer sentido ter um Deus que se importou com todos e praticar a incoerência da injustiça quando privilegia quem não esforça para se manter firme por mera escolha sem critério plausível. Neste caso, o próprio Deus é quem arranca fora aqueles que deixaram de crer. Observe o texto de Romanos 11:22;23 “Considera, portanto, a bondade e a severidade de Deus: severidade para com aqueles que caíram, mas bondade para contigo, desde que permaneças firme na bondade dele; do contrário, também tu serás excluído. E quanto a eles, caso não permaneçam na incredulidade, serão reconduzidos, porquanto Deus é poderoso para enxertá-los novamente".

Outro tema muito difícil é sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo. O meu objetivo é que não haja mais dúvidas sobre isto. Este assunto é pesado e se torna ainda mais complexo porque foi abordado pelo próprio Jesus que afirmou que é um pecado sem perdão. Antes de entrar no assunto, vamos relembrar todo o contexto desta situação. No texto de Marcos 3 a partir do verso primeiro há todo um cenário bastante interessante, porém, muito confuso onde Jesus foi confrontado até pelos próprios familiares. Imagine um judeu que se diz enviado por Deus entrar numa sinagoga e curar no sábado? Pois é, Jesus fez exatamente isto. Primeiro Jesus confronta a tradição religiosa. Depois cura uma multidão de pessoas que passam a segui-lo e os fariseus a persegui-lo tentando encontrar uma justificativa para condená-lo. Uma grande multidão de todas as partes da região o seguiam. Os endemoniados se atiravam aos seus pés declarando Ele ser o filho de Deus e Jesus expulsava a todos os demônios. Logo, em seguida, Jesus subiu ao monte e escolhe os doze e os chama de apóstolos. Segundo algumas traduções originais, Jesus, logo que os chamou, não denominou como apóstolos estes doze. Isto agora não importa. Em seguida Jesus foi para casa e a multidão era tão grande que sequer conseguia comer o pão com os discípulos. O igualmente absurdo e que deixou Jesus tenso é que os seus próprios familiares também afirmavam que Ele havia perdido o juízo. Os mestres da lei diziam que Ele estava possuído por Belzebu e expulsava os demônios em nome do príncipe dos demônios. Exatamente neste episódio que houve a blasfêmia contra o Espírito Santo. Durante todo o seu ministério de cura, libertação, expulsão de demônios e exposição da palavra, Jesus sempre estava possuído pelo Espírito Santo que se manifestava em suas ações. Não fazia sentido a acusação que os mestres da lei que, na verdade, eram os líderes religiosos, apresentavam. Chamar o Espírito Santo de demônio é uma blasfêmia absurda e sem perdão. Jesus até deu exemplo de que como satanás expulsaria satanás? Outro exemplo é que se um reino estiver dividido contra si mesmo não subsistirá. A esta altura, o ânimo de Jesus estava a "flor da pele" e, em meio a multidão, chegou os seus familiares que o chamaram para conversar. Jesus simplesmente ignorou e falou que os familiares dEle são aqueles que fazem a vontade de Deus. Não quero achar um jeitinho de amenizar esta afirmação muito séria de Jesus. Como se todas as outras não a fossem, porém, esta é uma das mais polêmicas. Parece que todos querem encontrar uma brecha ou uma vírgula que mude o significado do pecado sem perdão. Como pode um pecado sem perdão? Mas, é isto mesmo que Jesus falou. Lembrando que o que provocou esta afirmação foi a grave acusação inculta dos mestres da lei.

Jesus se envolveu pessoalmente com os problemas das pessoas e deve ter ouvido muita besteira, principalmente dos religiosos, cujo cuidado era somente com a tradição da religião. Mas, a única preocupação que Jesus tinha era encontrar corações quebrantados pela mensagem do Espírito Santo de forma íntegra e contextualizada. Ele sabia que todos eram pecadores. Deus sempre está disposto a se relacionar com a sua criação e faz de tudo para que isto se intensifique. É projeto vital reconstruir uma relação ilibada e reconstruir tudo como era antes na época da criação. O ser humano é projeto pessoal de Deus e jamais teve a intenção em descartar esta relação. Infelizmente, a causa e consequência é um fato que ainda precisa ser considerado nesta relação. Se a causa é o pecado, então, a condenação é justa. Mas, se a causa é a fé, somos justificados em Jesus Cristo que estava presente na criação e se envolveu pessoalmente nesta expropriação pelo pecado.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

ANATOMIA DE UM REINO

Venancio Junior

Falar sobre qualquer coisa por mais básico e simples que seja exige um conhecimento que revele uma sólida propriedade sobre o assunto. Falar sobre um reino não é algo tão simples, mesmo sabendo que todos os trâmites da sua constituição sejam meramente humanos. Agora, imagine falar do Reino de Deus que requer conhecimento teológico e perspicácia analítica devido a sua concepção e aplicação? Pois bem, não me julgo capaz nem de uma coisa e nem outra. Então qual é a minha intenção em iniciar estas simples palavras abordando um tema tão complexo e ainda misterioso? Tenho como consolo de que, se as pessoas simplesmente lerem já me darei por satisfeito e se provocar alguma reflexão, diria que serei imensamente grato pelo privilégio de poder contribuir com o Reino de Deus. Este é o meu principal objetivo, construir o Reino com o pouco que possuo, mas que se torna grande nas mãos do grande Rei soberano neste Reino.

Outro dia ouvi de uma pessoa afirmar durante um congresso de líderes que, segundo as suas palavras, “ganhar almas serve apenas para encher igrejas. Muito mais importante seria formar líderes que constroem o Reino de Deus”. Confesso que até parei para pensar sobre isto. Cheguei à conclusão de que é algo absolutamente desconexo e sem qualquer fundamento bíblico este tipo de analogia. O Reino de Deus subsiste com ou sem pessoas, pois, não se trata de uma formação predial ou demográfica. Aliás, esta “nova teologia” vive fazendo comparações entre a teologia conservadora e a dita teologia contemporânea. Este tipo de comparação é descabido e desnecessário.

Afinal no que consiste o Reino de Deus? Lembro que o Reino de Deus é indivisível e “só tem uma cara”. Vamos voltar ao antigo testamento em que muitos afirmam que o conceito de Reino de Deus ainda não existia, surgindo apenas no ministério de Jesus. Muito antes da encarnação de Jesus, especificamente no livro de Daniel 2:44, este novo reino foi previsto e que subsistiria a todos os demais: “No entanto, na época do governo desses reis, Elah, o Deus dos céus, estabelecerá um novo reino que nunca será destruído e que também não será dominado por nenhum outro povo. A soberania desse reino jamais será transferida a nenhum outro povo. Todavia, esse novo reino destruirá e exterminará todos esses outros reinos, e subsistirá para todo o sempre.”. Os judeus ortodoxos tinham conhecimento da vinda deste Reino, porém, não creem no reino de forma abstrata, mas, concreta. Para eles, o messias é um revolucionário que irá destituir governos e reinos e implantará o “seu próprio reino”. Houve uma tradução literal do texto de Daniel. Infelizmente para eles, Jesus os decepcionou e a situação ficou bem estranha quando Jesus afirma que o Reino, está dentro de nós. Veja o texto de Lucas 17:20: “Certa vez, interrogado pelos fariseus sobre quando se daria a vinda do Reino de Deus, Jesus lhes explicou: “Não vem o Reino de Deus com visível aparência. Nem haverá anúncios: ‘Ei-lo aqui!’ Ou: ‘Lá está!’. Pois o Reino de Deus já está entre vós!”. Segundo a tradição, os fariseus eram os observadores das escrituras religiosas e cuidavam da tradição oral para que todos conhecessem a lei. No momento em que Jesus fez esta afirmação, a mente deles ficou bem confusa. Tudo o que os fariseus conheciam estavam nas escrituras judaicas. Vamos ler o texto da carta aos Romanos 14:17. Paulo estava falando sobre sabedoria e nada melhor que discorrer que o “Reino de Deus não é comida e nem bebida, mas, paz, justiça e alegria no Espírito Santo”. No texto de João 3:3 quando Jesus responde ao questionamento de Nicodemos, declara: “Em verdade, em verdade te asseguro que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” Ainda no livro de Mateus 12:28 Jesus respondendo aos discípulos diz: “Mas, se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso demônios, então, verdadeiramente, é chegado o Reino de Deus sobre vós”.

Geralmente quando ouvimos falar sobre algum reino nos vêm à mente um suntuoso castelo com vitrais maravilhosos, mobiliário luxuoso, salas espaçosas e aconchegantes e uma decoração de fino gosto. Deus não se importa com este tipo de riqueza. Isto faz parte da criação da matéria, nada mais, além disto. Diante de tantas explanações sobre o Reino de Deus, chego à conclusão de que o Reino de Deus relatado na bíblia está contido na observância dos frutos do espírito.

Para uma compreensão mais simples, vamos nos ater as principais características da composição do Reino de Deus apresentadas por Paulo.

 

PAZ

Diante de um mundo intolerantemente caótico, o que seria esta paz do Reino de Deus? O mundo busca pela paz. Investe em viagens turísticas que inspire a paz, por exemplo, aquelas que mantêm contato com a natureza, investe também em condomínios para morar em paz e buscam insanamente em rituais místicos uma tentativa de encontrar a sua paz. Numa dimensão global, as grandes potências mundiais assinam acordos de paz. Será que paz é ausência de guerra? Será que não ter contas a pagar gera paz? Talvez não seja exatamente esta paz que faça parte do Reino de Deus. Quando se fala em paz, a religião é o principal foco para encontrar o caminho da paz. Lembro que não estou apresentando uma linha mística religiosa simplesmente. É muito difundido de que cada religião define à sua maneira de encontrar a paz. Observo que Deus não criou nenhuma das religiões que conhecemos, nem mesmo o cristianismo foi criado por Deus. A religião é criação exclusivamente humana, sendo uma maneira prática de se manter conectado a Deus. Neste caso, a religião mais confunde do que resolve. O termo cristão na bíblia tem sentido racista. Quando conhecemos o evangelho, não o evangelho dos religiosos e nem dos cristãos, mas, a palavra de Deus em que buscamos as respostas das nossas inquietações sobre a paz, precisamos ser desarmados de tudo aquilo que somos e aprendemos fora deste evangelho. Desta maneira, a verdade sobre a paz do Reino de Deus fluirá de maneira cristalina. Primeiro, ter paz na concepção do evangelho não é ser livre dos problemas que nos envolve, mas, como reagimos frente a estes problemas. Toda a ação deve buscar a conciliação dos valores do Reino de Deus e as reações ratificam esta busca. Onde há guerra de qualquer natureza e espécie, deve-se agir com paz, isto é muito importante e fundamental, mesmo que se tenha prejuízo. Humanamente falando, Jesus foi amplamente prejudicado na sua vida na terra. Este foi o principal argumento daqueles que o abandonaram e não acreditaram nEle. Na verdade, estavam distantes do Reino de Deus proposto por Jesus. No livro de João 14:27 ele mesmo afirma que nos deixou a paz, não como o mundo dá. Jesus sofreu com violência na própria carne as agruras da sua missão de paz. Amar o inimigo, dar a outra face, andar duas milhas ao invés de uma, vender tudo o que tem e dar aos pobres são algumas das propostas apresentadas por Jesus para efetivação da paz do Reino de Deus. No livro de Mateus 12:28 exposto no começo ele demonstra que devemos ser sensíveis para que o Reino de Deus esteja, de fato, em nós. Ninguém verá a Deus se não tiver a paz do Reino de Deus dentro de si. Leia e medite nos textos abaixo: “Esforçai-vos para viver em paz com todas as pessoas e em santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” Hebreus 12:14. Esta busca pela paz deve ser um processo contínuo e incessante. “Aparta-te do mal, e pratica o bem; busca a paz e empenha-te por conquistá-la.” Salmos 34:14.

 

JUSTIÇA      

A segunda composição do Reino de Deus apresentada por Paulo foi a justiça. Quando se fala em justiça, o que vêm à mente são as injustiças praticadas pela justiça que deveria agir com justiça. Os justos que conhecemos seguem as leis humanas que são passíveis de falhas. Quem nunca ouviu de que a justiça de Deus tarda, mas, não falha. Noutros casos, quando houve claramente uma injustiça, as pessoas dizem que, no caso, se livrou da justiça humana, mas, não se livrará da justiça divina. A justiça do Reino de Deus não é esta de forma alguma. Quando falamos sobre as prerrogativas do Reino de Deus, na perspectiva bíblica, tudo se resume em Jesus que veio apresentar este Reino para derrubar as muralhas da injustiça do mundo e aplicar a sua verdadeira justiça que é Ele próprio. A justiça divina está relacionada com o texto de Romanos 3:21;22 que resume todo o conceito de justiça do Reino de Deus. Leia o texto: “Entretanto, nesses últimos tempos, se manifestou uma justiça proveniente de Deus, independente da Lei, mas da qual testemunham a Lei e os Profetas; isto é, a justiça de Deus, por intermédio da fé em Jesus Cristo...”. Interessante é que o texto parece contraditório quando fala que a justiça apresentada é independente da lei, porém, apresentada pela lei. Na minha visão, a resposta está no texto de Romanos 10:4 “Porque o fim da Lei é Cristo, para justificação de todo o que crê”. A lei falou que viria o Reino de Deus conforme o texto de Daniel 2:44, porém, os homens deram mais importância a lei do que ao conteúdo da lei. A lei não subsiste sem Jesus Cristo que é a razão de ser da lei conforme o texto acima. Portanto, como já lemos, somos justificados em Cristo pela fé para termos paz com Deus.

 

ALEGRIA NO ESPÍRITO SANTO

Outra característica do Reino de Deus é a alegria no Espírito Santo. Porque “no” e não “do”? São condições diferentes. Alegria no Espírito Santo é estar imerso, enquanto a alegria do Espírito Santo é uma expressão. Uma vez imersos, exalamos a alegria do Espírito Santo. Esta alegria é primariamente inspirada pela condição de vida eterna exclusivamente para aqueles que foram justificados e tem paz com Deus. Jesus falou que a paz que Ele dá não é como a do mundo, a justiça que precisamos foi internalizada nele mesmo. Diante disto tudo, expressamos a alegria no Espírito Santo de forma natural. Esta natureza foi restaurada pela justificação em Jesus Cristo.

Não tem como conhecer o Reino de Deus sem usufruir. Quem uma vez conhece, aspira e quer usufruir. No texto de Mateus 6:33 lemos que devemos “Buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e as demais coisas serão acrescentadas”. Podemos traduzir que esta busca é um processo prioritário que deve fazer parte das aspirações do discípulo substituindo as preocupações e a justiça, no caso, não se refere a justificação, mas, ao que seja justo ou adequado àquilo que precisamos, nem menos, nem mais que o necessário.

A IDOLATRIA DA CRUZ

Venancio Junior

Confesso que, como cristão-evangélico, ser identificado pela cruz sempre foi para mim algo conceitualmente incômodo. Por que a cruz se no começo da era cristã o símbolo era um peixe? Mesmo não tendo nenhuma “doutrinação” neste sentido, parece que historicamente, este foi o símbolo adotado até o quarto século. De qualquer forma, ambos os símbolos cruz e peixe são apenas uma maneira “forçada” em se identificar com o cristianismo, porém, do ponto de vista doutrinário, desnecessários. Sei que muitos julgarão um absurdo, mas, o evangelho nunca insinuou qualquer devoção em relação a algum símbolo por mais que os seus seguidores insistissem em adotar algum. Esta propensão a idolatria não era algo recente. No antigo testamento, milênios antes de Cristo, no livro de Êxodo 20:04;05 o próprio Deus nos dez mandamentos exorta: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante dele nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso”. O que se entende por “imagem de qualquer coisa”? Creio que não haja dúvidas que se refira a qualquer artefato. Se tivesse de ter uma imagem para representar o cristianismo, a cruz jamais faria parte desta lista. Aquela clássica cena do padre exorcizando o demônio com a cruz é pura falácia. No livro de Marcos 16:17 o próprio Jesus afirma: “Em meu nome expulsarão demônios”. O diabo nunca fugirá da cruz. Porém, tentou de todas as formas evitar que Jesus morresse na cruz. No texto de Mateus 16:23 Jesus quando predisse sua morte e ressureição, o diabo influenciou o próprio apóstolo Pedro e Jesus teve de intervir expulsando Satanás. Obviamente que o diabo não queria que morresse na cruz e muito menos que ressuscitasse. Não há respaldo bíblico explícito, mas, dizem que, após este fato consumado, Jesus foi ao inferno tomar as chaves da vida e da morte (Efésios 4:9). Na sequência, o que Jesus quis mostrar a todos quando disse: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me”? Com certeza não foi no sentido literal em pegar um artefato e carregar. Jesus morreu na cruz por todos, porém, Ele conhece a nossa intimidade e atentou para que cada um reconhecesse a condição de pecador e o sacrifício na cruz para o perdão dos pecados que é possível somente através de Jesus cujo sangue foi vertido na cruz. Lembro que a morte foi para o perdão dos pecados e a ressurreição foi para proporcionar a vida eterna. Se Jesus não ressuscitasse, em vão seria a morte na cruz, consequentemente não há ressurreição sem a morte. Até então, Pedro desconhecia este processo na íntegra, pois, era muito colérico e racional faltando-lhe a fé.

Onde surgiu a ideia em utilizar a cruz como símbolo do cristianismo? Vamos recorrer à história que conhecemos. O cristianismo primitivo adotou ou era identificado pelo peixe em alusão aos discípulos que eram pescadores de fato. O próprio Jesus quem aludiu esta definição de pescadores de homens, porém, sem qualquer intenção em criar um “ranço simbólico”. Sequer criou a religião cristã ou o cristianismo como uma ideologia. O ser humano sempre teve dificuldade em se identificar sem adotar uma referência visível e palpável. Na religião, principalmente, esta busca por alguma identificação e até mesmo para “visualizar o caminho da oração” e concretizar a crença, precisou criar os seus símbolos de estimação. Talvez o contexto da época em que tudo era desconhecido em termos de evangelho e alguns ainda nem tinham sido escritos, esta necessidade de identificação tenha sido impingida pelo povo hebreu desde a libertação do jugo egípcio em que criavam sem qualquer critério de razoabilidade os seus símbolos. Considerando que o termo cristão tinha um sentido pejorativo no mesmo nível de mendigo ou pobre, era preciso concatenar a fé de alguma forma. Esta adoção até fazia sentido, pois, o processo de salvação que Jesus trouxe era ainda, de certa forma, incompreensível e as pessoas movidas por algum tipo de vontade em não ser associadas ao império romano e nem com a religião oficial, o judaísmo, assumiram o símbolo e o termo cristão ratificando a sua autonomia. Jesus nunca instou qualquer identificação simbólica, com exceção da ceia para nos lembrar o sofrimento do corpo e a aspersão do sangue em nosso favor. Fora isto, absolutamente nenhum outro símbolo foi sugerido. Considerando a ceia em memória do sofrimento de Jesus, a cruz, neste caso, foi a ferramenta de tortura e morte causando muitos traumas a quem era crucificado. Jesus não estava com um crucifixo mostrando aos seus discípulos. Os únicos símbolos utilizados nesta celebração foram o pão e o vinho. Neste caso, a cruz como símbolo chega a ser até estranha. A cruz nada tem a ver com ressurreição que é a apoteose do processo final da salvação. O padre dominicano Jerome Murphy-O’Connor, professor de Novo Testamento na Escola Bíblica de Jerusalém afirmou que utilizar a cruz como símbolo é o mesmo que “pendurar pequenas cadeiras elétricas no pescoço”. Ele acreditava que é improvável que alguém usasse uma cruz como símbolo religioso no início do movimento de Jesus, pois, se tratava de um símbolo de tortura e não de redenção. E se Jesus tivesse sido enforcado, será que teria de usar uma corda no pescoço? Então, quem foi o idealizador do símbolo da cruz? Ressalto que Jesus jamais sugeriu adotar qualquer símbolo, nem mesmo o peixe. Então, precisamos avançar na história até chegarmos no imperador Constantino que foi quem “implantou” a cruz como o símbolo oficial do cristianismo no período do seu império. Provavelmente foi no episódio ocorrido na batalha de Adrinopla quando contemplou uma cruz e acreditou que este tenha sido um sinal de Jesus Cristo. A partir de 392 d.C. o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano o que fortaleceu a adoção do símbolo da cruz. Ainda não havia a dissensão cristã entre católicos e protestantes. A igreja cristã era única.

Voltando ao Novo Testamento que é o cenário onde aconteceu todo o processo que envolveu a cruz, observo que há vários textos relativos a cruz, mas, vamos nos ater apenas a dois textos. O primeiro em Gálatas 6:14, Paulo respondendo aos vaidosos da religião judaica coloca toda soberba e toda glorificação da tradição na cruz de Cristo. Isto significa que não se tem que orgulhar por causa da religião, mas, tudo o que somos deve ser “consumido”, não por causa da cruz, mas, pelo sacrifício do corpo de Jesus. O apóstolo Paulo afirmou que se gloria na cruz de Cristo. O que isto significa? Creio que Paulo foi, de certa forma, irônico por associar glória e cruz e submeteu toda vaidade, toda soberba e toda presunção humana na cruz como forma de neutralizar estes sentimentos nocivos a espiritualidade. Em Romanos 6:6 tem um texto muito forte que diz: “...sabemos que a velha criatura foi crucificada com Jesus, para que o corpo do pecado seja destruído...”. Neste texto, a cruz é ferramenta de destruição e a morte e ressurreição de Jesus é que restaura a vida em nós que foi consumida pelo pecado. Não faz sentido se aproximar da cruz, orar aos pés ou diante da cruz. O papel da cruz no processo de salvação é humilhação e tortura, mas, não do homem e, sim de Jesus em nosso lugar e nEle se resume a confiança unicamente pela fé. A utilização da cruz como demonstração de espiritualidade é equivocada. É um mal costume da tradição religiosa combatida por Jesus que exorta os fariseus e escribas afirmando no texto de Mateus 15:6: “E assim por causa da vossa tradição invalidastes a palavra de Deus. Hipócritas!”. A cruz, neste caso, faz parte da tradição dos homens. A religião nos impõe a veneração da cruz, enquanto o evangelho nos recompõe e nos reconduz ao caminho da salvação e adoração unicamente a Deus sem qualquer auxílio de imagem esculpida e somente a Ele devemos orar em nome do seu filho Jesus. A nossa marca que nos identifica com Cristo é o do verdadeiro discípulo descrito nas bem-aventuranças e nos frutos do espírito. São marcas “abstratas”, porém, que faz toda a diferença na nossa concreta conduta humana desfigurada pelo pecado.

Tenha sempre em mente Jesus Cristo que é o autor e consumador da nossa fé (Hebreus 12:2) e em Deus que é digno de toda honra e glória! (Apocalipse 4:11).