sexta-feira, 29 de março de 2024

TOCANDO AS VESTES DE UMA CELEBRIDADE

Venancio Junior 

Quem nunca tentou tocar as vestes de alguma celebridade? Nas grandes apresentações musicais isto é muito comum. Alguns com muito esforço em meio a cotoveladas involuntárias e empurrões conseguem esta façanha que ficará na história para os netos. Tudo bem que eles sequer saberão quem é a pessoa famosa que os avós falaram e que após alguns anos nem é mais tão famosa assim.

Qual a motivação em estar próximo de alguém que se destaca na sociedade? Para muitos isto funciona na mente como um fetiche. Na antiguidade, fetiche era como uma magia. Este tipo de “devoção” se modernizou e tem até uma conotação erótica quando a pessoa se sente seduzida por alguém famoso, por pessoas de uniforme, por pessoas musculosas e por aí segue as inexoráveis obsessões porque não se impõe um limite no esforço para atingir o objetivo. A pessoa não se importa se é algo vexatório, pois, a decisão na entrega para conseguir este grande feito está cauterizada na mente. A pessoa investe o dinheiro que não possui, mas, dá um jeitinho, se sacrifica fisicamente porque a frustração é algo impensável. Diante de tanto sacrifício, estas pessoas se tornam presas fáceis para aqueles que, mesmo sendo celebridades, não deixam de ser humanos com todos as suas limitações e defeitos. Infelizmente muitas destas celebridades se aproveitam da fragilidade emocional dos fãs e praticam abusos que deixam traumas para o resto da vida.

Jesus, na sua curta vida terrena foi uma celebridade para alguns, líder para outros e uma ameaça para os religiosos e políticos. Independentemente da consideração, todos queriam se aproximar de Jesus. A maioria para conhece-lo, outros por curiosidade e alguns outros para extrair alguma coisa que poderia “incriminá-lo” conforme a lei judaica. Lembre-se que os inimigos sempre estão por perto.

Jesus era o tipo de pessoa que provocava uma certa sedução. Somos humanos e a partir do momento que se tem uma relação com pessoas famosas, esta relação é incomum. Relacionamento tem cara, tem cor e tem cheiro característico. Não é igual com todos. Distingui três grupos com interesses incomuns, apesar de que todos tinham o mesmo objetivo que era se aproximar de Jesus. Jesus se encontrou com diversas pessoas, manteve diálogos pessoais quando precisava atingir a ferida na pessoa e com os seus discípulos, procurava sempre mantê-los próximos para que aprendessem na prática os fundamentos do evangelho. Afinal, eles continuariam a missão do Ide.

Quero destacar uma pessoa que tocou as vestes de Jesus e foi curada. Ninguém sabe o seu nome. Jesus sabia e também sabia das suas necessidades e até sentiu que saiu virtude de si quando foi tocado por causa da fé daquela mulher desesperada. Primeira dificuldade que ela encontrou foi que era mulher. Onde já se viu uma mulher fora da sua casa correndo atrás de um homem? As intenções estavam bem longe daquilo que imaginamos. Segunda dificuldade, era uma mulher que sofria de hemorragia que, na época, era considerada pela sociedade como uma pessoa impura. Terceira dificuldade, como passaria incólume em meio à multidão sem sofrer agressões físicas e ser considerada como uma mulher qualquer? Não tem como andar desesperadamente no meio da multidão sem sofrer algum toque físico. Bem ou mal intencionado, a mulher naquela condição não poderia ser tocada, pois, o sangramento era contínuo. Quem a tocasse seria considerado igualmente impuro.

Jesus era a personalidade da época, afinal, promovia curas e milagres na vida das pessoas trazendo conforto e tranquilidade para aqueles que estavam sem esperança. Podemos imaginar o desespero desta mulher. Já sofria a doze anos e a certeza de que seria liberta daquela condição vexatória e fisicamente doida estava a alguns passos. Não é pouco tempo e também não é pouco o sofrimento. No desespero, muitos ignoram a dignidade e a posição na sociedade que exercem e vão em busca quase a qualquer custo do alívio do sofrimento. A mulher tocou com fé em Jesus, por isto saiu virtude. Mas, a fé daquela mulher não começou no exato momento do toque. A fé foi construída, a princípio, pelo que ela ouviu de Jesus. A fé não é uma sensação, mas, uma construção (Romanos 1:17). Depois, se solidificou pelo enorme esforço empreendido. Imagine numa multidão em que todos queriam tocar Jesus e a mulher conseguir tocar a suas vestes? Ela não pensou no que os outros iriam pensar e ignorou que poderia passar vergonha, pois, estava sangrando sem parar. Nem passou pelo seu pensamento de que alguém ou algum dos discípulos poderia lhe impedir o acesso. A sua fé era a única motivação e a confiança em alguém que tinha absoluta certeza de que resolveria o seu trágico problema era a sua força motriz. Ela pensou em Jesus por causa da sua dor e chegou até Ele pela sua fé. Aquele ditado popular que diz que alguém vai a Jesus por amor ou pela dor chega a ser até antibíblico. A interpretação comum é que a pessoa vai por bem ou por mal. Podemos reinterpretar. Há diversos motivos que uma pessoa pode se chegar a Deus, seja de forma simples pelo ouvir e crer no amor de Deus ou através de uma necessidade urgente. A dor referida não é necessariamente física. Pode ser um desconforto, uma agonia, uma desorientação em que tudo se resumiu em dor.

É agradável ouvir canções que falam de fé, porém, ignoramos o esforço daqueles que exercem a fé para chegarem até Jesus. Não basta somente ter fé verbal ou teórica, o esforço para colocar a fé em prática irá demonstrar a legitimidade da conexão com Jesus. Fazendo uma adaptação ao texto original que aborda as obras, diria que a fé sem esforço é morta. Porém, não basta se esforçar. É preciso integridade na vida cristã para que a fé tenha a forma do texto em Hebreus 11, a certeza do que se espera e a convicção do que não se vê. A mulher logo que tocou as vestes de Jesus, não conseguiu se esconder e Jesus logo falou que foi curada porque teve fé. Ela tinha certeza de que seria curada, caso contrário, não tocaria as vestes de Jesus. Também não é pelo fato de simplesmente tocar Jesus, havia integridade na intenção da mulher. O próprio Pedro falou que muita gente tocava Jesus e como saberia quem especificamente havia lhe tocado? A mulher sabia de quem se tratava e tinha também a convicção do que não se via porque ainda sangrava e queria a sua cura.

Infelizmente, nos dias atuais, a fé tomou proporções fora do padrão da vida cristã. Muitos usurpadores do evangelho mercantilizaram a fé porque enxergou um filão de sobrevivência às custas da ingenuidade das pessoas. Dentre estas pessoas, muitos se esforçam a um deus que nada pode fazer e adotam práticas que nada tem a ver com o evangelho. O Jesus das multidões ainda é o mesmo Jesus dos grandes centros urbanos. A vida mudou, mas, Jesus não mudou e continua disponível para todos que sofrem lhes oferecendo também salvação. Jesus não está presente fisicamente, mas, a fé não mudou, sendo a mesma para se chegar as suas vestes pela fé imutável.

quarta-feira, 27 de março de 2024

A RIQUEZA QUE SOBREVIVE AO MAL

Venancio Junior

Dizem que riqueza não traz felicidade, mas, compra. Geralmente temos a avaliação de alguém feliz pelos bens que possuiu. É uma felicidade passageira porque tudo acaba após a morte onde nada se leva e quem fica feliz são os herdeiros. Já ouvimos muito de que a verdadeira riqueza não é palpável, mas, perceptível no comportamento. Subentende-se que a maior riqueza é, a princípio, o respeito, a dignidade e a honra. Estes valores pertencem a pessoa que faz uso na sua vida, nos relacionamentos, nos negócios, no trabalho, no namoro, no casamento, com os amigos, com os vizinhos, com os estranhos, na igreja com os fiéis, no esporte e em todas as situações sejam elas simples ou complexas. Esta riqueza não é acessível a outros porque é uma particularidade de cada pessoa, mas, plenamente violável na sua integridade. É possível alguém atingir estes valores por razões diversas e até mesmo por vingança. Porém, ninguém (sem exceção) tem o direito de agredir as pessoas na sua maior riqueza que são os seus valores éticos e espirituais. Geralmente, quem o faz não é capaz de reconhecer seus próprios defeitos encobrindo a sua mediocridade. Prejulgamento sem fundamento é leviandade e a pessoa agressora não consegue se desculpar com a virtual vítima. Faz um estrago generalizado e diz que não foi nada muito grave. A pessoa agressora fez uso da sua mais absoluta pobreza de caráter. Preferiu renunciar aos seus valores que constroem pontes e permitiu que a sua pobreza aprofundasse a vala tornando-a intransponível. São pessoas que não se importam e não percebem que praticam o mal que está alojado no coração.

Mas, qual a relação da riqueza com o mal? Em I Timóteo 6:10 diz que “O amor ao dinheiro é raiz de todos os males”. Deve haver uma ponte que faça esta conexão entre o dinheiro e o mal. No contexto do mundo atual, podemos considerar que o dinheiro é a única forma de sobrevida. O mal é uma tendência da natureza humana desfigurada. Então, conclui-se que toda maldade é uma luta por sobrevivência. A sobrevivência, como o prenome indica, é o esforço acima daquilo que a vida exige porque ignora o limite da capacidade. Se há um esforço, então, muitos valores correm um sério risco em serem descartados. A sobrevivência, neste caso, é a conexão.

O que as pessoas estão dispostas a fazer para sobreviver? A disposição em se manter em evidência para muitas pessoas é mais importante que a própria vida. Soa estranho, mas, é a mais pura verdade e a vida é uma daquelas “coisas” que é ignorada no esforço em busca da sobrevivência. Quantos comprometem a saúde física e mental se esforçando mais do que consegue suportar numa busca desenfreada de um padrão de vida que lhes interessa? Comprometem o relacionamento com a família e com os amigos e se perdem em meio aos objetivos que, com o passar do tempo, se tornam confusos. Em qualquer processo o sacrifício é necessário e o que teria de maior valor para dar em troca? Será que está na espaçosa garagem, nas aplicações financeiras, na sua casa, na sua vida social ou na performance física plenamente saudável? Cada pessoa tem os seus valores que não precisa necessariamente ser um bem físico. Infelizmente, dentre estes valores, muitos colocam em xeque a dignidade e a honra. O problema é que estes valores têm a característica de inegociáveis porque, uma vez perdidos, não se consegue recuperar. Quem não negocia os seus valores primordiais, pode ser considerado como alguém muito rico mesmo não possuindo nenhum bem. Muitos moram de aluguel, vendem salgadinhos no sinaleiro, andam a pé pela cidade empurrando um carrinho vendendo sorvete sob um sol escaldante e, talvez, nem sejam aposentados. Caso sejam, recebem um mísero salário-mínimo que não dá para comprar quase nada. Mas, são pessoas de muito valor. Diferentemente do exemplo do tipo de pessoa no início, aqueles que não possuem bens materiais, destaco o caráter elevado, a moral ilibada, a honestidade refinada e tantas outras riquezas que a pessoa pobre possui e que não se consegue com dinheiro. Apesar das dificuldades no seu entorno, não se vende e não recua nos seus princípios.

A Bíblia fala sobre a riqueza e joga muito pesado. Quem ama a riqueza que o mundo oferece não tem parte no Reino de Deus. Onde está o tesouro, ali estará o coração. O objetivo não é falar mal da riqueza, mas, identificar qual a relação com os bens materiais. Engana-se quem acha que o pobre não tem orgulho da riqueza. Mesmo não tendo bens materiais, pode facilmente ser seduzido por um desejo de uma vida glamourosa de luxo. O coração está na riqueza que não possui, mas, deseja. Não precisa possuir bens, onde estiver o coração, pode ser um desejo que já é o suficiente para identificar onde está direcionado.

Pois bem, o cenário do mundo atual é preocupante. Enquanto as pessoas de valor estão acuadas, as pessoas sem valor estão em evidência ostentando tudo o que foi conquistado, inclusive parceiros no amor que, na maioria das vezes, dura pouquíssimo tempo. Quais os valores que causam admiração nas pessoas? Óbvio, se você fica impressionado com a conquista material do outro é porque o seu conceito de valor esteja precisando de uma reavaliação. Considerar o valor de alguém pelos bens materiais que possui não precisa de muito esforço para saber o que precisa mudar. Por outro lado, para considerar alguém pela sua capacidade intelectual em construir uma obra sinfônica ou um livro de filosofia é preciso muito mais que consideração, mas, de envolvimento e profundidade. Quantos cientistas desenvolvem pesquisas com benefícios a sociedade inimagináveis e professores que são os principais responsáveis pela formação acadêmica e vivem anonimamente? Sem falar que ganham seus sustentos de forma honesta e com muito sacrifício e pouco reconhecimento. Mas, as suas riquezas são incalculáveis e beneficiam a todos.

Na outra ponta estão as chamadas celebridades que fazem questão em exibir as suas riquezas. A maioria destas pessoas não tem qualquer formação e não sabem conversar com inteligência. Suas vidas não possuem construção de valores porque investem a exaustão somente na imagem. As ruinas da fama é o destino certo e percebem que o único valor agregado é o vazio existencial. Infelizmente, este é o único valor considerado por aqueles que admiram as pessoas famosas. Muitas vezes, estas pessoas dependentes da fama estão desorientadas e emocionalmente em frangalhos. Mesmo assim, o seu fã-clube permanece ativo e conquistando cada vez mais admiradores. Gerar uma dependência emocional nos fatores externos é um risco muito grande e o preço pode ser alto a se pagar. Os fãs funcionam como algodão doce, o sabor dura muito pouco. Quando a fama acaba, tudo o que a compõe se dissolve.

Aprendemos desde muito cedo que as pessoas boas são aquelas que possuem riquezas e nunca imaginamos que alguma maldade uma pessoa rica possa ter. Julgamos que sejam ricas porque são honestas e merecedoras do conforto e dos bens.  O melhor caminho para identificar é avalizar qual a maior riqueza que a pessoa considera. Sei que é muito difícil distinguir se a pessoa rica seja má. O mundo não precisa de pessoas ricas. Apesar de que os ricos tentam impingir na consciência de que o mundo depende deles. Não depende porque a relação das pessoas com a riqueza deve ser o de beneficiar outros e nunca egoisticamente a si próprio. Não faz sentido alguns poucos se beneficiar da maior parte da riqueza, enquanto a maioria das pessoas possui pouco para o seu sustento. Quando a relação com a riqueza se torna escravagista é preciso impor um choque para quebrar a dependência. Jesus propôs esta decisão radical em vender tudo e distribuir aos pobres. Ele foi bem específico. Enquanto a raiz de todos os males estiver ocupando o coração, a generosidade não terá espaço para brotar.

terça-feira, 19 de março de 2024

O MENDIGO E OS POBRES DE ESPÍRITO

Venancio Junior 

Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos céus Mateus 5:3. Pobres de espírito são aqueles que estão vazios de emoção que os tornam vinculados aos valores materiais. O espírito pobre, neste texto, se refere a um espírito livre no sentido de estar sempre disposto a ser generoso mesmo nada possuindo. Engana-se quem julga que se deve ajudar somente quando se tem com o que ajudar. Ajudar os pobres é um mandamento também para os pobres. 

Mas, qual a relação de Jesus com os pobres? Jesus sempre esteve ao lado dos pobres e marginalizados. Não porque exatamente eram pobres, mas, de certa forma, eram pessoas livres. O rico sempre tem a preocupação com a sua riqueza e o vínculo é profundo que o torna escravo. Em I Timóteo 6:09 “Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição...”. Quem segue Jesus, mesmo tendo riqueza, deve ser livre da escravidão dos seus bens. Tem diversos relatos em que Jesus exemplifica o desprendimento do verdadeiro discípulo das riquezas materiais. Um dos motivos que me inspirou esta reflexão é a distinção entre mendigo (morador de rua) dos pobres. Quero esclarecer que Jesus focou a sua missão nos pobres, mas, não para que deixassem de serem pobres porque a questão da pobreza envolve diversos fatores que não abordarei nesta reflexão. O objetivo da missão de Jesus sempre foi em demonstrar que a generosidade é uma missão do discípulo, portanto, a pobreza é um problema nosso. Pobre é aquele que trabalha e ganha pouco. Mal tem dinheiro para comer, não tem moradia decente e não consegue planejar o futuro, pois, os escassos recursos não o permitem este privilégio, mas, tem responsabilidade civil e social. Já o mendigo, a maioria deles vivem nas ruas como opção e não querem responsabilidade para dignamente ganhar o seu sustento sem que precise depender de esmolas. Todos devem ter responsabilidade sobre as suas decisões, inclusive os mendigos. Sei que é uma afirmação muito polêmica e controversa. Mas, observe o texto de Paulo na carta a igreja de Tessalônica “Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós”“Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto: que se alguém não quiser trabalhar, não coma também” II Tessalonicenses 3:8 e 10. Esta afirmação de Paulo está em sintonia com a determinação de Deus ao homem antes de ser expulso do paraíso: "No suor do teu rosto, comerás o teu pão..." Gênesis 3:19. Em toda a extensão bíblica há uma clara exortação de que todos devem trabalhar para obter o teu sustento. Não era para ser assim. Este recado vai direto também aos mendigos que não querem trabalhar. Paulo foi claro que não queria que as pessoas se sacrificassem por eles e todo sustento viria da força de trabalho. Provérbios 6:6 é ainda mais duro com aqueles que não querem trabalhar: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio”. Considerar o seu caminho é rever a sua situação e utilizar a sabedoria para progredir na vida. Por que ajudar a quem não quer trabalhar? Ninguém tem a obrigação em ajudar. Nem mesmo Deus nos obriga a isto. Mas, como discípulos, a nossa via da jornada cristã é na contramão do sistema. A disposição em ajudar deve ser com compaixão e alegria. Também não é para os tratar como uns coitadinhos porque a iniciativa em mudar a situação será sempre de quem precisa de ajuda. Infelizmente a maioria não quer esta ajuda, mas, somente uma esmolinha. Muitos deles julgam que a sociedade é obrigada a ajudá-los e quando não ajuda, ficam com raiva. Sinceramente, a primeira pessoa que deveria se revoltar contra esta situação é ele mesmo. Muitos não tem mais força de reação porque emocionalmente estão desgastados e se tornaram dependentes químicos o que agrava ainda mais a situação porque utilizam as drogas, seja álcool ou entorpecentes como fuga de uma realidade degradante. Precisam urgentemente de apoio do poder público. Praticamente todas as cidades possuem secretarias sociais voltadas para os moradores de rua dando-lhes oportunidades de ressocialização. Os dados são desanimadores. De cada 10 apenas 03 permanecem no programa porque a finalidade é recolocação profissional. Quando o assunto é trabalho, muitos deles preferem continuar “empurrando a vida com a barriga” vazia. Os assistentes sociais e psicólogos desenvolvem trabalhos exaustivos voltados para esta classe de pessoas e a opção em permanecer nesta vida miserável que escolhem são inexplicáveis. Passar frio, fome, falta de higiene e humilhações diárias não é algo fácil de suportar. Parece que estes problemas não os afetam mais e a dignidade e a honra foram aniquilados. Isto não significa que não é para ajudar. Para a maioria deles, o dinheiro não fará diferença alguma, pois, utilizam para outros fins que não a sobrevivência. Não conheço alguém que tenha mudado de vida porque recebeu esmola. A mudança só acontece se a própria pessoa desejar e tiver iniciativa. A ajuda tem mais um efeito moral e psicológico para que a pessoa se sinta acolhida. No entanto, para outros, o efeito para este tipo de ajuda funciona como um incentivo para permanecer nas ruas. Uma pequena ajuda não te deixará pobre, mas, irá gerar riqueza da graça porque Jesus quer despertar em nós a pré-disposição em servir. Servir a alguém jamais deve ser por mérito, pois, isto seria justiça aos nossos olhos.

Vamos para o outro lado desta mesma moeda. A ajuda deve ser somente para aqueles pobres que trabalham ou os mendigos também “merecem” esta ajuda? Na concepção do evangelho, de certa forma, a esmola ou ajuda financeira não é exatamente para fazer diferença na vida dos pobres e dos miseráveis. Quando Jesus fala em ajudar os pobres, a maior ênfase é para aquele que ajuda, desvencilhar o coração dos bens materiais. O evangelho é bem claro quando diz sobre aqueles que tem muito para ajudar quem nada tem. Neste processo de um ajudando o outro, ninguém passaria fome ou qualquer outra necessidade. Para que isto funcione é preciso que cada um faça a sua parte com generosidade. O mundo possui dinheiro e comida suficiente para acabar com a miséria e a fome. Muito simples, se alguém está passando fome é porque o outro tem comida em abundância. A bíblia sempre relata o desafio da prática da generosidade. O discípulo é em suma, generoso. O apóstolo Paulo traz uma exortação na carta de I Timóteo 6:18 “Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir”. Se os recursos entregues para alguma causa social fizer diferença na vida das pessoas, então, a conexão espiritual foi eficaz na vida de quem doou. Se a ajuda aos miseráveis não surtiu o efeito desejado, isto não significa que não houve sinceridade no serviço, simplesmente o ato em si não foi correspondido por aquele que foi ajudado. Observe o diálogo entre Jesus e o homem rico “Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu” Mateus 9:21. O foco de Jesus nunca foram os pobres, mas, o coração do jovem rico. Talvez os pobres continuassem pobres mesmo com aquela ajuda, mas, esta generosidade proposta por Jesus deixaria aquele homem num estágio espiritual elevado e rico em graça. Ele não se conectou com a mensagem e decidiu permanecer pobre na graça e com o coração nas suas riquezas. No lugar do jovem rico, o que você faria? 

Os desafios no mundo estão cada vez mais intensos. A generosidade não é somente dar dinheiro e ajudar os pobres. Qualquer gesto de apoio em suprir a necessidade do próximo independentemente de quem seja é uma característica de generosidade. Não precisa falar a mesma língua e nem pertencer a mesma classe social ou a mesma religião. A generosidade não tem cor e não tem sexo. Ela deve ser praticada nas ruas, em casa, no clube, no trânsito (difícil, hein!?), na igreja e em todos os lugares para os ricos e para os pobres. Por isto que a verdadeira igreja não tem parede e nem nome. Deus não criou uma religião para viabilizar a generosidade. A prática deve ser onde estiver e para o próximo que esteja próximo. O desafio de Jesus é romper com o nosso padrão. Amar a quem já se ama não é nada desafiador. Amar os inimigos é o maior desafio. Imagine ser generoso a quem o prejudica? Imagine ser generoso para quem te traiu? Imagine ser generoso com os seus desafetos? Quem nunca se revoltou com o lixo espalhado pelos mendigos? É uma cena deprimente quando na região que se mora houver mendigos por todos os lados e, às vezes praticando alguns delitos, tipo, roubar o cabo de internet da casa. Jesus afirma que devemos dar a outra face. Isto não significa que se deva deixar o mendigo entrar na sua casa e fazer o que quiser. A proposta da outra face é, primeiramente não revidar da mesma forma, mas, mostrar o outro lado desta mesma moeda. Onde houver tristeza, leve alegria, onde houver rancor, leve o amor, onde houver guerra, leve a paz e onde houver fome, leve comida. Dar a outra face e amar os inimigos é a contraproposta do evangelho. Não ajude o próximo como um desencargo de consciência, mas, para se manter conectado com Deus que torna o nosso espírito vazio do mundo e cheio da sua graça.

VIDA MECÂNICA

Venancio Junior

Um mecanismo é conhecido pelo fato de todas as peças estarem interligadas e cumprem rigorosamente a função destinada a cada um. Se uma das peças falhar, todo o sistema é comprometido. Não há variedade na dinâmica e funcionar de forma diferente é impossível. Utilizei esta metáfora para demonstrar que existem pessoas que funcionam como um mecanismo ordinário. Tudo está interligado na mente funcionando da mesma forma todos os dias. A pessoa se acomodou e não quer mudar e não permite que alguém ouse mudar a sua vida. Uma vida mecânica que não permite variações.

Alguém conhece uma pessoa que tenha uma vida mecânica? Fugir da rotina para este tipo de gente é padecer no paraíso. A pessoa evita certos caminhos que tem certeza de que não tem controle do que vai acontecer. Também evita aquelas pessoas que param no meio do trajeto para conversar e começa a desconversar ou ser econômica nas palavras para se livrar o mais rápido possível daquela situação. Apesar de que na essência supostamente haja alguma similaridade, é bem diferente de alguém que tenha uma vida padrão. Padrão tem muito a ver com qualidade e respeito aos princípios. Não tem como utilizar o termo negativamente, por exemplo, maus costumes é relativo, neste caso, a vida mecânica, enquanto que, vida padrão tem a ver com bons costumes, pois, permite variações e também inovações desde que não comprometa os princípios.

Esta característica de pessoa tem diversos adjetivos e metódica é uma delas. Outro termo popular seria afirmar que a pessoa tem "toque". O que leva alguém a adotar este tipo de comportamento? Timidez? Insegurança? Medo? Conviver com uma pessoa assim é bem difícil. Ela pode não ter como causas tudo que relacionei, mas, será um relacionamento com um pouco de atritos involuntários. Aliás, relação é contato. Existe a relação de lista e relação de relar mesmo, literalmente fazer contato. Os diferentes se esbarram e o contato é inevitável em qualquer relacionamento.

Cada pessoa tem a sua maneira de ser e viver. Evitando caminhos e pessoas que a forçariam a ter um comportamento que não esteja disposta a assumir ou não está acostumada. Diria que, mesmo com os avanços tecnológicos que permitem um determinado isolamento físico, a maioria das atividades requer deslocamentos e contatos. São inevitáveis. Tem pessoas que preferem viver sozinhas seja dentro de uma pequena casa ou apartamento e até mesmo isoladas da área urbana preferindo um lugar em meio ao mato junto a natureza. Para quem está habituado com agito da cidade onde é tudo mais prático nas necessidades diárias, se isolar temporariamente também é uma opção saudável como forma de descarregar as energias emocionais acumuladas e ter um tempo para pensar em novos projetos, aproveitando o descanso do corpo e da mente. Muitos poderiam aproveitar este tempo para rever a si mesmo. Não se iluda achando que nesta vida momentaneamente pitoresca não precisará de rotina. A rotina é algo saudável porque a biologia do corpo exige que tudo funcione “mecanicamente” correta. Comer a cada duas horas, ir ao banheiro tres vezes ao dia pelo menos, ingerir água potável numa quantidade mínima necessária e dormir no mínimo oito horas por dia são mecanismos naturais do corpo. Não tem como controlar ignorando o seu funcionamento natural. Enganar a fome, o sono, a sede e outras necessidades naturais pode causar males irreversíveis, pois, o seu funcionamento não deve ser interrompido. Esta parte do mecanismo da vida é inegociável e não há discussão sobre isto. A vida tem a sua funcionalidade mecânica que precisa ser mantida, sendo um conforto porque não precisamos nos preocupar se o estômago vai digerir o alimento ou se vai ter pão na padaria no dia seguinte. O mecanismo tanto biológico como da vida urbana está trabalhando para permitir o nosso conforto. Imagine toda a complexa funcionalidade do organismo? Caso não tivesse uma mecânica padrão de funcionamento, os órgãos teriam suas funções comprometidas.

O meu objetivo é falar daquilo que tem vontade, desejo, criatividade, ambição e que quebra todos os tipos de rotina, me refiro a mente e o coração. No cotidiano há diversas situações que nos faz mudar a rotina. No trabalho cada um tem a sua rotina, em casa com a família, a rotina é presença constante na hora do banho, na hora do jantar e nas brigas, por que não!? Pessoalmente tive uma pequena crise de rotina. Fiquei processando sobre a rotina do trabalho principalmente e não conseguia concluir onde iria chegar. Talvez seja este o problema da rotina, de certa forma, não se enxerga um fim. Nesta situação, a melhor decisão é ficar calmo e diluir todo o processo. Tem coisas na vida, dentre muitas outras que não temos o controle e, mesmo se tivesse, não tem como mudar. Qualquer intervenção fora do padrão é muito arriscada. A rotina do trabalho deve ser considerada da mesma forma que a rotina do banho, do sono, da alimentação e outras atividades que são essencialmente necessárias. O que não se pode é canalizar a mente num pensamento pessimista. Qualquer rotina deve ser diluída. Imagine tomar banho de hora em hora? Imagine tomar uma refeição ou ter de dormir a cada duas horas? Apesar de serem atividades boas e úteis, quando se tornam intensas sem um intervalo natural de descanso mental, com certeza se tornará algo extenuante gerando repulsa até naquilo que se gosta de fazer. No meu caso, mudei a perspectiva e enxerguei como algo positivo e a diluir as atividades deixando a preocupação com o trabalho no próprio trabalho. Em casa o foco era a convivência com a família. Tenho muita saudade daquele tempo em que as crianças eram pequenas e tínhamos a rotina de casa e nos finais de semana íamos ao bosque ver os bichos, ir ao clube jogar tênis, brincar no playground e chutar bola e soltar pipa no parque. Uma rotina maravilhosa.

Na vida comum do cotidiano, tem situações que devemos ter a consciência de que não temos o controle e isto não é algo que deva ser visto como algo negativo. Mesmo não gostando, a mudança de perspectiva é o passo inicial que poderá mudar o sentimento que anula o prazer em reverter aquela situação. São os chamados desafios que nos faz crescer como pessoa e amadurecer emocionalmente. Algo que devemos ter muito cuidado é com o acúmulo de maus fluídos emocionais. A ansiedade e depressão são causadas por este excesso de sentimentos negativos que explodem nestas crises. Pode ser algo pequeno que se agiganta quando associado com outras emoções ruins. Precisa ter em mente de que a rotina, mesmo que aparentemente não seja algo tão legal, possa ser necessário porque alguém confiou o trabalho a você ou alguém depende de sua responsabilidade e até mesmo da sua ajuda. Se, porventura, encontrar com alguém que você não gostaria, quem sabe aquela pessoa esteja precisando de uma palavra amiga ou simplesmente um pouquinho de atenção já seja o suficiente para mudar a vida naquele dia. Considere também que jogar conversa fora seja algo que pode ser utilizado como forma de descarregar o acúmulo de emoções da rotina.

Que tal adotar a rotina em diluir os excessos que sobrecarregam a mente? Enxergue cada dia como um tempo em aproveitar as oportunidades. Jamais menospreze os encontros e desencontros. Tenha o controle, mas, deixe-se surpreender e aceite os desafios da mecanicidade da vida. Cada pessoa é parte de um mecanismo chamado existência. Ignorar ou fugir seria como deixar de existir.

terça-feira, 12 de março de 2024

LEMBRANDO DE DEUS NA TEORIA

Venancio Junior

A religião nunca foi tão buscada e propagandeada. Em tempos de multimidia diversas, a facilidade em expor os posicionamentos políticos e, principalmente religiosos, revelou que há uma carência espiritual nas pessoas. Quanto mais intensa esta busca e o grau de sacrifício imposto, mais profundo é o vazio interior. O problema não está em buscar uma força superior que faça diferença na vida, mas, qual tipo de deus que está se buscando e as formas aplicadas para que o objetivo seja atingido e as necessidades satisfeitas. Neste processo, se distingue dois grupos principais. O primeiro é formado por aqueles que compreenderam e aceitaram o evangelho de salvação e alcançaram de alguma forma os seus intentos através da graça de Deus e conforme a sua boa, agradável, perfeita e soberana vontade e no outro grupo pertence àqueles que continuam a busca e mantem os rituais que lhes foram ensinados e, muitas vezes, criam suas próprias performances devocionais e vivem confortavelmente a superficialidade da teoria da religião.

No caso dos dois grupos, permeia a disciplina que é uma postura abstrata que pode ter uma característica de costume ou ritual onde prevalece uma rotina. É algo fundamental em todas as áreas da vida. Sem a disciplina, muitas coisas se perdem e os resultados almejados não chegarão. Na vida mística/religiosa, a disciplina pode ser uma libertação ou escravidão. A disciplina libertadora tem os seus fundamentos no evangelho que apresentou Deus para o ser humano. Não adianta insistir na crença de que qualquer religião leva a Deus. Aliás, nenhuma religião leva a Deus, pois, por si só se apresentou como criador da existência. Deus é educado, “...chegai-vos a Deus e ele chegará a vós” Tiago 4:8. É preciso o passo inicial para iniciar esta grande jornada rumo a espiritualidade genuína. Não basta ter disciplina com os processos errados. Não basta investir emoção para deuses errados. Chegar a Deus é conhecê-lo a cada dia e gerar um relacionamento de intimidade entre pai e filho ou entre criador e criatura. Este processo vai muito além da teoria em que os rituais são vazios. O relacionamento com Deus não envolve entidade, mas, pessoas para exercitar e crescer na comunhão. Também não adianta amar a Deus que não vê e não amar ao próximo que vê, inclusive aqueles que são potenciais inimigos. O envolvimento através dos talentos também faz parte da disciplina sendo uma das cobranças que Deus fará no juízo final. A parábola dos talentos não é apenas mais uma “historinha sem importância”. Tudo deve ser feito para a glória de Deus e os talentos têm esta única finalidade em glorificar a quem ofereceu gratuitamente todos os talentos. "Assim, seja comendo, seja bebendo, seja fazendo qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" 1 Coríntios 10:31. Nada referente a isto é prodígio do ser humano. Jesus quando estava sendo julgado afirmou a Pilatos: “Nenhum poder você teria se do alto Deus não lhe concedesse” João 19:11. Mesmo o contexto sendo totalmente diferente posso afirmar que nenhum talento qualquer pessoa teria se do alto Deus não concedesse.

Infelizmente existem muitos que conhecem a verdade e na prática abandonaram a libertação que foi concedida. Possuem talento e habilidade para serem investidos na expansão do Reino, porém, vivem uma vida cristã somente na teoria. Nos tempos modernos com o auxílio da facilidade das mídias sociais levam uma vida cristã na teoria. Compartilham coisas de Deus, mas, não vivem aquilo que compartilharam. Limitam-se a apenas navegar pelo celular deitado na cama exortando os outros pelas redes sociais e falando em vida cristã sem assumir como uma autocrítica. Criticam os falsos profetas, mas, na prática, a farsa está no vácuo da teoria. Falam de amor, mas, não vivem a comunhão com os irmãos. Falam que o mundo está perdido sem Deus, isto é fato, mas, se perdem em meio as meras teorias vazias em que o talento não resultou em conteúdo que faria diferença na vida das pessoas porque não há envolvimento prático. Deus irá cobrar o que foi feito com o talento. "Pois quem usa bem o talento que lhe é dado, ainda mais será dado, e terá em abundância. Mas, quem é infiel, mesmo sendo pouco o talento que ele tem será tirado. Agora joguem este servo inútil para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” Mateus 25:29,30. Deus joga muito pesado chamando aqueles que levam uma vida cristã na teoria de inúteis. Sei que está muito associado as palestras dos “coaching”, mas, Deus também gosta de resultados. Na bíblia é a tradução para render frutos para o Reino. "E também agora está posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo" Mateus 3:10. Este é o mesmo conceito da parábola dos talentos. Multiplicar os talentos é produzir bons frutos.

Um exemplo de falta de disciplina que leva a pessoa a se lembrar de Deus somente quando as coisas não estão bem é o texto relatado na história do filho pródigo. O filho mais novo exigiu do pai antecipadamente a sua parte na herança e sumiu no mundo para viver a sua vida do seu jeito. Perdeu a disciplina que aprendeu em casa e se perdeu completamente tendo que comer a mesma comida dos porcos. Neste estado miserável, lembrou-se do conforto da casa do pai. Teve que dar novamente o primeiro passo rumo a jornada de reconstrução da vida que tinha. Não é fácil reconhecer os próprios erros e se humilhar para viver de novo a liberdade de uma vida disciplinada. O pai o recebeu de braços abertos e com muita alegria. Da mesma forma, Deus também nos recebe de volta quando nos arrependemos da nossa vida indisciplinada. A disciplina que nos escraviza é aquela em que perdemos o foco e a consciência de que fomos feitos servos para servir ao Deus que nos garante a liberdade da disciplina para usufruir de uma vida abundante de frutos.

Tem aquele grupo de religiosos que são muito disciplinados e impõem a si mesmos sacrifícios como gratidão ou devoção para fortalecer a espiritualidade. Vivem a religião da casca de cigarra. A cigarra quando troca a roupagem, ela deixa a casca no formato do seu corpo, porém, é oco por dentro. Tem aparência, mas, não tem conteúdo. Muitos dos sacrifícios religiosos tem este fundamento com aparência de religião, mas, é oca por dentro. Mesmo mantendo a rigidez da disciplina, em nada resulta porque são baseadas em teorias vazias. O sentimento principal e, muitas vezes único é manter a tradição. Jesus exortou aqueles que valorizam mais a tradição do que o seu evangelho. Suponhamos que todo ritual é direcionado a Deus. Tudo certo neste caso? Claro que não porque os rituais fogem das ordenanças bíblicas. Primeiro que todo sacrifício Jesus já fez na cruz e não há mais necessidade de qualquer esforço neste sentido. A dinâmica de toda atividade na relação com Deus é de adoração em espírito e em verdade. Noutras palavras seriam conexão e dedicação e sinceridade com ações. É risível quando as pessoas supostamente recebem alguma benção e dedicam um sacrifício desproporcional. Decidem fazer uma longa caminhada e alguns o faz de joelhos causando feridas profundas. Onde está escrito na bíblia que isto é uma exigência de Deus? Se for exigência dos homens, é sacrifício de tolos. Por que não dedicam algo bom? Um talento que se tenha, dedique a Deus como gratidão. Dedique uma música, uma poesia ou qualquer outra expressão artística.

Lembrar de Deus é muito bom principalmente quando, em tese, não há motivos de favores recebidos. Sempre devemos lembrar de Deus pelos seus grandes feitos como diz o salmista. Toda lembrança deve vir acompanhada intencionalmente por expressões de louvor e gratidão.

quinta-feira, 7 de março de 2024

QUEM SERIA VOCE NA MULTIDÃO?

Venancio Junior

Quem é você na multidão que acompanhava Jesus? A multidão era formada, provavelmente por mais de 10 mil pessoas. Todos queriam ver Jesus ou presenciar os seus milagres. Muitos estavam em busca destes milagres porque sofriam com alguma doença, dificuldade financeira, problemas de relacionamentos ou perturbações diversas. Talvez tivesse também o grupo de curiosos. Sempre tem aqueles que gostam de estar em meio a multidão e nem soubesse o que estava acontecendo. De qualquer forma, todos os que se encontravam em meio a multidão fez algum tipo de sacrifício. Tanto é que Jesus teve de operar o milagre da multiplicação dos pães e peixes, pois, a multidão estava faminta. Muitos vieram de muito longe e deixaram suas casas, seu trabalho e o sacrifício era de acordo com o grau de necessidade.

Jesus é Deus encarnado e onisciente e sabia da condição de cada um naquela multidão. Os relatos deste episódio tiveram como foco principal o milagre da multiplicação, mas, Jesus deve ter curado muitos enfermos, abençoou a todos cada qual com a sua carência porque a multidão não estava atrás de comida. Porém, ninguém prestaria atenção no que Jesus falaria se estivesse com fome. Se alguém estiver na igreja e esteja com fome, a mensagem não causará o resultado pretendido porque a mente da pessoa está preocupada com a fome. A psicologia de Jesus era de uma precisão cirúrgica. A moça do poço não estava com fome, ela foi buscar água e Jesus se apresentou como sendo a água da vida e que ela nunca mais teria sede. Ela era alguém que tentava matar a sua sede espiritual nos relacionamentos diversos levando uma vida que ela própria não estava satisfeita. Se acomodar é diferente de satisfação. Ela estava acomodada com aquela situação porque não conseguia enxergar um horizonte que lhe trouxesse paz e satisfizesse a sua sede espiritual. Outro episódio que demonstra a precisão cirúrgica da psicologia de Jesus é o aleijado que não conseguia chegar (por motivos óbvios) até a água para ser curado. Jesus perguntou se ele queria ser curado e prontamente respondeu que sim, porém, relatou a dificuldade em chegar até a água que o anjo movimentava. Jesus não lhe ofereceu comida e não se importou em como era a vida dele no cotidiano, ele precisava de cura que era o maior anseio da sua vida.

Jesus também confrontava os líderes religiosos e que zelavam pela lei de Moisés. Os sacerdotes eram muito críticos a Jesus porque se apresentou como o Messias, como filho de Deus e como o próprio Deus. Os sacerdotes o julgaram como blasfemo e arrogante. Jesus não ofereceu comida a eles porque não tinham fome. Também não ofereceu a cura, pois, aparentemente não estavam doentes. E não estavam buscando saciar a sede espiritual porque focavam mais cumprir a tradição da religião que tanto zelavam. Então Jesus criticou e chamou a atenção afirmando que valorizavam mais a tradição do que o evangelho de salvação que eles relutavam em não conhecer porque tinham de renunciar às suas tradições. Em meio a multidão tinham aquelas pessoas frustradas com a religião e estendo esta frustração com o governo tirano e explorador e que submetia a multidão aos seus caprichos cobrando impostos abusivos e não revertendo em benefícios para a multidão.

Quem seria você na multidão? A mulher do poço com sede espiritual, o doente que precisava de cura ou os religiosos que precisavam ter a mente e o coração no evangelho e para isto, precisavam abandonar a tradição da religião? Ninguém busca e faz sacrifício por algo que não precisa. É diferente de um consumidor contumaz que compra produto sem necessidade julgando que precisa. As necessidades da multidão eram emergentes e só resolveria com uma intervenção divina. A multidão não encontrou a água viva na religião. Também não encontrou na religião a cura para as suas enfermidades. E a religião exigia rituais que fugiram dos princípios que levava a multidão a presença de Deus. A religião também acusava as pessoas de serem pecadoras e as submetia ao castigo para serem perdoadas, mas, não falava do perdão de Deus através do amor. A religião não amava a multidão. Jesus demonstrava sempre que amava a multidão e demonstrava este amor saciando a sede da moça do poço, curando a enfermidade do doente e salvando aqueles que abandonavam a tradição da religião e abraçavam o evangelho de salvação.

Deus está presente em nós com o teu Santo Espírito. Jesus age em nós, pois, o nosso corpo é o templo do Espírito Santo. Sem o Espírito Santo expomos o pior de nós. Com o Espírito Santo expomos o melhor de nós. Jesus não veio para nos acusar das nossas imperfeições. Ele veio para nos curar de nós mesmos. Somos pessoas com sede espiritual e espiritualmente doentes e cheias da tradição da religião. Sem Jesus, somos o pior de nós mesmos. A vida que vivemos pertence a Deus que deseja dar um novo significado e uma nova perspectiva revelando o melhor de nós para a sua glória. Os valores e talentos que nos compõe é para glorificar a Deus. Parte da multidão julga que Deus precisa de nós para ser Deus. Ele não precisa de nós, porque se não dedicarmos o nosso melhor para a sua glória, isto poderá ser uma armadilha. De nada adianta chegar ao topo da carreira, ganhar muito dinheiro e ter uma vida saudável e equilibrada se não houver a humildade em reconhecer de que Deus é o único diferencial na nossa vida e de que sem Ele, sequer pó seríamos. Oferecemos a glória a Deus para que sejamos esvaziados do orgulho, da soberba e da frustração que poderão nos consumir. A frustração acontece quando não somos reconhecidos como merecedores. Qualquer movimento no processo do relacionamento criador-criatura gera energia que deverá ser canalizada em Deus que é a fonte desta energia.

Não importa quem você seja na multidão. Saiba que Deus não o considera como sendo mais um na multidão. A realidade de cada um na multidão é diferente e com o seu grau de necessidade. Para Deus isto é indiferente e se envolve pessoalmente na vida de cada um fazendo a diferença. 

Há muito mais coisas por trás dos milagres. Parte da multidão tinha uma visão periférica e estava buscando somente estes milagres sem se ater ao principal propósito do evangelho de Jesus. Quem é você na multidão? Aquele que deseja somente o milagre para se ter uma vida boa e tranquila sem compromisso ou uma vida além dos milagres em que a sede não mais existirá e a doença não será parte do corpo? Ou, talvez, seja daqueles que buscam na religião algum significado na vida. A religião nada mais é que um atalho criado pelo ser humano e que não leva a lugar algum. A principal mensagem de Jesus é para a vida eterna no seu Reino. Para isto é preciso que deixe de ser mais um na multidão e aceite o convite de Jesus renunciando a velha criatura e se torne uma nova criatura em Cristo que te reconhece em meio a multidão.

terça-feira, 5 de março de 2024

A INCONTINÊNCIA NO PORÃO

Venancio Junior

Não sei qual a sua impressão, mas, o mundo parece um carro desgovernado. Quem controla o mundo? Existem órgãos internacionais que deveriam intervir quando a situação estivesse fora de controle, mas, parece que não é tão simples como se imagina. Mesmo assim, as guerras continuam acontecendo e cada vez mais sanguinária, fome e desemprego crescentes em que o custo das guerras e das corridas espaciais poderia primeiramente ser destinado com urgência para esta causa humanitária.  E a miséria não é exclusivamente social e segue por outros caminhos, por exemplo, da imoralidade sexual em que o corpo se tornou um meio de vida e muitos expõem suas vidas e seus corpos sem qualquer pudor. Os relacionamentos conjugais se tornaram ácidos e qualquer problema que surge a culpa é sempre do outro. Em muitos destes casos, a traição é a solução emergente encontrada quando, na verdade, se cria um problema maior para resolver um outro bem menor que, muitas vezes nem existe. Nestes casos, reagir antes de pensar é um mal que poderá gerar estragos irreversíveis. Nos grandes centros urbanos sofremos com o crescimento desordenado com a invasão de matas ciliares comprometendo a qualidade dos rios e córregos e das áreas públicas que deveriam ter outro destino que favorecesse a população. Na política, a corrupção é a palavra mais associada aos poderes. A ganância em busca de liberação de verba não tem o objetivo de favorecer os municípios que representam. Sem falar nos privilégios exagerados dos mandatários com dinheiro público, uma verdadeira monarquia com centenas de milhares de monarcas espalhados nas casas legislativas e no judiciário. A violência urbana tomou proporções gigantescas em que a vida está sendo banalizada, inclusive pelas pessoas próximas das vítimas. É um ódio maligno que não tem limites para um destruir o outro. A ganância por dinheiro daqueles que possuem muito dinheiro está totalmente sem controle. Os banqueiros e demais empresários controlam salários e os políticos visando unicamente o lucro. A maioria dos milionários se enriquecem às custas de baixos salários. E a igreja que deveria ser um contraponto frente a todos estes problemas tornou-se mais um problema e atualmente está sendo nivelada por baixo. A maioria dos pastores e pastoras não é de verdade, pois, se autointitulam e utilizam a religião para conquistar credibilidade. A igreja deveria ser uma referência e uma entidade em que as pessoas poderiam confiar. No entanto, o dinheiro e o poder de influência substituíram os princípios do evangelho que vai contra tudo o que se prega na maioria das igrejas.

Diante deste caos, parece que ninguém consegue se manter em pé e ultrapassa todos os limites da razoabilidade. Perdeu-se o referencial do que seja limites. Para aquele grupo de pessoas que valoriza a questão dos princípios, o contexto do mundo atual piorou muito. Os princípios da ética e da moral ainda é a única referência que nos credencia como sociedade civilizada. O problema é que estamos diante de uma sociedade que a cada dia perde o respeito e que considera que a ética e a moral são dogmas meramente religiosos e quem é laico não se sente na obrigação em aplicar estes princípios na sua vida.  Além do mais, mesmo se perdendo, utilizando de uma redundância, as pessoas exigem respeito pela falta de respeito como se ninguém tivesse nada a ver com a vida alheia. Neste último quesito, concordo também, ninguém deve se intrometer na vida do outro. Mas, o problema é que ninguém está sozinho ou vive absolutamente só. Se cada pessoa deseja viver à sua maneira dando ampla vazão aos seus desejos, tudo bem, desde que não comprometa a integridade de um ambiente compartilhado. É uma tola definição julgar que não precisamos uns dos outros.

Quem são os culpados por tudo isto? Os principais atores neste cenário caótico são constituídos por pessoas que sofrem de incontinência onde os limites constantemente são desrespeitados. Incontinência é algo que não se tem o controle. Quem pratica estas incontinências uma vez, não mais se preocupa em ultrapassar os limites novamente e por inúmeras vezes, caso as oportunidades continuem disponíveis e aliadas a perda de controle. Independentemente se é boa ou ruim, existem dois tipos de oportunidades, uma que surge involuntariamente e que são aproveitadas pelas pessoas impulsivas e a outra que é devidamente calculada por aqueles que sofrem de incontinência e que é apenas um capricho da sua escravidão. De qualquer forma, as oportunidades sempre estarão ao alcance de todos.

Antigamente ninguém fazia o que era mal com visibilidade e tinha receio de que alguém descobrisse. A incontinência ficava escondida no porão. Atualmente parece que as pessoas não se importam mais em fazer o que é mal sem que todos saibam. A incontinência está presente e visível em cada esquina. A regra da vida diz que não importa se vai prejudicar alguém ou não, o importante é levar vantagem, não somente uma vez, mas, sempre.

Como classificaria este tipo de incontinência? Toda espécie de mal e situação de caos tem um fundo espiritual. Posso chamar de incontinência espiritual que é relativo somente no aspecto negativo porque a espiritualidade profícua é intencional. O bem só terá esta característica em benefício se houver a intenção em fazê-lo. O apóstolo Paulo falou de suas fraquezas em que o mal que não queria praticava. Isto é incontinência espiritual em que não temos o controle caso não estejamos sob as ações do Espírito Santo em nós. A bíblia fala que nossa luta não é contra a carne e também que devemos estar mortos para o pecado para que ressuscitemos em Cristo e toda incontinência seja anulada.

A teologia bíblica nos orienta de que a vida deve ser simples e que se vive nos detalhes. A construção do caráter, muitas vezes é consolidada em um momento de solidão. A bíblia também nos mostra que devemos praticar o inverso daquilo que aprendemos na vida em que o próximo é menos importante do que a si mesmo. Valorizar o outro é uma forma eficaz em se desprender das armadilhas incrustadas no caráter. Não se trata de autocomiseração em se desvalorizar, mas, valorizar o outro em que todos ganham. Amar o próximo evita guerras, fome e todos os infortúnios que perseguem a vida humana. Há muitos valores que devem ser preservados cuja conquista exige renúncia. Destaco a integridade onde o respeito e a credibilidade são os principais recheios. Uma pessoa com estas características é atraente pelo seu charme e elegância que nada tem a ver com o vestuário e se deve ter uma visão através de uma lente esotérica. O que se vê por fora deve ser um reflexo do que seja por dentro. A admiração por alguém deve ter princípio nos seus valores do caráter. Todos estes atributos têm um valor imensurável e jamais deverão ser envolvidos em negociatas morais. O mundo está cheio de personalidades com muito dinheiro e miseráveis no caráter. Suas vidas por dentro não vale a ração do cachorro. Não é a fama, nem o dinheiro, nem a religião e nem o trabalho que devem controlar as nossas vidas. Cada pessoa tem um tipo de incontinência e deve conhecer a si mesmo evitando os caminhos que a torna vulnerável. A única coisa que se deve fazer as escondidas é o bem ao próximo. "Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta" Mateus 6:3,4. Este é um ótimo princípio para iniciar a desconstrução da incontinência espiritual inerentes a velha criatura.