terça-feira, 19 de março de 2024

O MENDIGO E OS POBRES DE ESPÍRITO

Venancio Junior 

Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos céus Mateus 5:3. Pobres de espírito são aqueles que estão vazios de emoção que os tornam vinculados aos valores materiais. O espírito pobre, neste texto, se refere a um espírito livre no sentido de estar sempre disposto a ser generoso mesmo nada possuindo. Engana-se quem julga que se deve ajudar somente quando se tem com o que ajudar. Ajudar os pobres é um mandamento também para os pobres. 

Mas, qual a relação de Jesus com os pobres? Jesus sempre esteve ao lado dos pobres e marginalizados. Não porque exatamente eram pobres, mas, de certa forma, eram pessoas livres. O rico sempre tem a preocupação com a sua riqueza e o vínculo é profundo que o torna escravo. Em I Timóteo 6:09 “Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição...”. Quem segue Jesus, mesmo tendo riqueza, deve ser livre da escravidão dos seus bens. Tem diversos relatos em que Jesus exemplifica o desprendimento do verdadeiro discípulo das riquezas materiais. Um dos motivos que me inspirou esta reflexão é a distinção entre mendigo (morador de rua) dos pobres. Quero esclarecer que Jesus focou a sua missão nos pobres, mas, não para que deixassem de serem pobres porque a questão da pobreza envolve diversos fatores que não abordarei nesta reflexão. O objetivo da missão de Jesus sempre foi em demonstrar que a generosidade é uma missão do discípulo, portanto, a pobreza é um problema nosso. Pobre é aquele que trabalha e ganha pouco. Mal tem dinheiro para comer, não tem moradia decente e não consegue planejar o futuro, pois, os escassos recursos não o permitem este privilégio, mas, tem responsabilidade civil e social. Já o mendigo, a maioria deles vivem nas ruas como opção e não querem responsabilidade para dignamente ganhar o seu sustento sem que precise depender de esmolas. Todos devem ter responsabilidade sobre as suas decisões, inclusive os mendigos. Sei que é uma afirmação muito polêmica e controversa. Mas, observe o texto de Paulo na carta a igreja de Tessalônica “Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós”“Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto: que se alguém não quiser trabalhar, não coma também” II Tessalonicenses 3:8 e 10. Esta afirmação de Paulo está em sintonia com a determinação de Deus ao homem antes de ser expulso do paraíso: "No suor do teu rosto, comerás o teu pão..." Gênesis 3:19. Em toda a extensão bíblica há uma clara exortação de que todos devem trabalhar para obter o teu sustento. Não era para ser assim. Este recado vai direto também aos mendigos que não querem trabalhar. Paulo foi claro que não queria que as pessoas se sacrificassem por eles e todo sustento viria da força de trabalho. Provérbios 6:6 é ainda mais duro com aqueles que não querem trabalhar: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio”. Considerar o seu caminho é rever a sua situação e utilizar a sabedoria para progredir na vida. Por que ajudar a quem não quer trabalhar? Ninguém tem a obrigação em ajudar. Nem mesmo Deus nos obriga a isto. Mas, como discípulos, a nossa via da jornada cristã é na contramão do sistema. A disposição em ajudar deve ser com compaixão e alegria. Também não é para os tratar como uns coitadinhos porque a iniciativa em mudar a situação será sempre de quem precisa de ajuda. Infelizmente a maioria não quer esta ajuda, mas, somente uma esmolinha. Muitos deles julgam que a sociedade é obrigada a ajudá-los e quando não ajuda, ficam com raiva. Sinceramente, a primeira pessoa que deveria se revoltar contra esta situação é ele mesmo. Muitos não tem mais força de reação porque emocionalmente estão desgastados e se tornaram dependentes químicos o que agrava ainda mais a situação porque utilizam as drogas, seja álcool ou entorpecentes como fuga de uma realidade degradante. Precisam urgentemente de apoio do poder público. Praticamente todas as cidades possuem secretarias sociais voltadas para os moradores de rua dando-lhes oportunidades de ressocialização. Os dados são desanimadores. De cada 10 apenas 03 permanecem no programa porque a finalidade é recolocação profissional. Quando o assunto é trabalho, muitos deles preferem continuar “empurrando a vida com a barriga” vazia. Os assistentes sociais e psicólogos desenvolvem trabalhos exaustivos voltados para esta classe de pessoas e a opção em permanecer nesta vida miserável que escolhem são inexplicáveis. Passar frio, fome, falta de higiene e humilhações diárias não é algo fácil de suportar. Parece que estes problemas não os afetam mais e a dignidade e a honra foram aniquilados. Isto não significa que não é para ajudar. Para a maioria deles, o dinheiro não fará diferença alguma, pois, utilizam para outros fins que não a sobrevivência. Não conheço alguém que tenha mudado de vida porque recebeu esmola. A mudança só acontece se a própria pessoa desejar e tiver iniciativa. A ajuda tem mais um efeito moral e psicológico para que a pessoa se sinta acolhida. No entanto, para outros, o efeito para este tipo de ajuda funciona como um incentivo para permanecer nas ruas. Uma pequena ajuda não te deixará pobre, mas, irá gerar riqueza da graça porque Jesus quer despertar em nós a pré-disposição em servir. Servir a alguém jamais deve ser por mérito, pois, isto seria justiça aos nossos olhos.

Vamos para o outro lado desta mesma moeda. A ajuda deve ser somente para aqueles pobres que trabalham ou os mendigos também “merecem” esta ajuda? Na concepção do evangelho, de certa forma, a esmola ou ajuda financeira não é exatamente para fazer diferença na vida dos pobres e dos miseráveis. Quando Jesus fala em ajudar os pobres, a maior ênfase é para aquele que ajuda, desvencilhar o coração dos bens materiais. O evangelho é bem claro quando diz sobre aqueles que tem muito para ajudar quem nada tem. Neste processo de um ajudando o outro, ninguém passaria fome ou qualquer outra necessidade. Para que isto funcione é preciso que cada um faça a sua parte com generosidade. O mundo possui dinheiro e comida suficiente para acabar com a miséria e a fome. Muito simples, se alguém está passando fome é porque o outro tem comida em abundância. A bíblia sempre relata o desafio da prática da generosidade. O discípulo é em suma, generoso. O apóstolo Paulo traz uma exortação na carta de I Timóteo 6:18 “Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir”. Se os recursos entregues para alguma causa social fizer diferença na vida das pessoas, então, a conexão espiritual foi eficaz na vida de quem doou. Se a ajuda aos miseráveis não surtiu o efeito desejado, isto não significa que não houve sinceridade no serviço, simplesmente o ato em si não foi correspondido por aquele que foi ajudado. Observe o diálogo entre Jesus e o homem rico “Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu” Mateus 9:21. O foco de Jesus nunca foram os pobres, mas, o coração do jovem rico. Talvez os pobres continuassem pobres mesmo com aquela ajuda, mas, esta generosidade proposta por Jesus deixaria aquele homem num estágio espiritual elevado e rico em graça. Ele não se conectou com a mensagem e decidiu permanecer pobre na graça e com o coração nas suas riquezas. No lugar do jovem rico, o que você faria? 

Os desafios no mundo estão cada vez mais intensos. A generosidade não é somente dar dinheiro e ajudar os pobres. Qualquer gesto de apoio em suprir a necessidade do próximo independentemente de quem seja é uma característica de generosidade. Não precisa falar a mesma língua e nem pertencer a mesma classe social ou a mesma religião. A generosidade não tem cor e não tem sexo. Ela deve ser praticada nas ruas, em casa, no clube, no trânsito (difícil, hein!?), na igreja e em todos os lugares para os ricos e para os pobres. Por isto que a verdadeira igreja não tem parede e nem nome. Deus não criou uma religião para viabilizar a generosidade. A prática deve ser onde estiver e para o próximo que esteja próximo. O desafio de Jesus é romper com o nosso padrão. Amar a quem já se ama não é nada desafiador. Amar os inimigos é o maior desafio. Imagine ser generoso a quem o prejudica? Imagine ser generoso para quem te traiu? Imagine ser generoso com os seus desafetos? Quem nunca se revoltou com o lixo espalhado pelos mendigos? É uma cena deprimente quando na região que se mora houver mendigos por todos os lados e, às vezes praticando alguns delitos, tipo, roubar o cabo de internet da casa. Jesus afirma que devemos dar a outra face. Isto não significa que se deva deixar o mendigo entrar na sua casa e fazer o que quiser. A proposta da outra face é, primeiramente não revidar da mesma forma, mas, mostrar o outro lado desta mesma moeda. Onde houver tristeza, leve alegria, onde houver rancor, leve o amor, onde houver guerra, leve a paz e onde houver fome, leve comida. Dar a outra face e amar os inimigos é a contraproposta do evangelho. Não ajude o próximo como um desencargo de consciência, mas, para se manter conectado com Deus que torna o nosso espírito vazio do mundo e cheio da sua graça.

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