sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

FILTRO DE BARRO

Venancio Junior

Talvez os mais novos não saibam que antigamente na maioria das casas, principalmente nas cidades do interior, havia o tradicional filtro de barro com um copo à disposição para quem quisesse, como diziam, “molhar a goela”. Este copo ficava no filtro por muitos dias e qualquer um que estivesse na casa utilizava este mesmo copo sem trauma. Na minha casa funcionava exatamente deste jeito. O filtro de barro e o pinguim sobre a geladeira eram peças obrigatórias na decoração da casa. Ninguém se preocupava se aquele copo foi recentemente lavado ou reutilizado. O importante era beber a água e saciar a sede. Até as lagartixas utilizavam o copo, obviamente, não para beber, mas, para alcançar as gotas que sobejavam da torneirinha. Nesta época, havia muito esforço para alguns viverem e muitos outros sobreviverem pelas dificuldades em obter coisas meramente simples. Porém, sentia-se um clima de prazer e satisfação mesmo com todas as dificuldades e limitações e poucas opções de lazer e entretenimento. Precisava do mínimo necessário para consumir várias horas com a família e com os amigos. Ninguém se preocupava ainda com o "tal" de filtro psicológico, pois, a vida era menos intensa. O único filtro que dispunha era o de barro na cozinha para matar a sede.

Filtro é essencial para reter as impurezas que provocam mal-estar e até doenças infecciosas. Na vida é quase a mesma coisa. Antigamente não se utilizava este termo em que uma decisão errada ou uma reação impetuosa foi devido a “estar sem filtro”. Quantas vezes, por não utilizar o filtro da ética, da responsabilidade ou da moral criamos situações constrangedoras? Sofremos muito pelo não uso do filtro. Atualmente, sofremos perseguições pela falta de filtro do respeito, principalmente aquelas pessoas que se encontram em grupos vulneráveis e até raciais e religiosos, não por escolha pessoal, mas, por imposição da sociedade que tem a triste mania em rotular as pessoas. O pré-julgamento é fruto da falta de filtro. Quase todos os dias acontecem fatos que descrevem que estamos imersos numa sociedade sem filtro. A intolerância é falta de filtro. O ódio é falta filtro. A violência física e verbal é falta de filtro. Nossa privacidade é invadida por comportamentos desprovidos de filtro. A educação é o filtro que precisamos, portanto, somos, em suma, uma sociedade sem educação. Todas as questões raciais e de intolerância é fruto da falta de educação. Não importa se há concordância no relacionamento, o respeito é uma questão de educação. A educação é o nosso filtro.

Ainda no contexto da educação, Jesus foi um grande professor. Durante o seu trabalho sempre incentivava as pessoas a pensarem, noutras palavras, era o filtro que ele “forçava” as pessoas a utilizarem. Nunca impôs regras sem que não houvesse uma reflexão introspectiva da abordagem. Muitos ainda não compreendiam sua doutrina. Os religiosos foram mais radicais que, de tão ignorantes e sem filtro, acusaram Jesus de violar os costumes e a tradição da religião oficial. Claramente, os sacerdotes mais influentes, estavam sem filtro e não conseguiam distinguir a doutrina de Jesus com a tradição que regia a religião. Até na revolta Jesus não se absteve do filtro. Expulsou os vendilhões do templo. Jesus também utilizou o filtro quando chamou a atenção dos apóstolos que dormiam quando eram para estar vigiando. Vigiar é, em suma, utilizar o filtro. Reter o que é bom é também utilizar o filtro. Quando fazemos escolhas, estamos utilizando o filtro.

Também podemos ser o filtro que trará limpidez do evangelho ao mundo. Um evangelho sem bactérias e sem imundícies que espiritualmente infecciona o mundo. Quando entregamos a nossa vida como barro nas mãos do oleiro, de certa forma, optamos pela melhor forma de vida com o filtro do Espírito Santo. Utilizando como metáfora, seremos, então, o “filtro de barro” para o mundo. No episódio em que Jesus exemplifica qual é a verdadeira religião, percebemos que nos chamou a atenção para que utilizemos o filtro quando diz no final das prerrogativas da religião para fugir da corrupção do mundo. Sem filtro, não é possível viver o evangelho genuíno. Sem filtro não é possível também falar deste evangelho. O apóstolo Paulo afirmou numa de suas cartas que não devemos nos contaminar com as seduções do mundo. Para sermos filtro no mundo sem se contaminar, devemos ter o filtro do evangelho radicado no coração. A cada dia sinto-me na contramão do sistema. Enquanto prevalecer este sentimento, é sinal de que o meu filtro está ativo. Como filtros, não podemos impedir que as impurezas das palavras torpes, as cenas de impropérios e os pensamentos ruins venham a ocupar os nossos ouvidos, olhos e as nossas mentes. A função do filtro é exatamente eliminar as impurezas e reter o que é bom e oferecer ao mundo a água da vida límpida. Imagine a responsabilidade do filtro? Temos saúde porque ingerimos água pura do filtro de barro. Para que o mundo também tenha saúde, é preciso que nós, como filtros de barro nas mãos do oleiro, desempenhemos a função em filtrar a mensagem de salvação para uma sociedade contaminada pelo pecado.