segunda-feira, 27 de março de 2023

O INFERNO NÃO É PARA OS FRACOS

Venancio Junior

Digo de antemão de que ninguém vai para o céu porque odeia o inferno ou o diabo. É unânime de que ninguém vai para o inferno por opção ou falta dela. Escrever sobre este tema sempre me assusta e causa calafrios. Não exatamente por não crer na misericórdia de Deus, mas, o que me preocupa são as pessoas, inclusive familiares, que ainda não estão debaixo da graça. Ainda tem aqueles que deixaram de ser agraciados por diversos motivos, esfriaram na fé, perderam a noção de vida cristã e tantos outros que brincam de crentes exatamente pela falta de integridade quando seu modo de vida não condiz com a integridade do evangelho. São pessoas que adequaram o evangelho a seu próprio estilo de vida e julgam que Deus não vai se importar, pois, se tornaram apenas crentes nominais consumindo, por exemplo, pregações on-line e nada mais. A bíblia diz que “a fé sem obras é morta!” (Tiago 2:26). Não basta afirmar que é cristão, tem de gerar frutos com o talento dado por Deus. Muitos antecipadamente já “penduraram as chuteiras” e julgam que já fizeram muito e não precisam se dedicar mais. Ledo engano. Nós ainda estamos no jogo e dentro do campo (Mateus 13:38) buscando a vitória. A vida cristã é uma contínua e incessante dedicação ao propósito de difundir o Reino de Deus que deseja que todos sejam salvos e conheçam a verdade (I Timóteo 2:4). Quem tem a missão em levar a verdade é cada um que conscientemente se rendeu ao evangelho e afirma ser discípulo de Cristo. Quem não conhece a história do eunuco etíope que, respondendo a Filipe, afirma que não entenderia o evangelho se alguém não explicasse a ele (Atos 8:31). Alguém, além de falar sobre o Reino usando de todos os meios (I Coríntios 9:22), tem de explicar o propósito do Reino e fazer a vontade do Deus que deseja salvar a todos do inferno para o qual foram condenados (Romanos 3:23). Jesus nos entregou a missão “...e sereis minhas testemunhas” (Atos 1:8). Esta afirmação de Jesus não limita a missão a um determinado tempo na existência, mas, em todo o tempo de vida. Caso contrário, isto será cobrado no juízo final. Porém, há o contraponto para aqueles que acreditam que o intenso ativismo é o suficiente para fugir do inferno e lemos em Efésios 2:9 que “...a fé também não é pelas obras para que ninguém se glorie”. Aliás, nossa missão não é meramente para fugir do inferno, mas, resgatar outros da condenação do inferno. Este texto de Efésios contraria exatamente aquela vida cristã oca que seria ação sem sentimento, sem conhecimento e sem compromisso. Filipe se tivesse uma vida cristã sem conteúdo, não conseguiria explicar ao eunuco o significado do Reino de Deus. O conteúdo, no caso, é conhecimento do evangelho e experiência da caminhada que geram frutos e ressignificam o talento concedido por Deus. Quem não conhece a parábola dos talentos? Especificamente o episódio em que o servo apresenta intacto o único talento dado e que não rendeu frutos porque julgou que o senhor era muito severo e tinha medo de perdê-lo e o senhor afirma “Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes” (Mateus 25:30). Em outras palavras, cuide do talento dado por Deus. Ele será cobrado o porquê não rendeu frutos. O apóstolo Paulo reconheceu “ai de mim se não pregar o evangelho” (I Coríntios 9:16). Ele tinha consciência de que o talento lhe foi dado e temia em não o utilizar o que demonstraria um total menosprezo à Deus. Um detalhe, porque o inferno neste episódio da parábola é denominado de “trevas exteriores”? Se lermos o texto de Gênesis 1:5 o dia e a noite respectivamente foram originalmente denominados como luz e trevas. Então, esta referência das trevas exteriores é fora da dimensão finita da matéria. Devemos cuidar da nossa vida cristã para não sobreviver em meio a um cristianismo oco e sem conteúdo.

Se não é para os fracos, então, para quem exatamente foi destinado o inferno? Paulo afirma em II Coríntios 2:10 “...que é forte quando está fraco”. A princípio, esta afirmação seria uma contradição. O que o apóstolo quis dizer é que esta fraqueza é quando está vazio de si mesmo ou quando as ações da carne não têm influência na sua vida. É preciso estar vazio de nós mesmos para que o Espírito aja em nós. Sentir-se forte por iniciativa própria neste caso é pura soberba e julgar que esteja “blindado” contra as ações malignas. Então, o inferno não é para os reconhecidamente fracos, mas, para os que se julgam fortes, os arrogantes, presunçosos e orgulhosos.

O inferno foi destinado exclusivamente ao diabo e seus anjos devido ter agido com arrogância querendo ser igual a Deus e também com orgulho, pois, se sentia igualmente soberano. O alter ego do diabo estava muito em evidência. Deus e diabo não são e nunca foram poderes equiparados. Por que Deus não compartilha sua soberania e seus poderes com outros? Será que Deus tem orgulho da sua soberania e teria medo de perdê-la para o seu oponente? Essencialmente o orgulho no contexto celestial é a soberba que não é um sentimento sadio. O motivo pelo qual o inferno foi criado é exatamente por causa do orgulho. Uma vez precipitados do que chamamos de céu, o diabo e seus anjos teriam um destino eterno e o inferno, a princípio, foi criado somente para este fim, “abrigar” os orgulhosos. Contrariamente ao que se supõe, o diabo e seus anjos não estão ilesos do sofrimento do inferno que será eterno, pois, não tem a função apenas de isolamento. O inferno ainda está vazio, não tem ninguém sofrendo por lá, pois, o julgamento final dos condenados não justificados ainda não aconteceu e o inferno também não é o lugar onde o diabo vai reinar. O contexto de reino é referente a absoluto e a referência a reino das trevas é por causa do contexto do absoluto sofrimento. O inferno foi criado para o sofrimento eterno de todos os que não foram justificados em Cristo que é a única forma de estar livre desta condenação. Enquanto estivermos na terra, ainda não seremos, mas, estaremos livres em Cristo. Seremos livres na eternidade, uma vez justificados, após a vida terrena. Da mesma forma, provavelmente ainda não tenha alguém também no céu pelo motivo de que ainda não houve o arrebatamento dos justificados em Cristo Jesus. Apesar de que Jesus foi categórico, ainda na cruz antes de morrer quando afirmou que um dos condenados na cruz juntamente com Ele estaria no paraíso naquele mesmo dia. Pode ser que seja condizente com o que Paulo afirmou em Romanos 6:8 em que diz que morrer em Cristo é lucro. Tem um outro episódio que subentendesse que já exista vidas no paraíso em que o rico em vida menosprezou a Lázaro e depois da morte de ambos, o contemplou no paraíso enquanto ele sofria no inferno. Talvez tenha sido apenas uma visão do porvir e não refletisse exatamente o real cotidiano daquele momento. Lázaro neste caso representava os fracos, pois, era pobre e doente, ou seja, totalmente desprovido de si mesmo em que não tinha nada a oferecer, a não ser a sua humildade e desprezível condição putrefaça em vida e o rico claramente viveu como se fosse o mais forte porque sua virtual força estava na riqueza.

Se julgarmos e confiarmos a nossa força na riqueza dos bens em detrimento do reconhecimento da condição de pecador, então, o inferno é o destino certo. Mas, se a nossa força (não por nosso próprio julgamento) está em reconhecer (por nosso próprio julgamento) que somos fracos e pecadores, com certeza a vida será preenchida com a graça salvífica e a misericórdia de Deus será abundante.

segunda-feira, 13 de março de 2023

O QUE VOCE VAI SER QUANDO CRESCER?

Venancio Junior

Quando ainda criança e se começa a ter noção de que um dia vá crescer, surge esta grande pergunta geralmente feita pelos ansiosos pais e avós. Amadurece-se e esta dúvida num novo formato continua fazendo parte da consciência que está em fase de amadurecimento: O que ser quando crescer? Faz-se planos, busca-se opções que facilite a caminhada rumo ao objetivo que, muitas vezes, são mais desejos daqueles que nos quer muito bem. Porém, muitas vezes não é exatamente o que se queira. Tem-se de considerar os diversos fatores, muitos deles circunstanciais que mudam o plano original (caso tenha) e o rumo.

Agora, quem nunca vislumbrou um mundo onde tudo funciona e se encaixa conforme o planejado sem que tenha de empreender muito esforço? Imagine uma família feliz onde todos são motivos de orgulho para a sociedade? Imagine a igreja perfeita onde as pessoas realmente amam ao próximo e se dedicam a elas? Imagine os pastores lembrando que o mais anônimo membro/frequentador exista e quase semanalmente perguntam se está tudo bem? Imagine o chefe ou os funcionários cumprindo com as suas obrigações sem que precise ficar cobrando ou lembrando suas responsabilidades? Imagine as realizações pessoais sendo vividas na íntegra? Já imaginou? Nesta conjuntura, seria, como diria, perfeito, pois, além de pular várias etapas, é muito bom alcançar logo os objetivos propostos e sonhados. Pois é, você tem razão naquilo que pensou, este mundo não existe, pois, é apenas um sonho, uma verdadeira utopia. Mas, conheço pessoas e famílias que, aparentemente tem um padrão “invejável” onde tudo funcionou direitinho e ainda funciona. Não foi com pouco sacrifício, mas, tudo aconteceu como eles desejaram e provavelmente planejaram.

Por outro lado, também conheço pessoas e famílias em que aparentemente tudo deu errado, os sonhos se tornaram pesadelos e com muito sacrifício conseguiram realizar muito pouco daquilo que sonharam. Morreram e suas realizações pessoais, aquelas que estavam no íntimo se desvaneceram. Em ambos os casos, trata-se apenas de uma visão periférica. Surge, então, a pergunta. No primeiro caso, onde será que acertaram e no segundo caso, onde será que erraram? Nem tudo o que acontece de ruim na vida é consequência de decisões erradas ou um castigo. Na maioria das situações não se têm de ficar buscando um motivo, se orgulhando de ter acertado ou se culpando pela suposta decisão errada. Geralmente nunca se descobre os acertos e nem os erros e esta busca pode gerar um desgaste emocional traumático. O mais surpreendente é que estas pessoas no segundo caso, mesmo tendo uma vida equilibrada e bem-intencionada, algumas áreas não foram muito bem-sucedidas. Porque tem de ser assim? Porque para algumas pessoas as coisas funcionam praticamente tudo como sonharam? E porque para outras simplesmente não funcionam e vivem uma vida numa constante readaptação? Tim Maia já cantava que “...uns nascem pra chorar, enquanto o outro ri”.

Primeiro preciso definir quais são os sonhos e ideais primordiais definidos. Vou destacar três tipos de pessoas. Os altruístas têm o sonho de ser um super-herói que resolve o problema (dos outros) com um só golpe. Os ambiciosos desejam ficar ricos quase como num passe de mágica. Alguns poucos ponderados, logo conscientes das dificuldades que a vida apresenta, procuram o caminho das conquistas no passo a passo vivendo um dia de cada vez. De qualquer forma, todos têm sonhos e delineiam o melhor caminho em busca de seus ideais de vida. Sonhar nada custa, mas, será que pelo menos a maioria conquista os seus sonhos como nas propagandas que apresenta uma vida de fáceis conquistas? Seus ideais basicamente giram em torno dos três pilares para uma vida bem-sucedida que é a saúde, vida profissional e relacionamento seja familiar ou a dois. O que vir a mais tem um fluxo transitório.

Todo este papo de sonhos e porquês me faz lembrar do grande poeta Janires. A maioria, talvez não conheça. Ele é o autor da música Baião. Em suas letras ele revelava os seus sonhos e nada tinha a ver com a vida terrena. O sonho de Janires era com o Reino de Deus. Percebia-se nas suas letras poéticas. Todo o seu foco era o que vinha depois da morte que, para ele, ainda não era o fim. Em algumas letras ele revelava sua frustração com a vida e lutou muito, apesar da morte precoce, para mudar a triste realidade de muita gente. Janires não tinha os seus porquês na vida. O foco dele sempre teve uma direção certa e o seu trabalho alcançou e mudou a vida de milhares de pessoas. Afinal, quem foi Janires? Janires foi um dos maiores poetas que surgiu na música cristã brasileira, infelizmente, morto precocemente na década de 80 num acidente de ônibus quando foi ao Rio de Janeiro buscar um teclado para um dos encontros da MPC (Mocidade para Cristo) em Belo Horizonte. Ele foi o fundador e líder de uma das bandas que revolucionaram a música cristã brasileira, o Rebanhão, que trouxe em suas letras um linguajar irreverente para os padrões da música cristã na época. O primeiro trabalho foi lançado em 1981, Mais doce que o mel com muito rock, funk, baião e chorinho. O Rebanhão foi muito criticado, a começar pelo nome que alguns julgavam um “deboche” da igreja dos escolhidos. Chegaram a dizer que, em suas músicas ouvindo ao contrário, tinha mensagem subliminar do demônio. Em 1983, ainda sob muitas críticas, o Rebanhão lança seu segundo trabalho Luz do Mundo e que ratificou a irreverência desta banda e especificamente a música Hoje sou feliz fala sobre o sonho de criança que, quando adulto não se realizou. Veja trecho da letra:

Quando criança sonhei

Ser Flash-Gordon, Super Homem, Robin Hood

Ou até um rei dos contos de fada

Quis ser ídolo num grupo de Rock

Ou mocinho num filme de cowboy

Como doeu!

Ensinaram-me a sonhar

Mas deserdaram quando um dia acordei

E descobri que moro num país

Na América do Sul

Cheio de super-homens voando e bebendo

De boteco em boteco

Que os ídolos seduzem as meninas

E os mocinhos e bandidos se matando nas esquinas

Ah, como dói!

Em saber que não é sonho de criança

O que vai pelo país

Janires fazia suas críticas sociais (muito ausente na música cristã atual) e esta realidade ainda é um verdadeiro pesadelo presente em nossos dias. O que as pessoas querem ser quando crescerem? Um ídolo que seduz as meninas ou um “super-homem” que vive bebendo de boteco em boteco? Mudando a perspectiva da pergunta: O que as pessoas querem ser para os outros quando crescerem? Alguém que traz alegria ou alguém que traz tristeza para as pessoas próximas? Será que o que se sonha e se torna é fruto daquilo que se constrói ao longo da vida e faz parte de um ideal? Numa situação de frustração, provavelmente as circunstâncias não foram muito favoráveis e perdeu-se o controle dos sonhos.

Na vida não tem como sobreviver sem se relacionar com pessoas. Tenho certeza que se relacionar é a maior dificuldade encontrada e que, muitas vezes, algumas pessoas nem estavam no planejamento pessoal. Vivemos para ser feliz e amar as pessoas. Sem o relacionamento é praticamente impossível concretizar este sonho. O problema é que as únicas características do relacionamento é dar e receber. Não tem outra coisa, como o próprio nome já diz, é relação, dois lados que se juntam. Muitas pessoas não têm esta disposição e só querem receber e se tornam um verdadeiro pesadelo no relacionamento. Quanto mais próximo, mais risco se corre em se frustrar e, porque não, frustrar outros? O relacionamento conjugal é o que sofre mais, pois, é suscetível a diversos atritos. Alguns preferem se distanciar ou se isolar, cancelar as pessoas enquanto outros, como dizem, “chutam o balde” e vão morar no meio do mato. Meu pai sempre falava que gostaria de viver no meio do mato sem cortar o cabelo e sem fazer a barba. É uma maneira rústica de se livrar das rotinas e dos compromissos que escravizam e também dos relacionamentos tóxicos. A rotina, muitas vezes cansa. Os necessários compromissos também cansam. Até mesmo as pessoas muitas vezes cansam e se cansam uma das outras. Acredite, cansamos também de nós mesmos. De repente, quase nada daquilo que se vive fez parte dos sonhos de outrora. Onde estão os sonhos de realizações profissionais, e as alegrias que só se vê nas redes sociais e o parceiro (a) conjugal dos contos de fadas? E porque não dizer sobre a igreja dos sonhos que tanto desejamos? Em qual parte do caminho que se perdeu o rumo? Às vezes não se percebe que o caminho que se percorre tem atalhos à deriva. Talvez o caminho óbvio estivesse intransitável e preferiu o caminho mais curto e de melhor aparência, porém, o destino era trágico ou uma incógnita.

Espere um pouco. Nem tudo está perdido. Apesar de no contexto atual não ter muito daquilo que se sonhou ou almejou, não se pode jogar tudo fora como se nada ou alguém tivesse o seu valor. Mesmo não sendo aquilo que desejou, é preciso descobrir o valor de cada personagem neste inescrutável cenário.

Certo, no relacionamento não é a pessoa dos seus sonhos, também não é o trabalho que tanto desejava, afinal, a formação profissional é outra, também não é o tipo de pessoas que escolheu como amigos e a igreja também não é o tipo que atenda às suas expectativas. Diante de tantas indagações, faltou só uma coisinha, muitas vezes esquece-se de refletir sobre si mesmo. Será que não percebeu que nem mesmo veio a se tornar a pessoa que desejava que fosse? Faz toda a diferença se o esforço agora se concentrar em (re)tornar-se a pessoa que sempre sonhou. A sugestão é esta mesma, retornar pelo mesmo caminho e procurar os objetos perdidos é uma forma de se reencontrar. Muitas vezes o caminho não está errado e também não é uma questão de encontrar culpados, acertos e erros, mas, de mudar a postura em relação ao inevitável. Também não acredito em premeditação quando o formato e os acontecimentos já estão definidos na vida de cada um. A vida simplesmente acontece e algumas coisas consegue-se controlar e atingir o objetivo. Todos absolutamente estão sujeitos aos acontecimentos da vida. Para uns acontece e para outros não acontece. O que acontece? Depende da perspectiva. Sempre devemos ter em mente de que se doar nunca deve ter um condicionador de que se deva receber. Reconheço que, muitas vezes, seja muito difícil viver a realidade desafiadora de cada dia. Antes de desenvolver qualquer pressentimento, é importante ter em mente de que não se deve medir esforços para se manter a integridade em todos os aspectos. Perde-se tudo, mas, não perde a essência da pessoa que se é. Não gosto de trazer o exemplo de Jó porque não suportaríamos tanto sofrimento. Sempre que lembro de Jó, clamo a Deus por misericórdia. Vejo muitos animados pregadores afirmarem para que se tenha a mesma fé que Jó teve. Eu afirmo que é melhor não mexer com vespeiro e nem tentar ao Senhor Deus. O próprio Jesus afirmou a satanás para que Deus não seja tentado (Mateus 4:7). Significa que, numa imprudência, não devemos forçar Deus para que nos proteja e nem nos abençoe na nossa conveniência. Enfim, Jó perdeu literalmente quase tudo, bens, família e saúde, mas, não perdeu a sua integridade diante de Deus que permitiu que aquilo acontecesse com ele. Se refletirmos sobre a vida de Jó, temos certeza de que ele teve os seus sonhos e desejos e conseguiu tudo o que fazia parte daquilo que ele próprio idealizou para ter uma vida segura, confortável e feliz com a família. Perdeu tudo, mas, continuou no mesmo caminho e reconquistou pela graça de Deus até mais do que tinha antes.

Diante dos reveses da vida, nunca devemos cessar os nossos sonhos, mas, paralelo a isto, manter a integridade perante Deus e as pessoas com quem convivemos e nos dedicar a Deus e a estas pessoas. Mesmo não tendo o reconhecimento esperado, eleva a nossa dignidade a um patamar de excelência. No fim, este é o único sonho considerado, o resto, a traça consome, a ferrugem desgasta e o ladrão rouba (Mateus 6:19).

quinta-feira, 9 de março de 2023

ZUMBIS EMOCIONAIS

Venancio Junior

Como agem ou reagem os zumbis? Os zumbis não existem. É um estereótipo criado nos filmes de terror. Mesmo não existindo, há uma definição de comportamento cujas características são estranhas e sem vontade própria, pois, trata-se de um morto-vivo. O zumbi não tem alma e não tem sentimento que foram extirpados por um vírus sanguíneo. Apesar de estar junto com outros, não existe convivência e nem compartilhamento de afinidades. Poderíamos dizer que é um pária da sociedade. Vive à margem da civilização por razões óbvias porque perdeu totalmente a capacidade cognitiva o que impede uma eventual ressocialização.

Mas, o que seria um zumbi emocional? Acho que a característica mais próxima daquilo que pretendo expor é a definição de morto-vivo. A característica da sociedade atual é pautada pelas redes sociais. As pessoas conseguem conviver nas redes sociais, porém, não convida ninguém para um encontro presencial o que implicaria em se dispor ao outro e isto deve revelar o real sentimento do convívio. Preferem viver suas religiosidades em frente a tela dos computadores, televisão ou celular. Até mesmo o trabalho profissional tornou-se “home-office” em que não há qualquer risco em se relacionar com o colega de trabalho de forma fisicamente próxima. Quem nunca ouviu falar e até mesmo experimentou o namoro virtual? Prosseguindo mais profundamente, existem casais casados (não é redundância) que estão juntos no casamento, mas, moram em casas separadas.

Digo de antemão que nada tenho contra as facilidades da comunicação virtual. É possível conversar em vídeo com alguém olhando nos olhos do outro lado do oceano de forma remota. A comunicação tem este papel, com a intensidade do processo, trouxe mais responsabilidades com as palavras. Pior, fica tudo registrado. Muitos documentos nem precisam ser assinados. Existe a assinatura digital que é válida no campo jurídico. O mundo digital nada mais é que linhas de programação onde se consegue descobrir o início do processo de contato.

Toda esta estrutura mudou o nosso modo de ser. Continuamos sendo pessoas, mesmo com o advento do metaverso onde não existem pessoas imperfeitas e fora de moda. Todos são absolutamente iguais. Aparentemente pode até ser igual, mas, o que geralmente diferencia as pessoas umas das outras é a reação frente às situações. Quando alguém age para prejudicar alguém, esta pessoa tem a maldade enraizada no coração. Já, a reação é diferente, pois, é caracterizada por um gesto impetuoso.

O que tudo isto gera em nós? Depende. Cada dia deve ser diluído conforme a demanda emocional. Os cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato, paladar) são os únicos meios de captar as mensagens externas. Diria que são membros auxiliares do cérebro que rege e nos define o que somos. A bíblia define a nossa  mente (ou cérebro) como sendo a nossa alma. Mente e coração em alguns textos bíblicos se confundem, mas, são distintos conforme lemos em Provérbios 2:10: “Porquanto a sabedoria entrará no coração e o conhecimento será agradável a sua alma”. Tudo o que desejamos está no coração e tudo o que conhecemos está na mente. Existem dois textos que, de certa forma, esclarece esta composição. Primeiro vamos ao texto contido em Provérbios 16:01: “O coração do homem pode fazer planos, mas, a resposta certa vem do Senhor”. Está claro que a vontade vem e está no coração. Outro texto que fala sobre a alma ou conhecimento está em Filipenses 4:8: “...tudo o que é verdadeiro, tudo o que é venerável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude e se há algum louvor, seja isso o que ocupe a vossa mente”.

Diante deste contexto bíblico e do contexto social vigente, como reagir proativamente para diluir a gama emocional que nos domina e controla as nossas reações?

A princípio não pode se precipitar sumindo das redes sociais e abrir mão da convivência social mesmo que de forma virtual. O que se deve fazer é não tornar única esta forma de relacionamento e deixar dar as diretrizes do cotidiano. Tem práticas, por sinal boas e fundamentais que não mudam, por exemplo, dedicar tempo adequado para dormir bem. Um dia excelente sempre começa com uma excelente noite de sono. É uma “matemática” cujo resultado nunca dá errado. Lembre-se que zumbis não dormem. Outra prática simples e que precisa de dedicação exclusiva. Tomar banho sem a preocupação com a agenda. Dedique tempo ao seu banho. Por incrível que pareça, o banho não é somente para limpar a sujeira externa, mas, serve também para limpar o acúmulo de sujeira emocional. Zumbis também não tomam banho. Se ampliarmos estas práticas para o nosso contexto social, percebemos que existem pessoas que precisam exclusivamente do nosso tempo. Xiii! Eu acho que agora as coisas começam a ficar pesadas e as vontades do coração precisam ser equalizadas e aquilo que ocupa a nossa mente, talvez não exatamente desocupar o lugar, mas, precisa ser melhor distribuído. A sobrecarga nunca é algo saudável, pois, sempre desgasta as vontades, consequentemente perde-se a emoção em usufruir. Não existe zumbi que faça uma análise introspectiva para que suas práticas construam valores capazes de fazer diferença positiva no meio em que se vive e, principalmente, para as pessoas do seu convívio. Diluir o composto do nosso ser é a melhor forma de conviver consigo mesmo. Perder a capacidade cognitiva da vida é o caminho mais curto para a ansiedade que gera depressão. Tristeza, frustração, raiva, ódio e outros sentimentos nocivos à saúde até mesmo física, nada mais é que sobrecarga emocional. Isto precisa constantemente ser diluído. Lembre dos acumuladores, cujas casas tornaram-se inabitáveis. Os móveis e utensílios adquiridos para trazer conforto, foram sufocados pelos objetos acumulados e trouxe junto muita sujeira. Da mesma forma é o nosso interior, não devemos ser acumuladores de emoção que sufoque aquilo que adquirimos com muito carinho e nos define o que somos para nós mesmos e para os outros, principalmente os familiares e as pessoas próximas no nosso convívio.

Os zumbis não amam, não se emocionam e só espalham destruição e o vírus para que outros se tornem também zumbis. Zumbis não tem perfis em redes sociais. Por incrível que pareça, alguns comportamentos parecem de zumbis, mas, são de pessoas que reagem como zumbis. Utilize a capacidade de definir suas vontades do coração e de organizar o conhecimento contido na mente e tenha práticas que releve a si como alguém de valor e que tenha muito a oferecer ao próximo seja através das redes sociais ou presencial principalmente.