Venancio Junior
Quando ainda criança e se começa a
ter noção de que um dia vá crescer, surge esta grande pergunta geralmente feita
pelos ansiosos pais e avós. Amadurece-se e esta dúvida num novo formato continua
fazendo parte da consciência que está em fase de amadurecimento: O que ser
quando crescer? Faz-se planos, busca-se opções que facilite a caminhada rumo ao
objetivo que, muitas vezes, são mais desejos daqueles que nos quer muito bem.
Porém, muitas vezes não é exatamente o que se queira. Tem-se de considerar os
diversos fatores, muitos deles circunstanciais que mudam o plano original (caso
tenha) e o rumo.
Agora, quem nunca vislumbrou um mundo
onde tudo funciona e se encaixa conforme o planejado sem que tenha de empreender
muito esforço? Imagine uma família feliz onde todos são motivos de orgulho para
a sociedade? Imagine a igreja perfeita onde as pessoas realmente amam ao
próximo e se dedicam a elas? Imagine os pastores lembrando que o mais anônimo
membro/frequentador exista e quase semanalmente perguntam se está tudo bem?
Imagine o chefe ou os funcionários cumprindo com as suas obrigações sem que
precise ficar cobrando ou lembrando suas responsabilidades? Imagine as
realizações pessoais sendo vividas na íntegra? Já imaginou? Nesta conjuntura, seria,
como diria, perfeito, pois, além de pular várias etapas, é muito bom alcançar
logo os objetivos propostos e sonhados. Pois é, você tem razão naquilo que
pensou, este mundo não existe, pois, é apenas um sonho, uma verdadeira utopia. Mas,
conheço pessoas e famílias que, aparentemente tem um padrão “invejável” onde
tudo funcionou direitinho e ainda funciona. Não foi com pouco sacrifício, mas,
tudo aconteceu como eles desejaram e provavelmente planejaram.
Por outro lado, também conheço
pessoas e famílias em que aparentemente tudo deu errado, os sonhos se tornaram
pesadelos e com muito sacrifício conseguiram realizar muito pouco daquilo que
sonharam. Morreram e suas realizações pessoais, aquelas que estavam no íntimo
se desvaneceram. Em ambos os casos, trata-se apenas de uma visão periférica. Surge,
então, a pergunta. No primeiro caso, onde será que acertaram e no segundo caso,
onde será que erraram? Nem tudo o que acontece de ruim na vida é consequência
de decisões erradas ou um castigo. Na maioria das situações não se têm de ficar
buscando um motivo, se orgulhando de ter acertado ou se culpando pela suposta
decisão errada. Geralmente nunca se descobre os acertos e nem os erros e esta
busca pode gerar um desgaste emocional traumático. O mais surpreendente é que
estas pessoas no segundo caso, mesmo tendo uma vida equilibrada e
bem-intencionada, algumas áreas não foram muito bem-sucedidas. Porque tem de
ser assim? Porque para algumas pessoas as coisas funcionam praticamente tudo
como sonharam? E porque para outras simplesmente não funcionam e vivem uma vida
numa constante readaptação? Tim Maia já cantava que “...uns nascem pra chorar, enquanto o outro ri”.
Primeiro preciso definir quais são os
sonhos e ideais primordiais definidos. Vou destacar três tipos de pessoas. Os
altruístas têm o sonho de ser um super-herói que resolve o problema (dos outros)
com um só golpe. Os ambiciosos desejam ficar ricos quase como num passe de
mágica. Alguns poucos ponderados, logo conscientes das dificuldades que a vida
apresenta, procuram o caminho das conquistas no passo a passo vivendo um dia de
cada vez. De qualquer forma, todos têm sonhos e delineiam o melhor caminho em
busca de seus ideais de vida. Sonhar nada custa, mas, será que pelo menos a
maioria conquista os seus sonhos como nas propagandas que apresenta uma vida de
fáceis conquistas? Seus ideais basicamente giram em torno dos três pilares para
uma vida bem-sucedida que é a saúde, vida profissional e relacionamento seja
familiar ou a dois. O que vir a mais tem um fluxo transitório.
Todo este papo de sonhos e porquês me
faz lembrar do grande poeta Janires. A maioria, talvez não conheça. Ele é o
autor da música Baião. Em suas letras
ele revelava os seus sonhos e nada tinha a ver com a vida terrena. O sonho de
Janires era com o Reino de Deus. Percebia-se nas suas letras poéticas. Todo o
seu foco era o que vinha depois da morte que, para ele, ainda não era o fim. Em
algumas letras ele revelava sua frustração com a vida e lutou muito, apesar da
morte precoce, para mudar a triste realidade de muita gente. Janires não tinha os
seus porquês na vida. O foco dele sempre teve uma direção certa e o seu
trabalho alcançou e mudou a vida de milhares de pessoas. Afinal, quem foi
Janires? Janires foi um dos maiores poetas que surgiu na música cristã
brasileira, infelizmente, morto precocemente na década de 80 num acidente de
ônibus quando foi ao Rio de Janeiro buscar um teclado para um dos encontros da
MPC (Mocidade para Cristo) em Belo Horizonte. Ele foi o fundador e líder de uma
das bandas que revolucionaram a música cristã brasileira, o Rebanhão, que
trouxe em suas letras um linguajar irreverente para os padrões da música cristã
na época. O primeiro trabalho foi lançado em 1981, Mais doce que o mel com muito rock, funk, baião e chorinho. O Rebanhão
foi muito criticado, a começar pelo nome que alguns julgavam um “deboche” da
igreja dos escolhidos. Chegaram a dizer que, em suas músicas ouvindo ao
contrário, tinha mensagem subliminar do demônio. Em 1983, ainda sob muitas
críticas, o Rebanhão lança seu segundo trabalho Luz do Mundo e que ratificou a irreverência desta banda e
especificamente a música Hoje sou feliz fala sobre o sonho de criança que,
quando adulto não se realizou. Veja trecho da letra:
Quando criança
sonhei
Ser Flash-Gordon,
Super Homem, Robin Hood
Ou até um rei dos
contos de fada
Quis ser ídolo num
grupo de Rock
Ou mocinho num
filme de cowboy
Como doeu!
Ensinaram-me a
sonhar
Mas deserdaram
quando um dia acordei
E descobri que
moro num país
Na América do Sul
Cheio de
super-homens voando e bebendo
De boteco em
boteco
Que os ídolos
seduzem as meninas
E os mocinhos e
bandidos se matando nas esquinas
Ah, como dói!
Em saber que não é
sonho de criança
O que vai pelo
país
Janires fazia suas críticas sociais
(muito ausente na música cristã atual) e esta realidade ainda é um verdadeiro
pesadelo presente em nossos dias. O que as pessoas querem ser quando crescerem?
Um ídolo que seduz as meninas ou um “super-homem”
que vive bebendo de boteco em boteco? Mudando a perspectiva da pergunta: O que as pessoas querem ser para os outros
quando crescerem? Alguém que traz alegria ou alguém que traz tristeza para
as pessoas próximas? Será que o que se sonha e se torna é fruto daquilo que se
constrói ao longo da vida e faz parte de um ideal? Numa situação de frustração,
provavelmente as circunstâncias não foram muito favoráveis e perdeu-se o
controle dos sonhos.
Na vida não tem como sobreviver sem
se relacionar com pessoas. Tenho certeza que se relacionar é a maior
dificuldade encontrada e que, muitas vezes, algumas pessoas nem estavam no
planejamento pessoal. Vivemos para ser feliz e amar as pessoas. Sem o
relacionamento é praticamente impossível concretizar este sonho. O problema é
que as únicas características do relacionamento é dar e receber. Não tem outra
coisa, como o próprio nome já diz, é relação, dois lados que se juntam. Muitas
pessoas não têm esta disposição e só querem receber e se tornam um verdadeiro
pesadelo no relacionamento. Quanto mais próximo, mais risco se corre em se
frustrar e, porque não, frustrar outros? O relacionamento conjugal é o que
sofre mais, pois, é suscetível a diversos atritos. Alguns preferem se
distanciar ou se isolar, cancelar as pessoas enquanto outros, como dizem, “chutam o balde” e vão morar no meio do
mato. Meu pai sempre falava que gostaria de viver no meio do mato sem cortar o
cabelo e sem fazer a barba. É uma maneira rústica de se livrar das rotinas e
dos compromissos que escravizam e também dos relacionamentos tóxicos. A rotina,
muitas vezes cansa. Os necessários compromissos também cansam. Até mesmo as
pessoas muitas vezes cansam e se cansam uma das outras. Acredite, cansamos
também de nós mesmos. De repente, quase nada daquilo que se vive fez parte dos
sonhos de outrora. Onde estão os sonhos de realizações profissionais, e as
alegrias que só se vê nas redes sociais e o parceiro (a) conjugal dos contos de
fadas? E porque não dizer sobre a igreja dos sonhos que tanto desejamos? Em
qual parte do caminho que se perdeu o rumo? Às vezes não se percebe que o
caminho que se percorre tem atalhos à deriva. Talvez o caminho óbvio estivesse
intransitável e preferiu o caminho mais curto e de melhor aparência, porém, o
destino era trágico ou uma incógnita.
Espere um pouco. Nem tudo está
perdido. Apesar de no contexto atual não ter muito daquilo que se sonhou ou
almejou, não se pode jogar tudo fora como se nada ou alguém tivesse o seu
valor. Mesmo não sendo aquilo que desejou, é preciso descobrir o valor de cada
personagem neste inescrutável cenário.
Certo, no relacionamento não é a
pessoa dos seus sonhos, também não é o trabalho que tanto desejava, afinal, a
formação profissional é outra, também não é o tipo de pessoas que escolheu como
amigos e a igreja também não é o tipo que atenda às suas expectativas. Diante
de tantas indagações, faltou só uma coisinha, muitas vezes esquece-se de
refletir sobre si mesmo. Será que não percebeu que nem mesmo veio a se tornar a
pessoa que desejava que fosse? Faz toda a diferença se o esforço agora se
concentrar em (re)tornar-se a pessoa que sempre sonhou. A sugestão é esta
mesma, retornar pelo mesmo caminho e procurar os objetos perdidos é uma forma
de se reencontrar. Muitas vezes o caminho não está errado e também não é uma
questão de encontrar culpados, acertos e erros, mas, de mudar a postura em
relação ao inevitável. Também não acredito em premeditação quando o formato e
os acontecimentos já estão definidos na vida de cada um. A vida simplesmente
acontece e algumas coisas consegue-se controlar e atingir o objetivo. Todos
absolutamente estão sujeitos aos acontecimentos da vida. Para uns acontece e
para outros não acontece. O que acontece? Depende da perspectiva. Sempre
devemos ter em mente de que se doar nunca deve ter um condicionador de que se
deva receber. Reconheço que, muitas vezes, seja muito difícil viver a realidade
desafiadora de cada dia. Antes de desenvolver qualquer pressentimento, é
importante ter em mente de que não se deve medir esforços para se manter a
integridade em todos os aspectos. Perde-se tudo, mas, não perde a essência da
pessoa que se é. Não gosto de trazer o exemplo de Jó porque não suportaríamos
tanto sofrimento. Sempre que lembro de Jó, clamo a Deus por misericórdia. Vejo
muitos animados pregadores afirmarem para que se tenha a mesma fé que Jó teve.
Eu afirmo que é melhor não mexer com vespeiro e nem tentar ao Senhor Deus. O
próprio Jesus afirmou a satanás para que Deus não seja tentado (Mateus 4:7).
Significa que, numa imprudência, não devemos forçar Deus para que nos proteja e
nem nos abençoe na nossa conveniência. Enfim, Jó perdeu literalmente quase
tudo, bens, família e saúde, mas, não perdeu a sua integridade diante de Deus
que permitiu que aquilo acontecesse com ele. Se refletirmos sobre a vida de Jó,
temos certeza de que ele teve os seus sonhos e desejos e conseguiu tudo o que
fazia parte daquilo que ele próprio idealizou para ter uma vida segura,
confortável e feliz com a família. Perdeu tudo, mas, continuou no mesmo caminho
e reconquistou pela graça de Deus até mais do que tinha antes.
Diante dos reveses da vida, nunca devemos cessar os nossos sonhos, mas, paralelo a isto, manter a integridade perante Deus e as pessoas com quem convivemos e nos dedicar a Deus e a estas pessoas. Mesmo não tendo o reconhecimento esperado, eleva a nossa dignidade a um patamar de excelência. No fim, este é o único sonho considerado, o resto, a traça consome, a ferrugem desgasta e o ladrão rouba (Mateus 6:19).
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