sexta-feira, 12 de novembro de 2021

UMA SOCIEDADE QUE RESPIRA POR APARELHOS

Venancio Junior

            “Não é bom que o homem esteja só”

Deus quando tomou esta decisão estava se referindo ao sexo masculino e a raça humana concomitantemente. Sendo Deus onisciente, então, de pronto já percebeu as agruras emocionais que estariam por vir. A composição do ser humano basicamente é espírito, alma e corpo. O espírito é o fôlego de vida, a alma é a consciência, enquanto o corpo é o repositório físico que compõe a criação da existência.

De antemão já digo que não era para ser assim como vivemos atualmente. Para não ser repetitivo, em diversas reflexões afirmo que após a queda do ser humano, o mundo sofreu uma desconfiguração do estado original da criação. Como era para ser então?

Não tem como imaginar um mundo diferente do nosso. Geralmente sonhamos com um mundo sem carros, sem prédios, natureza preservada e abundante e todas as pessoas felizes sem fome, sem dívidas, sem traumas conjugais e sociais. Será que neste contexto seríamos felizes? No caso, o que é felicidade? Será que ela se “aloja” no espírito ou na alma? Será que a alma sorri ou somente o espírito? Independentemente se conseguimos decifrar este sentimento, qualquer atitude revela a incessante busca por prazer que gera felicidade. Desde o “princípio das dores” esta busca tornou-se o motopropulsor para alçar voos, muitas vezes nunca alcançados. Infelizmente é a realidade de muitas pessoas. Mesmo assim as pessoas não desistem de serem felizes. Por incrível que pareça, até os suicidas buscam a felicidade, julgando que do outro lado no pós morte exista um lugar feliz. A fuga da tristeza é uma questão mais de morte do que de vida que, neste caso, se tornou secundária. Chega-se a conclusão de que a ausência de tristeza seria a alegria a ser conquistada. Numa condição onde se está imerso num lamaçal emocional, a felicidade ou alegria é apenas um detalhe porque estar vazio denotando uma virtual “neutralidade” é uma condição muito atraente.

Sabemos que a sociedade busca ser feliz, não importando como vai conquistar esta felicidade. Desde os tempos remotos em que já se buscava a felicidade, o desejo é o mesmo, a emoção da conquista ou da esperança é a mesma, também a tristeza não mudou, nunca deixou de ser a indesejada. A alegria também não mudou, sempre esteve com a energia adequada para ocasiões especiais e felizes. O que mudou e tem mudado e a cada dia mais rápido são os recursos para fazer as pessoas felizes. O consumo de bens sempre foi uma incógnita na questão da eficácia no processo de busca da felicidade. Parece que aquilo que adquirimos é grandes vazios, quanto mais acumulamos, mais vazios nos tornamos. Mesmo as pessoas bem-sucedidas não podem afirmar com convicção de que são plenamente felizes. Parece que sempre está faltando algo. Investem tempo e dinheiro em conforto e atualmente, mais do que nunca, adquirem aparelhos com avançada tecnologia que os mantém felizes!? Ou apenas estão distraídos e assim esquecem-se das suas inconstâncias?

Qual a fórmula que trará justiça e paz para a sociedade? A fórmula eu não sei, pois, quando se fala em convivência, a situação não é tão simples quanto se deveria. Imagine uma sociedade essencialmente plural? Os choques culturais, as personalidades em conflito e tantos outros encontros inevitáveis, porém, necessários. Tem pessoas que não conseguem conviver consigo mesmas. Antes era muito mais difícil conviver com diferentes pessoas porque o reduto social era local como na família, trabalho, igreja ou clube. A distância não permitia avançar as fronteiras visíveis. Diria que era menos difícil conviver e mais fácil resolver as rusgas no relacionamento porque se vivia muito próximos. Também não exigíamos tanto de nós mesmos porque tínhamos uma vida mais básica e simples.

Enfim, chegamos ao mundo digital. Pulei algumas etapas desta era revolucionária porque foram relativamente rápidas e agora o que é muito mais rápido é a informação e o consumo delas que é a sua razão de ser. Funciona como um ciclo vicioso. Não posso dizer o que seja mais rápido. A informação chega e simultaneamente consumimos. O nosso círculo social agora ultrapassa as fronteiras internacionais. Temos muito mais amigos agora do que nunca em toda a vida antes da era digital. Absorvemos tanta informação que não há mais necessidade de filtro. É menos trabalhoso aceitar que tudo seja verdade porque, enquanto se busca a veracidade da informação outros milhares já chegaram às suas redes sociais. As informações são como um rolo compressor que abre caminho para que as outras também cheguem ao destino certo que é a sua rede social. É tanta informação que não conseguimos mais respirar sem os aparelhos de celular ou de streaming de filmes e música e os computadores. Duvido que alguém faça dieta de redes sociais ou de celulares? Será que conseguirá respirar sozinho sem os aparelhos? O mundo evoluiu tanto no sentido de proporcionar facilidades as pessoas que, de tão dependentes, não sabemos mais o que vem a ser “respirar sozinho”. Pelo que vivenciamos, o problema é muito mais grave do que se imagina. O problema não é os aparelhos em si que bem utilizados facilitam muito a vida, mas, como se relaciona com eles. Atualmente, para muitos, criou-se uma excessiva dependência quase irreversível. Os absurdos acontecem todos os dias o que tem afetado a vida emocional das pessoas tornando-as escravas destes aparelhos, principalmente o celular. Dá-se a entender que não se consegue respirar caso fique um tempo sem checar as "novidades". Curtimos as práticas de bem-estar e de relacionamento saudáveis publicadas, mas, não transferimos este sentimento das redes para a vida real, com exceção do ódio que se intensifica a cada dia tanto nas redes sociais como também na vida real. É a típica banalização da vida que chegou-se no limite preocupante e algo precisa ser feito.

Reconheço que é difícil (re)adotar as velhas práticas da desaceleração no final do dia. Sentar a mesa para a refeição, ler a bíblia e meditar sozinho ou em família, ouvir aquelas músicas preferidas sem pressa, praticar esporte ou fazer uma simples caminhada, readquirir o essencial hábito da leitura ou simplesmente ter aquele momento de nada a fazer, um tempo exclusivo para chamar de teu. Somente estas práticas já preencheriam todo o tempo que se dispõe e não teria tempo pr’uma “zapeada”.

Os recursos tecnológicos vieram para nos servir e não ser os “nossos deuses”. Reconheço a facilidade que a tecnologia e os aparelhos se tornaram essenciais no campo profissional e social. Mesmo que a pessoa querida esteja longe e a conversa só aconteça através de videochamada, os aparelhos nunca substituirão o abraço porque não tem calor humano. Só é possível viver a vida real por dentro respirando a vida aqui fora.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

GEOPROCESSANDO DEUS

Venancio Junior

Sou um profissional de Geoprocessamento. Para quem não sabe, grosso modo, é captar, tratar e disponibilizar informações alfanuméricas para os seus devidos fins.

Mas, o mundo não nasceu digital e tudo era bem mais complicado. No começo de tudo, em 1988, era tudo na prancheta sendo um profissional de desenho técnico e toda as informações ainda eram disponibilizadas no papel. Uma época difícil que exigia deslocamento físico para conseguir informações simples. Quem conhecia os arquivos não precisava mais que alguns minutos para obter e quem não conhecia ficava muito tempo para conseguir a informação. Com o advento do mundo digital, praticamente tudo começou a mudar para melhor principalmente no relacionamento de dados. Alguns desavisados afirmavam que agora qualquer um poderia desenvolver os trabalhos que somente os especialistas conseguiam. O tempo foi a melhor resposta e os especialistas (mais do que nunca) conseguiam desenvolver o trabalho e avançar na busca de novas soluções. Enquanto isto, os ainda desavisados ficaram para trás e se mantiveram na ignorância.

Sou do tipo que mantenho os pés e as mãos no presente e a mente no futuro. Em 1999 Deus concedeu-me a oportunidade em conhecer e ter o primeiro contato com esta estrutura revolucionária do geoprocessamento. Nesta época, este processo ainda engatinhava, além dos recursos serem bem escassos, o conceito ainda era indefinido com pouca caminhada e muito trecho a percorrer. Diante deste horizonte promissor, logo no início de 2000 fiz o meu primeiro curso de especialização em geoprocessamento e assim começava uma grande e excitante jornada. Obviamente que me iludi julgando que as pessoas aceitariam esta inovação se prontificando, dispostos a colaborar e somar esforços para que se construísse uma estrutura que favoreceria a todos. Para enfrentar estes desafios e superar as dificuldades que, na maioria das vezes surgia no próprio contexto de trabalho, optei em mudar a perspectiva sem que precisasse mudar o cenário e nem os personagens. Empunhei a bandeira da eficiência desenvolvendo ideias e gerando soluções, pois, os recursos e o apoio eram limitados. Consciente de que o mundo digital é muito cruel, se algo não funciona, é logo descartado, cai no desuso e em pouco tempo ninguém mais vai se lembrar, expus que todo o trabalho tem de ter como referência a estrutura do projeto e não as pessoas que mudam sem comprometimento do trabalho que está sendo desenvolvido. Diante deste cenário, fiz o que precisava que resultasse em praticidade no acesso as informações. Lembro que o geoprocessamento tem a função de centralizar este acesso independentemente do número de pessoas ou do software utilizado. Diria que é um processo de multiusuário e multiplataforma utilizando e acessando respectivamente a mesma base de dados.

Todo profissional busca a sua realização pessoal e se esforça para atingir este objetivo. Atualmente, considerando as conquistas e os benefícios oriundos, julgo-me como um profissional bem-sucedido. Não financeiramente (nada a reclamar), mas, tecnicamente. Não tenho conhecimento profundo em geografia e nem em tecnologia da informação que são os pilares deste processo. Meu conhecimento se limita a disponibilização de informações ao acesso público, ora coletadas, criando caminhos sem percalços. Tudo isto é fruto de iniciativa própria ou experiências na relação com colegas de trabalho.

Exatamente neste ponto do relacionamento que quero discorrer esta reflexão. Em qualquer relação, seja profissional ou pessoal, há crescimento mesmo que tenha desgaste ou atritos, de certa forma, inevitáveis porque faz parte do processo. O importante é como reagimos a estas contrariedades que é onde acontece o crescimento ou não. Mas, o que Deus tem a ver com tudo isto? Tudo a ver e vamos utilizar esta metáfora bastante interessante. Reafirmo que a relação com Deus acontece quase a mesma coisa. Tem atritos, incompatibilidade de gênios, desgaste e tudo o que uma boa relação possui. Nossa relação com Deus como discípulo é como um geoprocessamento que é um processo para identificar/coletar as informações trituradas da nossa vida pregressa de pecado, tratar da forma adequada e disponibilizar a nossa vida no relacionamento com outras pessoas. Somos multiplataforma com as nossas diferenças que são preservadas e o contexto cultural e social muito diferentes em que fomos criados. Para Deus, isto é indiferente, pois, o importante é convergir estas multilateralidades a Deus. Desta forma, seremos, de fato, discípulos e quem está pessoalmente empenhado neste processo é o Espírito Santo que capta, trata e disponibiliza a nossa vida para servir a Deus ressignificando integralmente a nossa vida.

Vamos considerar Deus (como se dependesse de nós qualquer consideração sobre Ele) a causa central da existência. Deus quando se manifestou, se tornou “perceptível” através do teu Santo Espírito. Desta forma, também se tornou accessível. As pessoas poderiam se chegar a Deus, conversar com Deus e se relacionar com Deus. A princípio, só existia uma forma de se chegar a Deus através dos seus signatários sacerdotes Abraão, Moisés, Josué e tantos outros escolhidos pelo próprio Deus para passar a informação do Reino porque ainda não existia a bíblia, sequer existia papel. Continuando esta metáfora, podemos identificar as pessoas como os multiusuários e a multiplataforma sendo a individualidade de cada um. Dentro desta lógica, percebe-se que não importa quem falou sobre Deus e nem onde isto aconteceu. O que importa é chegar-se a Deus que é o propósito principal. As informações que temos sobre Deus estão contidas na palavra revelada que é a bíblia. Estas informações não devem ser absorvidas de qualquer jeito sem critério de avaliação e consciência. É preciso acuidade na leitura. O próprio Deus nos orienta para ler e meditar. Isto significa que captamos o evangelho, tratamos o evangelho lendo e meditando e disponibilizamos o que aprendemos para outros como forma de cumprir o Ide de Jesus para que outros também participe deste processo.

Vivemos num mundo religiosamente confuso. A decrescência nos fundamentos da espiritualidade genuína é um desafio que nos bate à porta diariamente. Somos por natureza místicos e buscamos a qualquer custo e de qualquer forma nos aproximar de Deus. Como dizem, “não importa a sua religião, o importante é crer em Deus”. Será que funciona desta forma? Se o objetivo é a busca de Deus, então, tem processo certo e não a religião certa. Aliás, nenhuma religião nos leva a Deus. A religião criada pelo ser humano é apenas uma conveniência causada pela extrema necessidade em ter um suporte consciente e palpável e a religião vêm ocupando este espaço a milênios. No começo da vida que conhecemos, não existia religião formal. O que sempre existiu é o processo para se chegar a Deus. Geoprocessamento, óbvio, é um processo utilizado em multiplataforma e por multiusuários. O processo na relação com Deus é similar. Não importa qual a plataforma emocional no seu contexto atual de consternação ou de dúvidas sobre a vida. O possível de Deus é para cada pessoa e a sua graça é para nos beneficiar com a salvação e a superabundante graça nos mantem firmes no amor primordial de Deus. O propósito da graça é destinado aos multiusuários. O que dificulta muito a relação com Deus é que o conhecemos através de meios ilícitos e inadequados. Já expus numa reflexão anterior que as pessoas têm sede espiritual e buscam saciar esta sede em fontes inóspitas.

Qual é o verdadeiro caminho? Qual a verdade sobre Deus? Quem é capaz de trazer informações confiáveis e que não agridem o meu jeito de ser e nem o contexto cultural a que pertenço? São questionamentos difíceis, porém, solúveis na perspectiva bíblica. Mas, a bíblia não é o livro dos “crentes evangélicos”? A proposta inicial desta reflexão é dirimir as dúvidas e diluir o peso da insegurança que todos possuem, inclusive os ateus. Talvez, muitos ateístas o sejam pela dificuldade em absorver as informações acumuladas. Como explicar Deus usando palavras? Ninguém conseguiu explicar Deus, pois, não se trata de uma relação ambígua quando se dispõe do produto e do manual. Confiar em Deus é, primeiramente, desarmar-se dos conceitos humanos e se dispor a aceitar o sobrenatural como algo perceptível. O foco deve estar em Deus e não no ser humano e muito menos na religião. Deus não criou qualquer religião. Deus enviou seu filho Jesus Cristo como o único caminho para se chegar a Deus. Durante todo o processo empreendido por Jesus na terra, os seus maiores inimigos estavam na religião. A religião é inimiga de Deus. Em absoluto não quero “demonizar” as igrejas ou qualquer instituição religiosa. O que relevo a importância na espiritualidade é a relação com Deus independentemente do contexto religioso. Cada organização que se apresenta como religiosa é meramente conveniente no atendimento cultural e social ao contexto a que ela pertence. Porém, se a mensagem vem de Deus, então, os frutos irão revelar se esta instituição está no processo de depuração espiritual. Se a mensagem que fala de Deus não for condizente com o evangelho que O apresentou ao ser humano, então, deve-se questionar, como já disse, e ser diluído pelo evangelho que é o filtro que extrai a água da vida.

A finalidade de qualquer processo no contexto espiritual não é ratificar a religião, mas, é beneficiar as pessoas e tudo o que a envolve. Seja parte deste processo de transformação de vidas com atitudes que revelem a verdadeira religião no amparo às pessoas necessitadas e se manter fora da corrupção generalizada. Esta corrupção é ampla e profunda que atinge diretamente os princípios do evangelho e precisamos a cada dia e a todo momento renunciar a oferta de valores que a sociedade tenta nos impingir.

cps novembro de 2021