Venancio Junior
De
cara já derrubo qualquer definição que espalham por aí de que seja possível
viver um relacionamento com liberdade e sem a entrega. Não é possível. A partir do
momento que se decidiu conviver com alguém o óbvio é que haja uma entrega, não importando
se é em maior ou menor grau. Alguma coisa de si terá de ser doada para o
parceiro ou parceira. Quanto mais tempo de convivência, mais intimidade, mais
envolvimento e mais entrega. A melhor forma de se relacionar é na teoria e a
pior é na prática. Tem aquelas pessoas que não conseguem se relacionar consigo
mesma, imagine quando alguém “invade” a sua privacidade?
A
partir do momento que houve a entrega, será que a pessoa que recebeu um
“pedaço” de você fará bom proveito? Será que você fará bom proveito do pedaço
que lhe foi dado? O sentido de dar, neste caso, não é uma transferência de
propriedade. É usufruir e descobrir o melhor da pessoa.
Relacionamento
é a melhor e, talvez a única forma de crescimento como pessoa. Digo isto porque
envolve mais dedicação ao próximo do que qualquer outra postura no compromisso
com o semelhante. Não existe vida social e não existe família sem o processo do
relacionamento. Na religião, não existe igreja sem o relacionamento porque a
estrutura de formação é ajuntamento e comunhão.
Existem
três tipos de relacionamento, sólido, líquido e ácido. Este último, inclui
porque percebi que, contrariamente aos dois primeiros, existe um tipo de
relacionamento em que a pessoa está envolvida por obrigação com alguém por
motivos que fugiram das circunstâncias normais. Os três tipos são aplicados em
todos os níveis de relacionamento, seja social, conjugal ou profissional.
O
relacionamento sólido é aquele que tem raiz e mesmo diante de dificuldades, se
mantêm intacto com objetivos de construir valores para continuar juntos. As
pessoas envolvidas têm o mesmo objetivo e isto facilita consideravelmente a
relação. Apesar da pulverização do conceito de relacionamento, ainda existem
casais, amigos e familiares que se amam. Porém, tudo tem o seu limite, mesmo o
relacionamento sendo sólido, não se deve deixar que o coração seja absoluto nas
decisões onde mais apanha do que bate. Por outro lado, a razão é necessária
para dar equilíbrio e força na construção do relacionamento. Razão e coração
devem caminhar juntos e serem parceiros na alegria e na dor.
No
relacionamento líquido, há meramente um compromisso, porém, sem se aprofundar não
formando raiz. Geralmente a motivação é por algum interesse conveniente. Durante
o tempo que permanecem juntos não se aprofundam e permanecem apenas na
superfície e se dilui por falta de envolvimento. Este tipo de relacionamento em
que não há envolvimento e nem consta na agenda qualquer movimento neste sentido,
geralmente é movido por interesses que não visam construir pilares na relação,
pois, o objetivo é apenas extrair da pessoa aquilo que lhe satisfaz, nada mais
que isto. Muitas pessoas se tornam apenas úteis, inclusive, nos relacionamentos
conjugais que, infelizmente, estão se tornando líquidos e quem sofre são os
filhos e a sociedade. A esposa é útil porque cuida da casa. O esposo é útil
porque paga as contas. Pelo menos antigamente funcionava desta forma. Este tipo
de relacionamento mudou muito. A mulher tem adquirido com muito esforço e
mérito o seu espaço de vanguarda na sociedade. Tem um outro ponto que, por
incrível que pareça, também sofreu mudanças significativas, o ato conjugal no
sexo. Alguns casais não eram criativos e se mantinham tradicionalmente em que o
homem é ativo e a mulher passiva apenas para procriação. Com esta mudança de
paradigma, nem tudo está perdido, ambos agora são, no mínimo, úteis um ao outro
porque se descobriram no sexo.
O
relacionamento ácido é o pior de todos. Muitos preferem o termo tóxico quando sufoca. Optei pelo termo ácido por causa da corrosão numa condição em que a permanência dentro do relacionamento persiste. Por algum motivo há a obrigação em se
manter na relação. Alguns exemplos, no trabalho quando o superior tem um
comportamento em se impor à revelia do que seja adequado ao trabalho ou o
ambiente é muito carregado pelo mau humor e reclamações, a falta de
reconhecimento profissional e a instabilidade no trabalho tornam o
relacionamento profissional muito ácido, porém, precisa se manter porque o
trabalho é fundamental para o sustento. Na vida social, um vizinho ou um
familiar que não coaduna com o tipo de pessoa e que sempre está provocando e
qualquer reação comprometeria outros fatores importantes nos contextos da
moradia e da família. A polarização política foi o principal motivo de muitos
relacionamentos se tornarem ácidos e revelou a acidez de algumas pessoas. Estas
pessoas que brigaram pelas redes sociais e nos encontros familiares ainda mantêm
o contato, mas, o desgaste é inevitável e não há qualquer perspectiva de uma reconsideração
de ambas as partes. Muitos casais, amigos e até familiares cortaram o
relacionamento porque se tornou ácido. Optaram em se distanciar a utilizar o
bom senso em manter o relacionamento. Quando isto é possível, resolve o
problema em não se desgastar emocionalmente que é o que mais sofre.
Outro
grande problema no relacionamento ácido que, além da obrigatoriedade no
compromisso, foram construídos pilares para que o relacionamento forçosamente
se mantenha e a projeção no horizonte está fora de controle. Quem nunca ouviu
falar que muitas pessoas, sem saber, dormem com o próprio “inimigo”. O pior
deste nível é a confiança depositada o que, nesta condição, espera-se algo em
troca. Como já afirmei noutra reflexão, relação é contato, mas, jamais deve ser
a nível de agressão física. Nos últimos anos, temos visto nos relacionamentos que
se tornaram ácidos muitos feminicídios. Contrariamente ao que se imagina,
existe também o “masculinicídio” quando a mulher tem o objetivo de eliminar
fisicamente o parceiro. O número é relativamente bem menor porque culturalmente
o homem se julga o dominador. É diferente quando acontece por defesa pessoal em
que a mulher estava sendo ameaçada. Em todo caso, estes absurdos extremos
acontecem porque a relação se tornou ácida. É um termo figurado porque o ácido
corrói quando em contato com qualquer superfície. Não existe matéria que resista ao
ácido. É um termo apropriado porque relação é contato e não há resistência
quando uma das partes perdeu o foco da construção do bom senso que é um dos pilares de sustentação do relacionamento.
Infelizmente,
há relacionamentos em que não se enxerga uma solução para diluir o ácido.
Existem muitas pessoas que vivem ou sobrevivem dentro de um relacionamento em
que o casal perdeu a sintonia e a sincronia. O motivo em se manter dentro do
relacionamento não é mais por amor e o carinho ao outro não faz parte das
atitudes de afeto. Isto vale para a amizade também. No caso conjugal, alguns
fatores devem ser considerados. Tem relacionamentos que se perdeu a conexão e
não estão mais em sintonia. Conexão e sintonia mesmo similares, são coisas
diferentes. Para que haja sintonia é preciso ter a conexão. Enquanto sem a
sintonia, a conexão perde a razão de ser. Wi-fi é uma conexão que viabiliza a
sintonia com as redes socais. Mesmo não sintonizando o conteúdo digital, isto
não significa que esteja sem conexão. No relacionamento, o ambiente é a
conexão. O propósito é a sintonia. É possível sobreviver num relacionamento
ácido porque ainda compartilham o mesmo ambiente, porém, estão fora de sintonia
nos objetivos. Resolver esta questão é uma decisão muito pessoal. Cada pessoa
deve considerar os ganhos e perdas. Ninguém merece viver uma vida onde as frustrações
sejam incessantes. Cada pessoa tem o direito de ser bem-sucedido nas esferas da
vida que o envolve. Por isto que falei sobre a razão e o coração, um dando
suporte ao outro. Tem situações que, numa eventual e momentânea crise, o
coração precisa se antecipar e realinhar o relacionamento. A razão deve entrar
em campo quando a situação se tornou insustentável e não se consegue encontrar
um denominador comum para que a sintonia seja restabelecida. O desgaste é o
pior fator a ser considerado e deve ser interrompido imediatamente ao ocorrido.
Feridas estão abertas e as chances no processo de cicatrização serão bem
maiores quando se corta o mal pela raiz.