terça-feira, 23 de abril de 2024

RELACIONAMENTOS ÁCIDOS

Venancio Junior

De cara já derrubo qualquer definição que espalham por aí de que seja possível viver um relacionamento com liberdade e sem a entrega. Não é possível. A partir do momento que se decidiu conviver com alguém o óbvio é que haja uma entrega, não importando se é em maior ou menor grau. Alguma coisa de si terá de ser doada para o parceiro ou parceira. Quanto mais tempo de convivência, mais intimidade, mais envolvimento e mais entrega. A melhor forma de se relacionar é na teoria e a pior é na prática. Tem aquelas pessoas que não conseguem se relacionar consigo mesma, imagine quando alguém “invade” a sua privacidade?

A partir do momento que houve a entrega, será que a pessoa que recebeu um “pedaço” de você fará bom proveito? Será que você fará bom proveito do pedaço que lhe foi dado? O sentido de dar, neste caso, não é uma transferência de propriedade. É usufruir e descobrir o melhor da pessoa.

Relacionamento é a melhor e, talvez a única forma de crescimento como pessoa. Digo isto porque envolve mais dedicação ao próximo do que qualquer outra postura no compromisso com o semelhante. Não existe vida social e não existe família sem o processo do relacionamento. Na religião, não existe igreja sem o relacionamento porque a estrutura de formação é ajuntamento e comunhão.

Existem três tipos de relacionamento, sólido, líquido e ácido. Este último, inclui porque percebi que, contrariamente aos dois primeiros, existe um tipo de relacionamento em que a pessoa está envolvida por obrigação com alguém por motivos que fugiram das circunstâncias normais. Os três tipos são aplicados em todos os níveis de relacionamento, seja social, conjugal ou profissional.

O relacionamento sólido é aquele que tem raiz e mesmo diante de dificuldades, se mantêm intacto com objetivos de construir valores para continuar juntos. As pessoas envolvidas têm o mesmo objetivo e isto facilita consideravelmente a relação. Apesar da pulverização do conceito de relacionamento, ainda existem casais, amigos e familiares que se amam. Porém, tudo tem o seu limite, mesmo o relacionamento sendo sólido, não se deve deixar que o coração seja absoluto nas decisões onde mais apanha do que bate. Por outro lado, a razão é necessária para dar equilíbrio e força na construção do relacionamento. Razão e coração devem caminhar juntos e serem parceiros na alegria e na dor.

No relacionamento líquido, há meramente um compromisso, porém, sem se aprofundar não formando raiz. Geralmente a motivação é por algum interesse conveniente. Durante o tempo que permanecem juntos não se aprofundam e permanecem apenas na superfície e se dilui por falta de envolvimento. Este tipo de relacionamento em que não há envolvimento e nem consta na agenda qualquer movimento neste sentido, geralmente é movido por interesses que não visam construir pilares na relação, pois, o objetivo é apenas extrair da pessoa aquilo que lhe satisfaz, nada mais que isto. Muitas pessoas se tornam apenas úteis, inclusive, nos relacionamentos conjugais que, infelizmente, estão se tornando líquidos e quem sofre são os filhos e a sociedade. A esposa é útil porque cuida da casa. O esposo é útil porque paga as contas. Pelo menos antigamente funcionava desta forma. Este tipo de relacionamento mudou muito. A mulher tem adquirido com muito esforço e mérito o seu espaço de vanguarda na sociedade. Tem um outro ponto que, por incrível que pareça, também sofreu mudanças significativas, o ato conjugal no sexo. Alguns casais não eram criativos e se mantinham tradicionalmente em que o homem é ativo e a mulher passiva apenas para procriação. Com esta mudança de paradigma, nem tudo está perdido, ambos agora são, no mínimo, úteis um ao outro porque se descobriram no sexo.

O relacionamento ácido é o pior de todos. Muitos preferem o termo tóxico quando sufoca. Optei pelo termo ácido por causa da corrosão numa condição em que a permanência dentro do relacionamento persiste. Por algum motivo há a obrigação em se manter na relação. Alguns exemplos, no trabalho quando o superior tem um comportamento em se impor à revelia do que seja adequado ao trabalho ou o ambiente é muito carregado pelo mau humor e reclamações, a falta de reconhecimento profissional e a instabilidade no trabalho tornam o relacionamento profissional muito ácido, porém, precisa se manter porque o trabalho é fundamental para o sustento. Na vida social, um vizinho ou um familiar que não coaduna com o tipo de pessoa e que sempre está provocando e qualquer reação comprometeria outros fatores importantes nos contextos da moradia e da família. A polarização política foi o principal motivo de muitos relacionamentos se tornarem ácidos e revelou a acidez de algumas pessoas. Estas pessoas que brigaram pelas redes sociais e nos encontros familiares ainda mantêm o contato, mas, o desgaste é inevitável e não há qualquer perspectiva de uma reconsideração de ambas as partes. Muitos casais, amigos e até familiares cortaram o relacionamento porque se tornou ácido. Optaram em se distanciar a utilizar o bom senso em manter o relacionamento. Quando isto é possível, resolve o problema em não se desgastar emocionalmente que é o que mais sofre.

Outro grande problema no relacionamento ácido que, além da obrigatoriedade no compromisso, foram construídos pilares para que o relacionamento forçosamente se mantenha e a projeção no horizonte está fora de controle. Quem nunca ouviu falar que muitas pessoas, sem saber, dormem com o próprio “inimigo”. O pior deste nível é a confiança depositada o que, nesta condição, espera-se algo em troca. Como já afirmei noutra reflexão, relação é contato, mas, jamais deve ser a nível de agressão física. Nos últimos anos, temos visto nos relacionamentos que se tornaram ácidos muitos feminicídios. Contrariamente ao que se imagina, existe também o “masculinicídio” quando a mulher tem o objetivo de eliminar fisicamente o parceiro. O número é relativamente bem menor porque culturalmente o homem se julga o dominador. É diferente quando acontece por defesa pessoal em que a mulher estava sendo ameaçada. Em todo caso, estes absurdos extremos acontecem porque a relação se tornou ácida. É um termo figurado porque o ácido corrói quando em contato com qualquer superfície. Não existe matéria que resista ao ácido. É um termo apropriado porque relação é contato e não há resistência quando uma das partes perdeu o foco da construção do bom senso que é um dos pilares de sustentação do relacionamento.

Infelizmente, há relacionamentos em que não se enxerga uma solução para diluir o ácido. Existem muitas pessoas que vivem ou sobrevivem dentro de um relacionamento em que o casal perdeu a sintonia e a sincronia. O motivo em se manter dentro do relacionamento não é mais por amor e o carinho ao outro não faz parte das atitudes de afeto. Isto vale para a amizade também. No caso conjugal, alguns fatores devem ser considerados. Tem relacionamentos que se perdeu a conexão e não estão mais em sintonia. Conexão e sintonia mesmo similares, são coisas diferentes. Para que haja sintonia é preciso ter a conexão. Enquanto sem a sintonia, a conexão perde a razão de ser. Wi-fi é uma conexão que viabiliza a sintonia com as redes socais. Mesmo não sintonizando o conteúdo digital, isto não significa que esteja sem conexão. No relacionamento, o ambiente é a conexão. O propósito é a sintonia. É possível sobreviver num relacionamento ácido porque ainda compartilham o mesmo ambiente, porém, estão fora de sintonia nos objetivos. Resolver esta questão é uma decisão muito pessoal. Cada pessoa deve considerar os ganhos e perdas. Ninguém merece viver uma vida onde as frustrações sejam incessantes. Cada pessoa tem o direito de ser bem-sucedido nas esferas da vida que o envolve. Por isto que falei sobre a razão e o coração, um dando suporte ao outro. Tem situações que, numa eventual e momentânea crise, o coração precisa se antecipar e realinhar o relacionamento. A razão deve entrar em campo quando a situação se tornou insustentável e não se consegue encontrar um denominador comum para que a sintonia seja restabelecida. O desgaste é o pior fator a ser considerado e deve ser interrompido imediatamente ao ocorrido. Feridas estão abertas e as chances no processo de cicatrização serão bem maiores quando se corta o mal pela raiz.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

MINISTÉRIO PASTORAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Venancio Junior

Que saudade dos tempos em que a figura do pastor era exclusivamente sacerdotal. Sempre procurava saber dos problemas dos fiéis para poder ajudar no que fosse preciso. Literalmente carregava a carga e abastecia a despensa dos pobres, visitava os doentes, visitava também aqueles que estavam presos e se envolvia com a dor do próximo. Ultimamente, muitos pastores se tornaram celebridades, famosos e com evidência nas principais mídias sociais. Quanto maior a visibilidade, maior será a propensão a críticas e difamação (alguns com razão). Muitos deles se tornaram empresários da fé, tantos outros estão envolvidos em escândalos financeiros e sexuais e uma parcela influente destes líderes se empenham em serem militantes políticos radicais.

Como filho de pastor, fico muito tranquilo em relação ao trabalho do meu pai. Conhecendo as suas histórias através de relatos daqueles que presenciaram e das fotos antigas, vi que sua trajetória pastoral foi de muitas dificuldades, passando até fome e, muitas vezes não possuía os recursos para o sustento da família. Morreu sem deixar bens e recebia de aposentadoria um mísero salário-mínimo da previdência porque nunca pensou em si mesmo e ninguém pensou nele também no sentido de ampará-lo quando não pudesse mais exercer a nobre missão do Ide. Ministério significa servir e serviu do começo ao fim da vida sem reclamar e glorificando a Deus. A riqueza do seu trabalho foi servir as centenas de famílias reestruturadas e encaminhadas para também servir a outros com a mesma visão altruísta que sempre lhe acompanhou.

Quando alguém decide seguir a vida ministerial eclesiástica, aqueles que são sérios em suas ambições, não tem um propósito profissional que, muitas vezes nem há esta associação. A mente está focada em servir a Deus ajudando as pessoas nas suas dificuldades. Vida ministerial é o amparo as famílias, não somente na questão do evangelho, mas, também, o fortalecimento na vida social, profissional e psicológica. Independentemente da classe social, todos precisam de apoio de alguém de confiança. As pessoas ainda confiam nos religiosos porque estes se colocam como enviados de Deus. Infelizmente, alguns se aproveitam desta confiança e abusam de forma a favorecer somente os seus interesses. Servir é sempre a dedicação ao outro e jamais as pessoas devem servir ao pastor ou a qualquer outro líder religioso. O sacerdote tem como prerrogativa principal servir a todos sem distinção. Neste processo, diante de tantas dificuldades e sem o apoio necessário, muitos desistem em prosseguir no ministério e tantos outros até cometem suicídio. O índice tem crescido assustadoramente e não tenho visto a disposição das principais lideranças em amparar estas pessoas e suas famílias que sofrem da mesma forma. Os desafios são diários e de grande vultuosidade e não consta na agenda qualquer iniciativa em discutir esta questão com seriedade que o caso merece. Por mais urgente que seja a iniciativa, já chegará com muitos anos de atraso. O problema não é recente. Os pastores também sofrem privações, tem problemas financeiros, emocionais, conjugais e também com os filhos que todos exigem que sejam exemplos.

O que diz a bíblia sobre o exercício sacerdotal? Jesus designou atribuições aos apóstolos que seria primeiramente lançar os fundamentos do evangelho para composição da igreja. Estas atribuições vão muito além da simples pregação do evangelho o que implica assistir as pessoas nas dificuldades que envolvem qualquer família. Relacionamento, emprego, moradia, saúde e até educação secular. Havia esta preocupação. Meu pai fundou algumas igrejas e em anexo fundava uma escola de alfabetização. Nos anos 40 e 50 havia muitos lugares remotos, principalmente rurais em que a educação pública não chegava e muitos filhos chegavam na idade escolar sem aprender a ler e escrever. Os pais já vinham de uma estrutura de trabalho braçal difícil e muitos eram analfabetos. Este espaço de apoio às famílias era ocupado pela igreja cristã. Porém, a maioria dos pastores não tinham esta visão e se preocupavam tão somente com o ensino religioso. As dificuldades eram muitas e atingia todos os membros da família. O que alguns pastores faziam quando não tinha uma solução, amenizavam com promessas de que Deus proverá e a vida futura no céu não haveria estes sofrimentos. É uma maneira de se desvencilhar da responsabilidade social sem se envolver com o sofrimento. Falar do evangelho para quem tem fome é falta de conexão. Da mesma forma que falar do evangelho para quem esteja sofrendo com dores de alguma enfermidade também não terá o retorno esperado. O evangelho é íntegro e abrange todas as questões que envolvem as pessoas. Leia o texto de Mateus 25:35;36 "Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram". Jesus falava no templo sobre a parábola das ovelhas e dos bodes. Enquanto as ovelhas desempenhavam a atribuição pastoral, os bodes não se moveram. Perceba que Jesus abrangeu os aspectos básicos da vida humana. Isto é o evangelho puro e simples. Atualmente a contextualização ainda se faz necessária. Existem muitos membros pobres de igrejas ricas. Frequentam as reuniões ordinárias da igreja utilizando transporte público pagando do próprio bolso. Muitas famílias não têm os recursos para uma refeição adequada. Estas famílias possuem um número de filhos fora do normal e vivem com muito sacrifício, inclusive, o esforço em manter a frequência à igreja. O que os pastores têm feito para se atualizar sobre as dificuldades dos seus membros? Não somente na questão social, muitos membros não passam fome e vão de condução própria à igreja, porém, tem outras dificuldades. O pastor deve estar próximo das pessoas, não de forma invasiva, mas, numa posição em que elas não sintam que a liberdade esteja sendo violada.

Jesus não se intrometia na vida das pessoas, pois, o seu envolvimento era “cirúrgico” e intervia diretamente nas dificuldades emergentes de cada um. Jesus não se intrometeu na vida do aleijado que foi curado próximo do poço. Jesus não se intrometeu na vida da família de Jairo e curou a sua filha. Jesus não se intrometeu na vida mulher adúltera e fez o diagnóstico preciso da sua vida. Jesus não se intrometeu na vida de nenhum dos seus apóstolos, mesmo na vida de Pedro em que curou a sua sogra. O foco de Jesus era se envolver naquilo que seria mais difícil e até impossível que é a ressurreição de mortos.

Se fizer uma analogia da vida de Jesus e das atividades desenvolvidas pelos apóstolos, será facilmente perceptível que a vida atual dos pastores mais conhecidos nada tem a ver com ministério. Brigam para não pagarem impostos, sendo que devemos dar a César o que é de César. Afinal, os dízimos e ofertas são oriundos de rendimentos em que os impostos foram recolhidos diretamente na fonte. Igreja não deve ter lucro. A responsabilidade da igreja é expor o evangelho na sua integralidade. O evangelho não serve somente para o Reino futuro, mas, deve acompanhar a vida cotidiana das pessoas e ir de encontro às suas necessidades. A perspectiva destes pastores destas mega igrejas é que as pessoas devem servir a igreja. Já a perspectiva dos pastores sérios e comprometidos com o Reino de Deus é de que a igreja deve servir às pessoas, pois, elas compõem a igreja. Sem as pessoas, não existe igreja. Não se trata dos templos luxuosos, a igreja é formada pelas pessoas e a elas deverão ser dedicadas todas as atribuições que a elas foram incumbidas. Lembrei de um caso em que uma incorporadora comprou um quarteirão inteiro para construir duas torres de condomínios e um dos imóveis era exatamente uma igreja evangélica. Todos os moradores venderam as suas casas que um dia fora um sonho e a vida seguiu seu rumo para cada um destes moradores que venderam as suas casas, com exceção da igreja que não foi adquirida porque o pastor não quis vende-la. Como era minha rotina pedalar naquela região, um dia vi o pastor em frente a “sua” igreja e perguntei se não venderia para a incorporadora, de pronto me respondeu que não venderia a propriedade da igreja. Daí, veio à mente de que o pastor estava preocupado com o patrimônio físico da igreja que poderia sofrer uma grande valorização ou a igreja poderia encher com os futuros vizinhos. Os condomínios estão sendo construídos e a igreja ficou literalmente espremida em meio as duas imensas torres. A igreja não é o prédio e nunca foi as quatro paredes que a abriga. Deus nunca habitou no prédio. O templo é o nosso corpo onde Deus habita. Quem deseja buscar e encontrar Deus deve olhar introspectivamente para si e permitir que Deus o habite. O pastor perdeu a visão ministerial em servir as pessoas daquela incorporadora e dos futuros moradores do condomínio. O templo atrapalhando a configuração do condomínio tornou-se uma pedra de tropeço e os olhares não serão de simpatia aquela decisão egoísta e dificilmente alguém terá interesse em adquirir o templo se houver uma mudança de planos para venda ou se tiver que ampliar a capacidade da igreja. Faltou-lhe a visão ministerial em servir e se limitou a agir conforme a sua visão pseudo-empresarial.

Infelizmente também, muitos dos pastores atuais não sabemos onde foram consagrados e como aconteceu o chamado ministerial. Alguns mais soberbos se autointitulam Bispo primaz e apóstolos como se ordenança ministerial fosse uma hierarquização de títulos. Não basta ser pastor que consideram como algo muito pequeno para as suas aspirações, tem de ter um título nobre que reflita a sua vaidade em se posicionar acima de todos. As redes sociais facilitaram a proliferação destes empresários da fé. Muitos nem tem igreja física e se limitam a conquistar seguidores pelas redes sociais. Hoje em dia a preocupação não é mais quantos membros possui a igreja, mas, quantos seguidores possui a sua igreja virtual. A maioria não tem compromisso com o Reino de Deus e expõem um evangelho para um povo com ausência de senso crítico e que gostam apenas de fazer parte da multidão. Desconhecem a palavra de Deus e a trata como “evangelho Frankenstein”, pegam um pedaço aqui e junta com outro pedaço ali e formam o seu próprio “evangeliquês” completamente desfigurado. Paulo escrevendo a sua carta a Timóteo orientou: "Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a palavra da verdade" II Timóteo 2:15. Resumindo, Paulo afirma que o pastor deve ter uma vida íntegra com um caráter exponencial e conhecimento correto da palavra de Deus para conduzir a igreja. Se procurarmos estas qualidades nos pastores atuais, com certeza, a maioria será reprovado.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

BANCO MERCANTIL DA FÉ

Venancio Junior

A fé se potencializa quando se é abençoado? A fé permanece mesmo sem ser abençoado com o que se queira? A fé é uma troca de favores com Deus? Por que Deus diz para que o prove no exercício da fé? Por que ainda existem tantos questionamentos a respeito da fé? Qual seria o maior referencial de fé?

Considerando que o relacionamento com Deus é algo intimamente pessoal, fica difícil caracterizar a fé de forma que se possa demonstrar uma única perspectiva que contemple a todos. A única característica que é comum é a questão de que sem fé é impossível agradar a Deus. Sem a fé é impossível conhecer a Deus e saber que exista. A forma como se aplica é o grande questionamento.

A fé tem sido utilizada até como forma de ápice no relacionamento com Deus. O justo vive pela fé. Este trecho de Romanos 1:17 traz uma suavidade no uso da fé. Quem seria justo ou quem se julga justo? O justo é aquele que foi justificado em Cristo. Até chegar neste ponto, há um longo e penoso caminho a seguir. Tem muitos exemplos de alegria das conquistas pela fé. Neste contexto, não ficaria difícil afirmar que a pessoa abençoada é alguém cheio de fé. O inverso desta situação também é real quando a fé é confrontada e não se enxerga uma luz no horizonte sombrio. As dificuldades emergem de todos os lados e o uso da fé para mudar uma situação trágica não tem surtido o efeito bíblico. Afinal, lemos que a fé é a certeza das coisas que se espera (Hebreus 11:01). A tradução pode estar certa, a interpretação que pode estar equivocada. Quando Deus permite que as coisas aconteçam como desejamos, é desta forma que acontece porque permitiu que assim o fosse. Muitas vezes Deus não (co)responde às nossas expectativas da fé. Por que, então, Deus desafiou para que o provasse (Malaquias 3:10)? Esta foi uma profecia contra Judá e Deus queria manter a relação com o seu povo escolhido que estava se tornando descrente e rebelde. Um grande equívoco que se faz é retirar o texto e aplicá-lo numa situação qualquer que nada tem a ver e ainda acusar Deus de que prometeu abençoar. Não conheço alguém que tenha retirado o texto em que Estevão estava sendo apedrejado e ele se manteve fiel em meio ao sofrimento. Se Estevão questionasse a Deus sobre aquela situação, estaria coberto de razão, porém, estaria utilizando a perspectiva humana da fé. A fé não é mercadoria de barganha que está disponível no balcão como um produto qualquer em que para ser abençoado basta ir à igreja e buscar.

O mundo religioso tem algo em comum, a fé. Todos falam que o exercício da fé é necessário para ser bem-sucedido. Não podemos negar que o mundo atual tem conhecimento da fé cada um do seu jeito e exerce a fé nas mínimas coisas. É um mundo literalmente conectado digitalmente e também pela fé. O acesso às informações trouxe muitas facilidades, porém, aumentou as dificuldades em saber qual é a verdade sobre muitas coisas, incluindo neste pacote, a fé. Não importa qual deus que se creia, a fé é o ponto convergente nas práticas religiosas. Cada segmento religioso fala de um formato diferente de fé e também são diversas as práticas que são aplicadas. Muitos acreditam que, quanto maior o sacifício, maior é a investidura da fé e maior e mais rápido será o retorno daquilo que se busca. Por exemplo, carregar uma cruz pesada por kilometros, caminhar uma longa distância descalço, praticar o auto-flagelo com chibatadas nas costas e tantas outras invenções que são meramente humanas e não estão na bíblia nada tem a ver com fé. Alguns defendem de que as pessoas não são abençoadas porque não utilizam da fé corretamente. Estes apresentam a fé como um produto e que não vem com um manual de instruções legível e se aproveitam disto e da ingenuidade das pessoas para conquistar a confiança. A associação da fé com o dinheiro é o que os oportunistas mais utilizam para atingir os seus objetivos. Eles nunca falam sobre o Reino de Deus porque ignoram o propósito do evangelho e perderiam muitos dos seus seguidores. Até citam alguns trechos isoladamente falando de um reino palpável, porém, a perspectiva é totalmente errada porque não é comida e nem bebida, mas, justiça, paz e alegria do Espírito Santo. Abordam sempre aquilo que as pessoas precisam de imediato, comida, emprego, ficar rico ou deixar de ser pobre e satisfazer os prazeres que a propaganda mal-intencionada induz na mente das pessoas. Satisfação imediata é a palavra-chave para conquistar a atenção e a fé é muito mais do que simplesmente acreditar. Há diversas referências de fé na bíblia. O texto de Tiago 1:3,4 talvez reflita melhor a jornada da fé. "...sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes". Quando se fala em fé, a provação, a princípio, nada tem a ver com receber bençãos. Então, aquele conceito de que a fé é para apenas receber e nunca se dispor é um erro que a maioria dos “fiéis” cometa. Muitos abandonam a fé por causa da frustração em não ser abençoados. A perspectiva humana da fé é absolutamente frustrante. A única prática associada à fé é a perseverança.

Como exercer a fé conforme o texto de Tiago diante de um mundo libertário e libertino, religiosamente pluralista e os mais radicais são categorizados como extremistas fanáticos? Parece que não sobrou espaço que permita um posicionamento sem que as fagulhas deste mundo confuso atinjam o manto da integridade cristã. Optei pelo processo involutivo daquilo que conhecemos como fé. Aqueles que tiveram pela tradição familiar contato com a fé cristã, sempre ouviu falar que o pai da fé é Abraão. Os apóstolos Paulo e Tiago apresentam esta declaração nas suas cartas no Novo Testamento. Na verdade, todos aqueles que tem um relacionamento com Deus podem ser considerados como exemplos de fé. Nenhum destes utilizaram da fé como barganha. Tem alguns episódios bíblicos que tentaram saber quanto custava a fé. Em Samaria, onde João e Pedro evangelizavam havia um mágico por nome Simão. Muitos acreditavam que os seus dons eram divinos, pois, também fazia mágicas travestidas de milagres. Ele creu e foi batizado e acompanhava os apóstolos e se admirava com os milagres que aconteciam nas pessoas através da imposição de mãos. Como ainda faltava um bom caminho para a sua transformação, ficava com inveja desejando os dons perguntando aos apóstolos quando custaria aqueles dons e Pedro logo lhe repreendeu: “Que o seu dinheiro seja destruído junto com você, pois você pensou que com ele poderia adquirir o dom de Deus!” (Atos 8:20). Pedro alegou que o coração de Simão não era reto diante de Deus e não basta frequentar a igreja e ser batizado para se ter fé, é preciso integridade diante de Deus. A fé é o adubo dos frutos do espírito. A fé nunca foi uma moeda de troca para conquistar bens e alimentar a vaidade das pessoas. Ao acessar as redes sociais ou a televisão assistimos centenas de programas religiosos falando de uma fé estranha àquilo que a bíblia ensina. Fé do dízimo, fé da cura de doenças incuráveis, fé de ter a sua casa, fé para se ter uma casa ou emprego melhores, fé para conquistar muitos bens ou fé para ter uma igreja mais cheia. Eu creio em tudo isto, mas, antes de aplicar a fé, precisa saber quais são os pilares desta fé. A primeira coisa que a fé nos exige é reconhecer a soberania de Deus. Diante disto, não faz sentido que a fé esteja ao seu dispor naquilo que lhe convir. A vontade de Deus é soberana, além do mais, é perfeita, boa e agradável. Tudo o que se fala sobre fé tem princípio em amar a Deus acima de todas as coisas. Buscar o Reino de Deus em primeiro lugar e as demais coisas serão acrescentadas. A característica principal e maior da fé é o relacionamento com Deus. Isto não significa que tudo acontecerá conforme a nossa limitada visão. Pessoalmente tenho muitos questionamentos com Deus. Aconteceram algumas coisas que ainda são inexplicáveis e somente pela fé é que se consegue avançar na caminhada. Se eu continuar aguardando, na minha visão, uma resposta clara de Deus, ficarei estacionado. A fé diante da provação, das dificuldades e contrariedades é que me faz crescer no relacionamento com Deus se eu perseverar.

O propósito soberano de Deus é que alcancemos a graça pela fé. Nunca pelo nosso esforço, mas, sempre pela sua iniciativa em ser amplamente gracioso. Sofremos as consequências do pecado que está em nós. Nem tudo o que desejamos alcançamos porque este tudo que precisamos é da graça de Deus. O apóstolo Paulo já disse que bastava a graça de Deus. Ele sofria muito com doenças e espinho na carne que nunca foi revelado o que era. Foi preso, sofreu muitas privações e mesmo assim afirmou com humildade que a graça bastava porque a visão dele era com o Reino de Deus. Muitas vezes se usa a metáfora daquilo que valorizamos para se ter uma noção do que é composto o Reino vindouro. Nada é comparável, pois, as nossas preciosidades são matérias que são consumidas pelo tempo e o ser humano é que colocou valor. Por causa do pecado perdemos o valor e Deus, através de Jesus Cristo ressignificou o nosso valor para que herdássemos pela fé o seu Reino. Alguém, por acaso já ouviu um destes mercadores da fé falar sobre os valores do Reino de Deus? Estes valores não interessam a eles. A contraproposta do evangelho não se compra, pois, é o dom gratuito de Deus que é a vida eterna com Cristo. Todas as promessas de Deus e as propostas de fé apresentadas na bíblia são para alcançar o maior tesouro que é a vida eterna.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

SEXO E FÉ SEM COMPROMISSO

Venancio Junior

O sexo sem compromisso todo mundo conhece e muitos praticam a cada dia esta forma de se satisfazer sem aquela obrigatoriedade do relacionamento que envolve mudanças no estilo de vida. Qualquer mudança exige sacrifício de ambas as partes. Relacionamento exige que se entregue no mínimo um pouquinho a outra pessoa. Não tem como ser bem-sucedido no relacionamento, caso não haja esta entrega. Porém, muitos se entregam quase de corpo e alma gerando uma total dependência. É uma forma de se acomodar e deixar as preocupações com o outro(a).  A forma que encontraram para não gerar esta dependência é exatamente manter aquilo que gostam de fazer juntos sem a obrigatoriedade do compromisso. Tem casais que tem um relacionamento aberto em que cada um pode fazer sexo com outros, independentemente do gênero. Alguns ainda se mantem parcialmente “conservadores” e exigem fidelidade a dois somente. O problema é saber o que o outro fará com aquela parte de você que foi entregue.

A sensualidade é um dos sentidos mais sedutores na composição da natureza. Quem pensa que somente seres humanos e animais praticam sexo está enganado. A vegetação se reproduz também através do ato sexual. Cada espécie do seu jeito conforme a sua estrutura natural. Esta forma de reprodução e prazer foi criada por Deus. No livro de Gênesis lemos Deus ordenando “Sejam fecundos...”. noutras palavras seria o mesmo que dizer “Façam sexo...”. não tem como ser fecundo sem o ato sexual. O sexo é uma benção. Chega a ser um envolvimento espiritual porque a sensação do orgasmo é inexplicável.

O maior problema do relacionamento sexual é que atualmente os seres humanos se relacionam tal como os animais. Deu vontade e se há desejo mútuo, então, está valendo. Alguns malfeitores praticam o sexo sem consentimento que é o estupro. Uma agressão absurda e que merece toda a punição possível para quem a pratica. Observo que intimidade não é para ser compartilhada com qualquer pessoa e de qualquer jeito. Há muita coisa a se considerar e também preservar principalmente quando se envolve compromisso.

Da mesma forma que o sexo, a fé não existe se não houver relacionamento e também requer compromisso. Relacionamento em que não há comprometimento se torna algo vazio sem propósito e sem construção de valores. Perde-se totalmente o sentido quando isto acontece desta forma. O mundo se perde a cada dia por causa desta falta de compromisso tanto do sexo como em relação a fé. Esta fé que a maioria pratica hoje em dia é vazia e despropositada do real sentido em que não há entrega quando se exige sacrifício. A fé é uma construção onde há fundamento e propósito com alguém que é o princípio e o fim de todas as coisas. Deus é o criador tanto do sexo como também da fé. Acreditar, crer e confiar são pilares sem algum ou com determinado grau de envolvimento. Se alguém acredita que Deus exista, ela se limita apenas ao saber da existência sem qualquer envolvimento. Crer já é um pouco mais avançado em que precisa haver algum tipo de envolvimento para conhecer os possíveis de Deus. Já confiar é acreditar que Deus existe, crer que pode todas as coisas e fazer a entrega de si para os seus desígnios da vida. Acreditar é uma fé sem construção. Crer é apenas uma fé com desejo de construir algo. Confiar é desejar que algo sólido e inabalável seja construído na vida. A fé é a única forma de se chegar a Deus. "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que recompensa os que o buscam". Hebreus 11:6. Observe que neste texto não cita em alguém que acredita que Deus exista. Quem quiser se aproximar de Deus tem de crer que Ele existe. Outro detalhe importante, a fé com propósito e fundamentada tem o retorno do próprio Deus mediante a fé. Não me refiro a fé mercadológica que tem sido disseminada por aí. Os usurpadores da fé têm ficado milionário vendendo uma fé vazia e sem compromisso que deveria construir um relacionamento sólido com Deus. Muitos são enganados porque não conhecem as escrituras e não tem compromisso com o autor da fé. O interesse é somente as bençãos de Deus. Mais recentemente surgiu um grupo de religiosos que exercem uma fé estranha. Pois, são violentos, desconhecem os fundamentos do evangelho e não aceitam que outros pensem diferente. Invadem e depredam prédios públicos e cantam hinos religiosos como triunfo de vitória. Por causa da fragilidade da fé, engolem sem questionar tudo o que os seus líderes falam. Tanto os líderes deste grupo quanto os seus liderados perderam totalmente a referência do que seja a fé descrita nos evangelhos e lutam na carne em nome de Deus, porém, em favor dos principados e potestades do mal. 

A fé não é exclusivamente para ser abençoado ou para conseguir alguma coisa com Deus. A fé não tem e nunca teve o propósito em facilitar as coisas com Deus. A fé tem o propósito nobre de construir valores para o Reino de Deus. A fé é que nos faz chegar ao caminho (Jesus) que nos conduz (uma vez aprovados) a eternidade com Deus. O processo do relacionamento com Deus pela fé não é simples e nem ”romântico” como ouvimos em algumas músicas e pregações. O relacionamento com Deus num contexto em que foi perdida a configuração original tornou-se algo muito profundo em que é preciso ter discernimento espiritual. A fé exercida hoje é mais conhecida pelas propostas contrárias às preferências pessoais do que aos valores que ela proporciona e edifica. Fé não é cumprir à rigor as doutrinas da religião. Fé nada tem a ver com religião. Fé implica reconhecimento de quem é o autor e o consumador, compromisso com aquele que prometeu a vida eterna e entrega de si para alguém de extrema confiança. Guardada as devidas proporções e, por incrível que pareça, o sexo seguro dentro de um contexto conjugal também implica reconhecimento de quem é a pessoa, compromisso com quem fará o ato conjugal e entrega a quem se pretende compartilhar confidências íntimas.

Uma vida sem compromisso é aquela em que a pessoa não sabe de onde veio e sabe menos ainda para onde vai. O compromisso liberta porque vivemos num contexto social onde quase tudo é compartilhado e, principalmente, precisamos uns dos outros. O compromisso pela fé é para suportarmos a jornada árdua que temos de atravessar. Se temos compromisso, então, somos amparados e reconduzidos a presença de Deus pela fé. Tanto no relacionamento sexual como na caminhada pela fé, Deus não impôs limites para viver e explorar a fascinação que é viver a liberdade que ambos proporcionam.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

ACUMULADORES - ENTULHO OU TESOURO

Venancio Junior

Será que alguém já parou para pensar sobre o que foi acumulado até agora na vida? Entulho ou tesouro? Após alguns anos este acúmulo é inevitável. O mais importante não é tentar identificar do que seja composto o que foi acumulado que muitas vezes nem se lembra, mas, o que fazer com ele. Sendo uma montanha de entulho, então, não tem muito o que pensar. A não ser que muitos objetos estejam lá indevidamente, do contrário, são coisas de valor que com o tempo, se desgastou e perdeu a sua utilidade. Outros, mesmo ainda tendo valor, não servem mais. Mas, há muitas coisas que, de fato, não tem valor mesmo e o entulho é o melhor lugar para esquecê-las. O entulho foi o destino adequado naquele contexto. Por que, então, foi guardado? O problema é que este entulho ainda incomoda e atrapalha a normalidade da vida. No entulho o que foi acumulado e que precisa ser aniquilado não deve fazer mais parte da vida. Traumas, tristezas, mágoas, decepções, frustrações, desânimo e dores são os entulhos acumulados e de alta periculosidade para a estrutura emocional. Tenho a impressão de que tudo que um dia ocupou algum espaço, continua em menor ou maior grau. A questão é que precisa ser administrado para que não esteja no “front” das decisões. Ter esta consciência é a melhor forma de controlar as emoções. Não tem como ficar feliz num momento triste ou ficar animado quando tudo reforça o desânimo. Isto não deve se tornar uma carga difícil de carregar.

Quem já ouviu falar em parasita ou sanguessuga? O parasita causa males internos e o sanguessuga adere a pele de tal forma que não é possível retirar rápido, pois, causaria feridas doloridas. O entulho emocional causa males internos e até males físicos externos. Tem milhões de pessoas que carregam um fardo pesado porque ainda não conseguiram destinar o entulho emocional de forma correta e definitiva para que não seja como um parasita ou o sanguessuga. Primeiramente é preciso conhecer a si mesmo. Este processo inicia ainda na infância quando os pais e educadores desenvolvem uma dinâmica para que a criança conheça seus limites e suas qualidades. Desta forma é possível, já na fase adulta, reagir adequadamente a cada situação. Não existe métodos infalíveis porque ninguém é perfeito e isto deve ser muito considerado. Humildemente reconhecer os erros e não se vangloriar com os acertos é uma postura de equilíbrio que será fundamental nos momentos em que o emocional é exigido.

Um dos principais fatores que fragiliza a estrutura emocional é a estafa da rotina. Imagine uma estrutura de concreto, aparentemente sólida e, caso não haja alguma intervenção, não sofrerá qualquer dano que comprometa a estabilidade. Agora pegue uma talhadeira e todos os dias raspe um pouquinho daquele concreto. Chegará um dia em que haverá uma cavidade causada pelo desgaste. Assim funciona a rotina, a cada dia deixe que a rotina intervenha na estrutura emocional. Após um tempo não muito longo, a estrutura emocional estará desgastada e não suportará um mínimo de pressão. A rotina pode ser um entulho mal canalizado ou um reforço, depende muito da perspectiva se é uma visão periférica ou esotérica quando é de dentro para fora. A perspectiva periférica enxerga o todo confuso sem um começo e muito menos um fim. A perspectiva esotérica tem uma visão do núcleo da situação em que, além do começo e do fim, se enxergue o propósito. Isto é muito importante saber para que se tenha o controle e a dosagem emocional correta para se obter o máximo de resultados positivos e do nível de qualidade elevado.

Até agora, a teoria funciona maravilhosamente. Na hora que entra em campo para o jogo da vida, parece que algumas decisões certas estão trazendo resultados errados. Pode ser que o momento não seja adequado para uma determinada decisão. Como já afirmei, ninguém é perfeito e erros podem ser cometidos, porém, sem traumas. Não se culpe e não tenha receio em continuar no objetivo. A expectativa em não tentar novamente pode ser pior que a frustração do erro. Somos seres humanos desajustados, frágeis e limitados. Ninguém é melhor porque tem dinheiro, tem grandes conquistas no amor, carreira profissional em ascensão ou qualquer outra qualidade que a maioria das pessoas não possuem. Não devemos olhar para estas pessoas e se autoflagelar considerando como um fracasso pessoal. Cada pessoa tem o seu valor. É fato que, aparentemente algumas pessoas tenham melhores oportunidades que outras. E também é fato que algumas pessoas tenham mais infortúnios que outras. Conheço algumas pessoas com este perfil. Não se deve ter como referência nem que esteja pior ou melhor que estas pessoas. Cada um deve definir o seu ideal e construir a sua vida favorecendo a si mesmo e a todos os familiares.

O que seria o tesouro propriamente dito? Particularmente acho que uma das grandes virtudes do ser humano é se superar em meio as crises. Frustrações e mágoas criam fissuras profundas e tem de estar preparado para que não se aprofunde. Sair ileso de uma situação adversa é um grande tesouro. Este tesouro irá valorizar mais ainda se houver feridas emocionais e forem superadas. Permanecerão as cicatrizes, porém, a estrutura se mantem inabalada com alguns arranhões apenas que não comprometem a estabilidade emocional. Constituir família, ser honesto na vida profissional, alguém que goste da companhia dos amigos, administrar conflitos internos e externos, sempre demonstrar equilíbrio no contexto familiar, no trabalho e na vida social são riquezas que não se adquire com dinheiro ou posição social. São tesouros que ninguém pode roubar. Este tipo de tesouro é possível compartilhar para que outros sejam igualmente ricos.

Alguns princípios poderão ajudar a (re)começar neste novo caminho ou pode ser o mesmo caminho que esteja com mato alto e a pavimentação esteja desgastada. Enfim, por mais que o mundo insista que a internet e o celular é o novo modo de vida que trará felicidades e satisfação, eu digo que não é. Reconheço muitas das facilidades digitais, mas, alguns limites serão necessários impor para que o tempo precioso não seja roubado. Sendo bem pragmático, calcule o conteúdo que vale a pena investir tempo e que traga valores a serem considerados. Sinceramente, quase zero de conteúdo fará alguma diferença na vida. Um tempo sem agenda e sem nada a fazer trará um benefício muito importante para a estrutura emocional. Os conteúdos digitais, na maioria, são entulhos que ocuparão a cabeça e atrapalhará o sono e a disposição e o bom senso necessário durante o dia. Quanto mais atividades lúdicas manuais, melhor será para o equilíbrio interior. Nos finais de semana, prefira atividades de lazer e esportivos. Durante a semana, ocupe um tempo com boa leitura. Com a facilidade da televisão interativa, prefira programas e filmes com conteúdo saudáveis. Periodicamente saia de casa e deguste um alimento diferente e, obviamente saudável. Quando possível, faça programas exclusivos para aquele dia com os amigos livres de horários e compromissos.

Tem pessoas que convivem muito bem com a rotina, então, mude a si mesmo. Outras não conseguem, então, mude a rotina. A vida na perspectiva de quem deseja viver pode ser um desafio fascinante e no final do arco-íris sempre há tesouro. A vida na perspectiva de quem cansou de viver, não tem desafios, somente entulhos que se tornaram um fardo muito pesado.

terça-feira, 2 de abril de 2024

EVANGÉLICOS SEM EVANGELHO E EVANGÉLICOS PROGRESSISTAS

Venancio Junior

Tenho insistido neste tema de que há declaradamente um considerável grupo de evangélicos sem evangelho. Como assim, são evangélicos que creem no quê? A bíblia não utiliza estes termos, mas, infelizmente há os crentes nominais ou mascarados. Jesus combateu a tradição da religião que é o cenário destes falsos cristãos. Nos últimos anos este grupo, que já existia, se manifestou com muita força e com grande influência nos poderes políticos, judiciários e empresariais que são os três pilares principais para quem deseja exercer o controle da sociedade. Muitos ou a maioria não se declaravam cristãos, mas, se aproveitaram da força crescente deste grupo e, no caso político, conquistam votos, no judiciário influenciam nos julgamentos criminais e, no caso dos empresários, existem aqueles que ainda possuem o ranço ideológico da ditadura de que o comunismo está invadindo o Brasil e são incapazes de respeitar quem pensa diferente. Este grupo não tem projeto político. A ideologia é completamente vazia sem fundamentos que provoquem um debate. A bandeira que defendem é apenas cortina de fumaça porque o objetivo é ganhar a confiança deste grupo influente para viabilizar os interesses de pessoas poderosas. Muitos dos seus seguidores, sequer sabem disto porque são presas fáceis pela falta de senso crítico.

O que o evangelho aborda sobre este assunto? Vou utilizar o texto que acerta na veia da questão. "Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus". Mateus 22:29. Jesus estava respondendo a questionamentos diversos e foi incisivo de que não conhecer o evangelho e nem ter a experiência pessoal com Deus invalida todos os argumentos e ações mesmo que se fale em nome de Deus. Uma mera questão de falta de integridade. Este comportamento é um perigo porque, de tanto insistir nesta falsa crença que se torna uma verdade cegando a consciência eliminando o senso crítico e o discernimento espiritual.

A caminhada cristã é uma longa e difícil jornada de renúncias diárias. O contexto cultural/religioso são os principais referenciais que influenciam substancialmente a fé. Por sinal, a fé é sistematicamente desafiada e questionada. Os absurdos são muitos e tão intensos que chegamos a questionar quem, de fato, esteja errado. Imagine um povo mal doutrinado? A perda de referência daquilo que seja o certo se tornará algo normal. Além do mais, sem o correto discernimento, o Espírito Santo não age na pessoa para corrigir. Cada um é responsável pelos seus atos diante de Deus. Sofre-se as consequências por causa disto. Desrespeitar, roubar, mentir, discriminar e cometer crimes em nome de Deus tornou-se algo normal. O crime organizado tem legalizado dinheiro abrindo igrejas nas comunidades e tem evangélicos infiltrados nas milícias. A bíblia demonstra o contrário destas posturas. Primeiramente exorta para que não se use o nome de Deus em vão. Segundo, pode-se fazer tudo, caso não tenha amor, nada vale e Deus não considera mesmo que seja bem-intencionado.

Existe um outro grupo antagonicamente radical que até conhecem e também utilizam o evangelho nas suas posições. O problema é que alguns pontos em que acreditam, o evangelho é distorcido e até adaptado para que haja legitimidade. Eles abraçam a todos os religiosos sem distinção. O amor de Deus inclui a todos também sem distinção para que haja arrependimento. A diferença é que ser amado por Deus não ratifica ser escolhido de Deus que deseja que todos sejam salvos. O que não se deve é ignorar o contexto dos mandamentos e das doutrinas. Adotaram um cristianismo conveniente. O filtro de todo pensamento e consideração deve ser o evangelho. Constam na bíblia textos que precisam de contextualização, enquanto outros o sentido é literal mesmo. Não há margens para outras interpretações. É neste ponto que este grupo conhecido como cristãos progressistas se valem para incluir as pessoas sem a devida transformação de vida. Deus incluiu a todos através do amor incondicional. Deus não selecionou as pessoas para amar, pois, todos são chamados, mas, seleciona os escolhidos que decidiram ter uma vida íntegra diante dEle. Para isto, é preciso renúncia da vida pregressa de pecado que gerou consequências incompatíveis com a justificação em Cristo. O pecado deforma e a justificação em Cristo reforma para que se torne uma nova criatura. Viver em Cristo e render frutos é a premissa da transformação. É contraproducente dizer que é cristão e que tem o evangelho como regra de fé e ter atitudes que não revelem a transformação. Não existe um meio termo, negar-se a si mesmo e cada um carregar a sua cruz significa não seguir os seus próprios desígnios ou convicções.

Diante deste cenário evangélico espinhoso, como ser identificado como cristão e não ser confundido com os evangélicos sem evangelho fundamentalistas e nem com os evangélicos progressistas que falam de amor e inclusão, mas, engasgam-se quando o assunto é renúncia da velha criatura?

A velha criatura é um termo para identificar aqueles que se mantem em pecado sem a justificação em Cristo. Esta justificação é que nos aperfeiçoa porque no Reino de Deus não entra a sujeira do pecado. Isto não significa que após a conversão nos tornamos perfeitos. Absolutamente não! A justificação acontece no momento do arrependimento. Quando acontece o arrependimento, entende-se que o esforço em se manter conectado a Deus é maior para construir uma fé sólida. Mesmo em meio a lutas e dificuldades, esta fé é inabalável. Não por mérito do esforço, mas, porque a fé é em alguém que mantem fortalecidos aqueles que confiam em Deus. Quando se fala em fé, geralmente associa-se a uma sensação positivista. A fé não é algo que sente agora e depois não sente mais. Fé é uma construção solidificada em Deus. Mesmo que se sinta vazio, é possível ter fé.

Para os fanáticos fundamentalistas radicais o evangelho que acreditam é uma ideologia sem conteúdo. Para os progressistas, o evangelho é ecumênico e recheado de teorias liberais em que Deus abraça a todos sem que os abraçados tenham alguma responsabilidade em seguir os princípios que desconstrói a velha criatura. Para os discípulos que decidiram viver na total dependência de Deus, o evangelho vai de encontro às pessoas imperfeitas revelando, através do teu Santo Espírito a real condição da velha criatura convertendo-os a Cristo e transformando em uma nova criatura frutificando em todas as ações para o Reino de Deus. Quem é de Deus fala das coisas de Deus contidas no seu evangelho em palavras e ações. Quem não é de Deus se limita somente às palavras ou tem atitudes com obras de uma fé morta.

sexta-feira, 29 de março de 2024

TOCANDO AS VESTES DE UMA CELEBRIDADE

Venancio Junior 

Quem nunca tentou tocar as vestes de alguma celebridade? Nas grandes apresentações musicais isto é muito comum. Alguns com muito esforço em meio a cotoveladas involuntárias e empurrões conseguem esta façanha que ficará na história para os netos. Tudo bem que eles sequer saberão quem é a pessoa famosa que os avós falaram e que após alguns anos nem é mais tão famosa assim.

Qual a motivação em estar próximo de alguém que se destaca na sociedade? Para muitos isto funciona na mente como um fetiche. Na antiguidade, fetiche era como uma magia. Este tipo de “devoção” se modernizou e tem até uma conotação erótica quando a pessoa se sente seduzida por alguém famoso, por pessoas de uniforme, por pessoas musculosas e por aí segue as inexoráveis obsessões porque não se impõe um limite no esforço para atingir o objetivo. A pessoa não se importa se é algo vexatório, pois, a decisão na entrega para conseguir este grande feito está cauterizada na mente. A pessoa investe o dinheiro que não possui, mas, dá um jeitinho, se sacrifica fisicamente porque a frustração é algo impensável. Diante de tanto sacrifício, estas pessoas se tornam presas fáceis para aqueles que, mesmo sendo celebridades, não deixam de ser humanos com todos as suas limitações e defeitos. Infelizmente muitas destas celebridades se aproveitam da fragilidade emocional dos fãs e praticam abusos que deixam traumas para o resto da vida.

Jesus, na sua curta vida terrena foi uma celebridade para alguns, líder para outros e uma ameaça para os religiosos e políticos. Independentemente da consideração, todos queriam se aproximar de Jesus. A maioria para conhece-lo, outros por curiosidade e alguns outros para extrair alguma coisa que poderia “incriminá-lo” conforme a lei judaica. Lembre-se que os inimigos sempre estão por perto.

Jesus era o tipo de pessoa que provocava uma certa sedução. Somos humanos e a partir do momento que se tem uma relação com pessoas famosas, esta relação é incomum. Relacionamento tem cara, tem cor e tem cheiro característico. Não é igual com todos. Distingui três grupos com interesses incomuns, apesar de que todos tinham o mesmo objetivo que era se aproximar de Jesus. Jesus se encontrou com diversas pessoas, manteve diálogos pessoais quando precisava atingir a ferida na pessoa e com os seus discípulos, procurava sempre mantê-los próximos para que aprendessem na prática os fundamentos do evangelho. Afinal, eles continuariam a missão do Ide.

Quero destacar uma pessoa que tocou as vestes de Jesus e foi curada. Ninguém sabe o seu nome. Jesus sabia e também sabia das suas necessidades e até sentiu que saiu virtude de si quando foi tocado por causa da fé daquela mulher desesperada. Primeira dificuldade que ela encontrou foi que era mulher. Onde já se viu uma mulher fora da sua casa correndo atrás de um homem? As intenções estavam bem longe daquilo que imaginamos. Segunda dificuldade, era uma mulher que sofria de hemorragia que, na época, era considerada pela sociedade como uma pessoa impura. Terceira dificuldade, como passaria incólume em meio à multidão sem sofrer agressões físicas e ser considerada como uma mulher qualquer? Não tem como andar desesperadamente no meio da multidão sem sofrer algum toque físico. Bem ou mal intencionado, a mulher naquela condição não poderia ser tocada, pois, o sangramento era contínuo. Quem a tocasse seria considerado igualmente impuro.

Jesus era a personalidade da época, afinal, promovia curas e milagres na vida das pessoas trazendo conforto e tranquilidade para aqueles que estavam sem esperança. Podemos imaginar o desespero desta mulher. Já sofria a doze anos e a certeza de que seria liberta daquela condição vexatória e fisicamente doida estava a alguns passos. Não é pouco tempo e também não é pouco o sofrimento. No desespero, muitos ignoram a dignidade e a posição na sociedade que exercem e vão em busca quase a qualquer custo do alívio do sofrimento. A mulher tocou com fé em Jesus, por isto saiu virtude. Mas, a fé daquela mulher não começou no exato momento do toque. A fé foi construída, a princípio, pelo que ela ouviu de Jesus. A fé não é uma sensação, mas, uma construção (Romanos 1:17). Depois, se solidificou pelo enorme esforço empreendido. Imagine numa multidão em que todos queriam tocar Jesus e a mulher conseguir tocar a suas vestes? Ela não pensou no que os outros iriam pensar e ignorou que poderia passar vergonha, pois, estava sangrando sem parar. Nem passou pelo seu pensamento de que alguém ou algum dos discípulos poderia lhe impedir o acesso. A sua fé era a única motivação e a confiança em alguém que tinha absoluta certeza de que resolveria o seu trágico problema era a sua força motriz. Ela pensou em Jesus por causa da sua dor e chegou até Ele pela sua fé. Aquele ditado popular que diz que alguém vai a Jesus por amor ou pela dor chega a ser até antibíblico. A interpretação comum é que a pessoa vai por bem ou por mal. Podemos reinterpretar. Há diversos motivos que uma pessoa pode se chegar a Deus, seja de forma simples pelo ouvir e crer no amor de Deus ou através de uma necessidade urgente. A dor referida não é necessariamente física. Pode ser um desconforto, uma agonia, uma desorientação em que tudo se resumiu em dor.

É agradável ouvir canções que falam de fé, porém, ignoramos o esforço daqueles que exercem a fé para chegarem até Jesus. Não basta somente ter fé verbal ou teórica, o esforço para colocar a fé em prática irá demonstrar a legitimidade da conexão com Jesus. Fazendo uma adaptação ao texto original que aborda as obras, diria que a fé sem esforço é morta. Porém, não basta se esforçar. É preciso integridade na vida cristã para que a fé tenha a forma do texto em Hebreus 11, a certeza do que se espera e a convicção do que não se vê. A mulher logo que tocou as vestes de Jesus, não conseguiu se esconder e Jesus logo falou que foi curada porque teve fé. Ela tinha certeza de que seria curada, caso contrário, não tocaria as vestes de Jesus. Também não é pelo fato de simplesmente tocar Jesus, havia integridade na intenção da mulher. O próprio Pedro falou que muita gente tocava Jesus e como saberia quem especificamente havia lhe tocado? A mulher sabia de quem se tratava e tinha também a convicção do que não se via porque ainda sangrava e queria a sua cura.

Infelizmente, nos dias atuais, a fé tomou proporções fora do padrão da vida cristã. Muitos usurpadores do evangelho mercantilizaram a fé porque enxergou um filão de sobrevivência às custas da ingenuidade das pessoas. Dentre estas pessoas, muitos se esforçam a um deus que nada pode fazer e adotam práticas que nada tem a ver com o evangelho. O Jesus das multidões ainda é o mesmo Jesus dos grandes centros urbanos. A vida mudou, mas, Jesus não mudou e continua disponível para todos que sofrem lhes oferecendo também salvação. Jesus não está presente fisicamente, mas, a fé não mudou, sendo a mesma para se chegar as suas vestes pela fé imutável.

quarta-feira, 27 de março de 2024

A RIQUEZA QUE SOBREVIVE AO MAL

Venancio Junior

Dizem que riqueza não traz felicidade, mas, compra. Geralmente temos a avaliação de alguém feliz pelos bens que possuiu. É uma felicidade passageira porque tudo acaba após a morte onde nada se leva e quem fica feliz são os herdeiros. Já ouvimos muito de que a verdadeira riqueza não é palpável, mas, perceptível no comportamento. Subentende-se que a maior riqueza é, a princípio, o respeito, a dignidade e a honra. Estes valores pertencem a pessoa que faz uso na sua vida, nos relacionamentos, nos negócios, no trabalho, no namoro, no casamento, com os amigos, com os vizinhos, com os estranhos, na igreja com os fiéis, no esporte e em todas as situações sejam elas simples ou complexas. Esta riqueza não é acessível a outros porque é uma particularidade de cada pessoa, mas, plenamente violável na sua integridade. É possível alguém atingir estes valores por razões diversas e até mesmo por vingança. Porém, ninguém (sem exceção) tem o direito de agredir as pessoas na sua maior riqueza que são os seus valores éticos e espirituais. Geralmente, quem o faz não é capaz de reconhecer seus próprios defeitos encobrindo a sua mediocridade. Prejulgamento sem fundamento é leviandade e a pessoa agressora não consegue se desculpar com a virtual vítima. Faz um estrago generalizado e diz que não foi nada muito grave. A pessoa agressora fez uso da sua mais absoluta pobreza de caráter. Preferiu renunciar aos seus valores que constroem pontes e permitiu que a sua pobreza aprofundasse a vala tornando-a intransponível. São pessoas que não se importam e não percebem que praticam o mal que está alojado no coração.

Mas, qual a relação da riqueza com o mal? Em I Timóteo 6:10 diz que “O amor ao dinheiro é raiz de todos os males”. Deve haver uma ponte que faça esta conexão entre o dinheiro e o mal. No contexto do mundo atual, podemos considerar que o dinheiro é a única forma de sobrevida. O mal é uma tendência da natureza humana desfigurada. Então, conclui-se que toda maldade é uma luta por sobrevivência. A sobrevivência, como o prenome indica, é o esforço acima daquilo que a vida exige porque ignora o limite da capacidade. Se há um esforço, então, muitos valores correm um sério risco em serem descartados. A sobrevivência, neste caso, é a conexão.

O que as pessoas estão dispostas a fazer para sobreviver? A disposição em se manter em evidência para muitas pessoas é mais importante que a própria vida. Soa estranho, mas, é a mais pura verdade e a vida é uma daquelas “coisas” que é ignorada no esforço em busca da sobrevivência. Quantos comprometem a saúde física e mental se esforçando mais do que consegue suportar numa busca desenfreada de um padrão de vida que lhes interessa? Comprometem o relacionamento com a família e com os amigos e se perdem em meio aos objetivos que, com o passar do tempo, se tornam confusos. Em qualquer processo o sacrifício é necessário e o que teria de maior valor para dar em troca? Será que está na espaçosa garagem, nas aplicações financeiras, na sua casa, na sua vida social ou na performance física plenamente saudável? Cada pessoa tem os seus valores que não precisa necessariamente ser um bem físico. Infelizmente, dentre estes valores, muitos colocam em xeque a dignidade e a honra. O problema é que estes valores têm a característica de inegociáveis porque, uma vez perdidos, não se consegue recuperar. Quem não negocia os seus valores primordiais, pode ser considerado como alguém muito rico mesmo não possuindo nenhum bem. Muitos moram de aluguel, vendem salgadinhos no sinaleiro, andam a pé pela cidade empurrando um carrinho vendendo sorvete sob um sol escaldante e, talvez, nem sejam aposentados. Caso sejam, recebem um mísero salário-mínimo que não dá para comprar quase nada. Mas, são pessoas de muito valor. Diferentemente do exemplo do tipo de pessoa no início, aqueles que não possuem bens materiais, destaco o caráter elevado, a moral ilibada, a honestidade refinada e tantas outras riquezas que a pessoa pobre possui e que não se consegue com dinheiro. Apesar das dificuldades no seu entorno, não se vende e não recua nos seus princípios.

A Bíblia fala sobre a riqueza e joga muito pesado. Quem ama a riqueza que o mundo oferece não tem parte no Reino de Deus. Onde está o tesouro, ali estará o coração. O objetivo não é falar mal da riqueza, mas, identificar qual a relação com os bens materiais. Engana-se quem acha que o pobre não tem orgulho da riqueza. Mesmo não tendo bens materiais, pode facilmente ser seduzido por um desejo de uma vida glamourosa de luxo. O coração está na riqueza que não possui, mas, deseja. Não precisa possuir bens, onde estiver o coração, pode ser um desejo que já é o suficiente para identificar onde está direcionado.

Pois bem, o cenário do mundo atual é preocupante. Enquanto as pessoas de valor estão acuadas, as pessoas sem valor estão em evidência ostentando tudo o que foi conquistado, inclusive parceiros no amor que, na maioria das vezes, dura pouquíssimo tempo. Quais os valores que causam admiração nas pessoas? Óbvio, se você fica impressionado com a conquista material do outro é porque o seu conceito de valor esteja precisando de uma reavaliação. Considerar o valor de alguém pelos bens materiais que possui não precisa de muito esforço para saber o que precisa mudar. Por outro lado, para considerar alguém pela sua capacidade intelectual em construir uma obra sinfônica ou um livro de filosofia é preciso muito mais que consideração, mas, de envolvimento e profundidade. Quantos cientistas desenvolvem pesquisas com benefícios a sociedade inimagináveis e professores que são os principais responsáveis pela formação acadêmica e vivem anonimamente? Sem falar que ganham seus sustentos de forma honesta e com muito sacrifício e pouco reconhecimento. Mas, as suas riquezas são incalculáveis e beneficiam a todos.

Na outra ponta estão as chamadas celebridades que fazem questão em exibir as suas riquezas. A maioria destas pessoas não tem qualquer formação e não sabem conversar com inteligência. Suas vidas não possuem construção de valores porque investem a exaustão somente na imagem. As ruinas da fama é o destino certo e percebem que o único valor agregado é o vazio existencial. Infelizmente, este é o único valor considerado por aqueles que admiram as pessoas famosas. Muitas vezes, estas pessoas dependentes da fama estão desorientadas e emocionalmente em frangalhos. Mesmo assim, o seu fã-clube permanece ativo e conquistando cada vez mais admiradores. Gerar uma dependência emocional nos fatores externos é um risco muito grande e o preço pode ser alto a se pagar. Os fãs funcionam como algodão doce, o sabor dura muito pouco. Quando a fama acaba, tudo o que a compõe se dissolve.

Aprendemos desde muito cedo que as pessoas boas são aquelas que possuem riquezas e nunca imaginamos que alguma maldade uma pessoa rica possa ter. Julgamos que sejam ricas porque são honestas e merecedoras do conforto e dos bens.  O melhor caminho para identificar é avalizar qual a maior riqueza que a pessoa considera. Sei que é muito difícil distinguir se a pessoa rica seja má. O mundo não precisa de pessoas ricas. Apesar de que os ricos tentam impingir na consciência de que o mundo depende deles. Não depende porque a relação das pessoas com a riqueza deve ser o de beneficiar outros e nunca egoisticamente a si próprio. Não faz sentido alguns poucos se beneficiar da maior parte da riqueza, enquanto a maioria das pessoas possui pouco para o seu sustento. Quando a relação com a riqueza se torna escravagista é preciso impor um choque para quebrar a dependência. Jesus propôs esta decisão radical em vender tudo e distribuir aos pobres. Ele foi bem específico. Enquanto a raiz de todos os males estiver ocupando o coração, a generosidade não terá espaço para brotar.

terça-feira, 19 de março de 2024

O MENDIGO E OS POBRES DE ESPÍRITO

Venancio Junior 

Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos céus Mateus 5:3. Pobres de espírito são aqueles que estão vazios de emoção que os tornam vinculados aos valores materiais. O espírito pobre, neste texto, se refere a um espírito livre no sentido de estar sempre disposto a ser generoso mesmo nada possuindo. Engana-se quem julga que se deve ajudar somente quando se tem com o que ajudar. Ajudar os pobres é um mandamento também para os pobres. 

Mas, qual a relação de Jesus com os pobres? Jesus sempre esteve ao lado dos pobres e marginalizados. Não porque exatamente eram pobres, mas, de certa forma, eram pessoas livres. O rico sempre tem a preocupação com a sua riqueza e o vínculo é profundo que o torna escravo. Em I Timóteo 6:09 “Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição...”. Quem segue Jesus, mesmo tendo riqueza, deve ser livre da escravidão dos seus bens. Tem diversos relatos em que Jesus exemplifica o desprendimento do verdadeiro discípulo das riquezas materiais. Um dos motivos que me inspirou esta reflexão é a distinção entre mendigo (morador de rua) dos pobres. Quero esclarecer que Jesus focou a sua missão nos pobres, mas, não para que deixassem de serem pobres porque a questão da pobreza envolve diversos fatores que não abordarei nesta reflexão. O objetivo da missão de Jesus sempre foi em demonstrar que a generosidade é uma missão do discípulo, portanto, a pobreza é um problema nosso. Pobre é aquele que trabalha e ganha pouco. Mal tem dinheiro para comer, não tem moradia decente e não consegue planejar o futuro, pois, os escassos recursos não o permitem este privilégio, mas, tem responsabilidade civil e social. Já o mendigo, a maioria deles vivem nas ruas como opção e não querem responsabilidade para dignamente ganhar o seu sustento sem que precise depender de esmolas. Todos devem ter responsabilidade sobre as suas decisões, inclusive os mendigos. Sei que é uma afirmação muito polêmica e controversa. Mas, observe o texto de Paulo na carta a igreja de Tessalônica “Nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós”“Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto: que se alguém não quiser trabalhar, não coma também” II Tessalonicenses 3:8 e 10. Esta afirmação de Paulo está em sintonia com a determinação de Deus ao homem antes de ser expulso do paraíso: "No suor do teu rosto, comerás o teu pão..." Gênesis 3:19. Em toda a extensão bíblica há uma clara exortação de que todos devem trabalhar para obter o teu sustento. Não era para ser assim. Este recado vai direto também aos mendigos que não querem trabalhar. Paulo foi claro que não queria que as pessoas se sacrificassem por eles e todo sustento viria da força de trabalho. Provérbios 6:6 é ainda mais duro com aqueles que não querem trabalhar: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio”. Considerar o seu caminho é rever a sua situação e utilizar a sabedoria para progredir na vida. Por que ajudar a quem não quer trabalhar? Ninguém tem a obrigação em ajudar. Nem mesmo Deus nos obriga a isto. Mas, como discípulos, a nossa via da jornada cristã é na contramão do sistema. A disposição em ajudar deve ser com compaixão e alegria. Também não é para os tratar como uns coitadinhos porque a iniciativa em mudar a situação será sempre de quem precisa de ajuda. Infelizmente a maioria não quer esta ajuda, mas, somente uma esmolinha. Muitos deles julgam que a sociedade é obrigada a ajudá-los e quando não ajuda, ficam com raiva. Sinceramente, a primeira pessoa que deveria se revoltar contra esta situação é ele mesmo. Muitos não tem mais força de reação porque emocionalmente estão desgastados e se tornaram dependentes químicos o que agrava ainda mais a situação porque utilizam as drogas, seja álcool ou entorpecentes como fuga de uma realidade degradante. Precisam urgentemente de apoio do poder público. Praticamente todas as cidades possuem secretarias sociais voltadas para os moradores de rua dando-lhes oportunidades de ressocialização. Os dados são desanimadores. De cada 10 apenas 03 permanecem no programa porque a finalidade é recolocação profissional. Quando o assunto é trabalho, muitos deles preferem continuar “empurrando a vida com a barriga” vazia. Os assistentes sociais e psicólogos desenvolvem trabalhos exaustivos voltados para esta classe de pessoas e a opção em permanecer nesta vida miserável que escolhem são inexplicáveis. Passar frio, fome, falta de higiene e humilhações diárias não é algo fácil de suportar. Parece que estes problemas não os afetam mais e a dignidade e a honra foram aniquilados. Isto não significa que não é para ajudar. Para a maioria deles, o dinheiro não fará diferença alguma, pois, utilizam para outros fins que não a sobrevivência. Não conheço alguém que tenha mudado de vida porque recebeu esmola. A mudança só acontece se a própria pessoa desejar e tiver iniciativa. A ajuda tem mais um efeito moral e psicológico para que a pessoa se sinta acolhida. No entanto, para outros, o efeito para este tipo de ajuda funciona como um incentivo para permanecer nas ruas. Uma pequena ajuda não te deixará pobre, mas, irá gerar riqueza da graça porque Jesus quer despertar em nós a pré-disposição em servir. Servir a alguém jamais deve ser por mérito, pois, isto seria justiça aos nossos olhos.

Vamos para o outro lado desta mesma moeda. A ajuda deve ser somente para aqueles pobres que trabalham ou os mendigos também “merecem” esta ajuda? Na concepção do evangelho, de certa forma, a esmola ou ajuda financeira não é exatamente para fazer diferença na vida dos pobres e dos miseráveis. Quando Jesus fala em ajudar os pobres, a maior ênfase é para aquele que ajuda, desvencilhar o coração dos bens materiais. O evangelho é bem claro quando diz sobre aqueles que tem muito para ajudar quem nada tem. Neste processo de um ajudando o outro, ninguém passaria fome ou qualquer outra necessidade. Para que isto funcione é preciso que cada um faça a sua parte com generosidade. O mundo possui dinheiro e comida suficiente para acabar com a miséria e a fome. Muito simples, se alguém está passando fome é porque o outro tem comida em abundância. A bíblia sempre relata o desafio da prática da generosidade. O discípulo é em suma, generoso. O apóstolo Paulo traz uma exortação na carta de I Timóteo 6:18 “Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir”. Se os recursos entregues para alguma causa social fizer diferença na vida das pessoas, então, a conexão espiritual foi eficaz na vida de quem doou. Se a ajuda aos miseráveis não surtiu o efeito desejado, isto não significa que não houve sinceridade no serviço, simplesmente o ato em si não foi correspondido por aquele que foi ajudado. Observe o diálogo entre Jesus e o homem rico “Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu” Mateus 9:21. O foco de Jesus nunca foram os pobres, mas, o coração do jovem rico. Talvez os pobres continuassem pobres mesmo com aquela ajuda, mas, esta generosidade proposta por Jesus deixaria aquele homem num estágio espiritual elevado e rico em graça. Ele não se conectou com a mensagem e decidiu permanecer pobre na graça e com o coração nas suas riquezas. No lugar do jovem rico, o que você faria? 

Os desafios no mundo estão cada vez mais intensos. A generosidade não é somente dar dinheiro e ajudar os pobres. Qualquer gesto de apoio em suprir a necessidade do próximo independentemente de quem seja é uma característica de generosidade. Não precisa falar a mesma língua e nem pertencer a mesma classe social ou a mesma religião. A generosidade não tem cor e não tem sexo. Ela deve ser praticada nas ruas, em casa, no clube, no trânsito (difícil, hein!?), na igreja e em todos os lugares para os ricos e para os pobres. Por isto que a verdadeira igreja não tem parede e nem nome. Deus não criou uma religião para viabilizar a generosidade. A prática deve ser onde estiver e para o próximo que esteja próximo. O desafio de Jesus é romper com o nosso padrão. Amar a quem já se ama não é nada desafiador. Amar os inimigos é o maior desafio. Imagine ser generoso a quem o prejudica? Imagine ser generoso para quem te traiu? Imagine ser generoso com os seus desafetos? Quem nunca se revoltou com o lixo espalhado pelos mendigos? É uma cena deprimente quando na região que se mora houver mendigos por todos os lados e, às vezes praticando alguns delitos, tipo, roubar o cabo de internet da casa. Jesus afirma que devemos dar a outra face. Isto não significa que se deva deixar o mendigo entrar na sua casa e fazer o que quiser. A proposta da outra face é, primeiramente não revidar da mesma forma, mas, mostrar o outro lado desta mesma moeda. Onde houver tristeza, leve alegria, onde houver rancor, leve o amor, onde houver guerra, leve a paz e onde houver fome, leve comida. Dar a outra face e amar os inimigos é a contraproposta do evangelho. Não ajude o próximo como um desencargo de consciência, mas, para se manter conectado com Deus que torna o nosso espírito vazio do mundo e cheio da sua graça.

VIDA MECÂNICA

Venancio Junior

Um mecanismo é conhecido pelo fato de todas as peças estarem interligadas e cumprem rigorosamente a função destinada a cada um. Se uma das peças falhar, todo o sistema é comprometido. Não há variedade na dinâmica e funcionar de forma diferente é impossível. Utilizei esta metáfora para demonstrar que existem pessoas que funcionam como um mecanismo ordinário. Tudo está interligado na mente funcionando da mesma forma todos os dias. A pessoa se acomodou e não quer mudar e não permite que alguém ouse mudar a sua vida. Uma vida mecânica que não permite variações.

Alguém conhece uma pessoa que tenha uma vida mecânica? Fugir da rotina para este tipo de gente é padecer no paraíso. A pessoa evita certos caminhos que tem certeza de que não tem controle do que vai acontecer. Também evita aquelas pessoas que param no meio do trajeto para conversar e começa a desconversar ou ser econômica nas palavras para se livrar o mais rápido possível daquela situação. Apesar de que na essência supostamente haja alguma similaridade, é bem diferente de alguém que tenha uma vida padrão. Padrão tem muito a ver com qualidade e respeito aos princípios. Não tem como utilizar o termo negativamente, por exemplo, maus costumes é relativo, neste caso, a vida mecânica, enquanto que, vida padrão tem a ver com bons costumes, pois, permite variações e também inovações desde que não comprometa os princípios.

Esta característica de pessoa tem diversos adjetivos e metódica é uma delas. Outro termo popular seria afirmar que a pessoa tem "toque". O que leva alguém a adotar este tipo de comportamento? Timidez? Insegurança? Medo? Conviver com uma pessoa assim é bem difícil. Ela pode não ter como causas tudo que relacionei, mas, será um relacionamento com um pouco de atritos involuntários. Aliás, relação é contato. Existe a relação de lista e relação de relar mesmo, literalmente fazer contato. Os diferentes se esbarram e o contato é inevitável em qualquer relacionamento.

Cada pessoa tem a sua maneira de ser e viver. Evitando caminhos e pessoas que a forçariam a ter um comportamento que não esteja disposta a assumir ou não está acostumada. Diria que, mesmo com os avanços tecnológicos que permitem um determinado isolamento físico, a maioria das atividades requer deslocamentos e contatos. São inevitáveis. Tem pessoas que preferem viver sozinhas seja dentro de uma pequena casa ou apartamento e até mesmo isoladas da área urbana preferindo um lugar em meio ao mato junto a natureza. Para quem está habituado com agito da cidade onde é tudo mais prático nas necessidades diárias, se isolar temporariamente também é uma opção saudável como forma de descarregar as energias emocionais acumuladas e ter um tempo para pensar em novos projetos, aproveitando o descanso do corpo e da mente. Muitos poderiam aproveitar este tempo para rever a si mesmo. Não se iluda achando que nesta vida momentaneamente pitoresca não precisará de rotina. A rotina é algo saudável porque a biologia do corpo exige que tudo funcione “mecanicamente” correta. Comer a cada duas horas, ir ao banheiro tres vezes ao dia pelo menos, ingerir água potável numa quantidade mínima necessária e dormir no mínimo oito horas por dia são mecanismos naturais do corpo. Não tem como controlar ignorando o seu funcionamento natural. Enganar a fome, o sono, a sede e outras necessidades naturais pode causar males irreversíveis, pois, o seu funcionamento não deve ser interrompido. Esta parte do mecanismo da vida é inegociável e não há discussão sobre isto. A vida tem a sua funcionalidade mecânica que precisa ser mantida, sendo um conforto porque não precisamos nos preocupar se o estômago vai digerir o alimento ou se vai ter pão na padaria no dia seguinte. O mecanismo tanto biológico como da vida urbana está trabalhando para permitir o nosso conforto. Imagine toda a complexa funcionalidade do organismo? Caso não tivesse uma mecânica padrão de funcionamento, os órgãos teriam suas funções comprometidas.

O meu objetivo é falar daquilo que tem vontade, desejo, criatividade, ambição e que quebra todos os tipos de rotina, me refiro a mente e o coração. No cotidiano há diversas situações que nos faz mudar a rotina. No trabalho cada um tem a sua rotina, em casa com a família, a rotina é presença constante na hora do banho, na hora do jantar e nas brigas, por que não!? Pessoalmente tive uma pequena crise de rotina. Fiquei processando sobre a rotina do trabalho principalmente e não conseguia concluir onde iria chegar. Talvez seja este o problema da rotina, de certa forma, não se enxerga um fim. Nesta situação, a melhor decisão é ficar calmo e diluir todo o processo. Tem coisas na vida, dentre muitas outras que não temos o controle e, mesmo se tivesse, não tem como mudar. Qualquer intervenção fora do padrão é muito arriscada. A rotina do trabalho deve ser considerada da mesma forma que a rotina do banho, do sono, da alimentação e outras atividades que são essencialmente necessárias. O que não se pode é canalizar a mente num pensamento pessimista. Qualquer rotina deve ser diluída. Imagine tomar banho de hora em hora? Imagine tomar uma refeição ou ter de dormir a cada duas horas? Apesar de serem atividades boas e úteis, quando se tornam intensas sem um intervalo natural de descanso mental, com certeza se tornará algo extenuante gerando repulsa até naquilo que se gosta de fazer. No meu caso, mudei a perspectiva e enxerguei como algo positivo e a diluir as atividades deixando a preocupação com o trabalho no próprio trabalho. Em casa o foco era a convivência com a família. Tenho muita saudade daquele tempo em que as crianças eram pequenas e tínhamos a rotina de casa e nos finais de semana íamos ao bosque ver os bichos, ir ao clube jogar tênis, brincar no playground e chutar bola e soltar pipa no parque. Uma rotina maravilhosa.

Na vida comum do cotidiano, tem situações que devemos ter a consciência de que não temos o controle e isto não é algo que deva ser visto como algo negativo. Mesmo não gostando, a mudança de perspectiva é o passo inicial que poderá mudar o sentimento que anula o prazer em reverter aquela situação. São os chamados desafios que nos faz crescer como pessoa e amadurecer emocionalmente. Algo que devemos ter muito cuidado é com o acúmulo de maus fluídos emocionais. A ansiedade e depressão são causadas por este excesso de sentimentos negativos que explodem nestas crises. Pode ser algo pequeno que se agiganta quando associado com outras emoções ruins. Precisa ter em mente de que a rotina, mesmo que aparentemente não seja algo tão legal, possa ser necessário porque alguém confiou o trabalho a você ou alguém depende de sua responsabilidade e até mesmo da sua ajuda. Se, porventura, encontrar com alguém que você não gostaria, quem sabe aquela pessoa esteja precisando de uma palavra amiga ou simplesmente um pouquinho de atenção já seja o suficiente para mudar a vida naquele dia. Considere também que jogar conversa fora seja algo que pode ser utilizado como forma de descarregar o acúmulo de emoções da rotina.

Que tal adotar a rotina em diluir os excessos que sobrecarregam a mente? Enxergue cada dia como um tempo em aproveitar as oportunidades. Jamais menospreze os encontros e desencontros. Tenha o controle, mas, deixe-se surpreender e aceite os desafios da mecanicidade da vida. Cada pessoa é parte de um mecanismo chamado existência. Ignorar ou fugir seria como deixar de existir.

terça-feira, 12 de março de 2024

LEMBRANDO DE DEUS NA TEORIA

Venancio Junior

A religião nunca foi tão buscada e propagandeada. Em tempos de multimidia diversas, a facilidade em expor os posicionamentos políticos e, principalmente religiosos, revelou que há uma carência espiritual nas pessoas. Quanto mais intensa esta busca e o grau de sacrifício imposto, mais profundo é o vazio interior. O problema não está em buscar uma força superior que faça diferença na vida, mas, qual tipo de deus que está se buscando e as formas aplicadas para que o objetivo seja atingido e as necessidades satisfeitas. Neste processo, se distingue dois grupos principais. O primeiro é formado por aqueles que compreenderam e aceitaram o evangelho de salvação e alcançaram de alguma forma os seus intentos através da graça de Deus e conforme a sua boa, agradável, perfeita e soberana vontade e no outro grupo pertence àqueles que continuam a busca e mantem os rituais que lhes foram ensinados e, muitas vezes, criam suas próprias performances devocionais e vivem confortavelmente a superficialidade da teoria da religião.

No caso dos dois grupos, permeia a disciplina que é uma postura abstrata que pode ter uma característica de costume ou ritual onde prevalece uma rotina. É algo fundamental em todas as áreas da vida. Sem a disciplina, muitas coisas se perdem e os resultados almejados não chegarão. Na vida mística/religiosa, a disciplina pode ser uma libertação ou escravidão. A disciplina libertadora tem os seus fundamentos no evangelho que apresentou Deus para o ser humano. Não adianta insistir na crença de que qualquer religião leva a Deus. Aliás, nenhuma religião leva a Deus, pois, por si só se apresentou como criador da existência. Deus é educado, “...chegai-vos a Deus e ele chegará a vós” Tiago 4:8. É preciso o passo inicial para iniciar esta grande jornada rumo a espiritualidade genuína. Não basta ter disciplina com os processos errados. Não basta investir emoção para deuses errados. Chegar a Deus é conhecê-lo a cada dia e gerar um relacionamento de intimidade entre pai e filho ou entre criador e criatura. Este processo vai muito além da teoria em que os rituais são vazios. O relacionamento com Deus não envolve entidade, mas, pessoas para exercitar e crescer na comunhão. Também não adianta amar a Deus que não vê e não amar ao próximo que vê, inclusive aqueles que são potenciais inimigos. O envolvimento através dos talentos também faz parte da disciplina sendo uma das cobranças que Deus fará no juízo final. A parábola dos talentos não é apenas mais uma “historinha sem importância”. Tudo deve ser feito para a glória de Deus e os talentos têm esta única finalidade em glorificar a quem ofereceu gratuitamente todos os talentos. "Assim, seja comendo, seja bebendo, seja fazendo qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" 1 Coríntios 10:31. Nada referente a isto é prodígio do ser humano. Jesus quando estava sendo julgado afirmou a Pilatos: “Nenhum poder você teria se do alto Deus não lhe concedesse” João 19:11. Mesmo o contexto sendo totalmente diferente posso afirmar que nenhum talento qualquer pessoa teria se do alto Deus não concedesse.

Infelizmente existem muitos que conhecem a verdade e na prática abandonaram a libertação que foi concedida. Possuem talento e habilidade para serem investidos na expansão do Reino, porém, vivem uma vida cristã somente na teoria. Nos tempos modernos com o auxílio da facilidade das mídias sociais levam uma vida cristã na teoria. Compartilham coisas de Deus, mas, não vivem aquilo que compartilharam. Limitam-se a apenas navegar pelo celular deitado na cama exortando os outros pelas redes sociais e falando em vida cristã sem assumir como uma autocrítica. Criticam os falsos profetas, mas, na prática, a farsa está no vácuo da teoria. Falam de amor, mas, não vivem a comunhão com os irmãos. Falam que o mundo está perdido sem Deus, isto é fato, mas, se perdem em meio as meras teorias vazias em que o talento não resultou em conteúdo que faria diferença na vida das pessoas porque não há envolvimento prático. Deus irá cobrar o que foi feito com o talento. "Pois quem usa bem o talento que lhe é dado, ainda mais será dado, e terá em abundância. Mas, quem é infiel, mesmo sendo pouco o talento que ele tem será tirado. Agora joguem este servo inútil para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” Mateus 25:29,30. Deus joga muito pesado chamando aqueles que levam uma vida cristã na teoria de inúteis. Sei que está muito associado as palestras dos “coaching”, mas, Deus também gosta de resultados. Na bíblia é a tradução para render frutos para o Reino. "E também agora está posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo" Mateus 3:10. Este é o mesmo conceito da parábola dos talentos. Multiplicar os talentos é produzir bons frutos.

Um exemplo de falta de disciplina que leva a pessoa a se lembrar de Deus somente quando as coisas não estão bem é o texto relatado na história do filho pródigo. O filho mais novo exigiu do pai antecipadamente a sua parte na herança e sumiu no mundo para viver a sua vida do seu jeito. Perdeu a disciplina que aprendeu em casa e se perdeu completamente tendo que comer a mesma comida dos porcos. Neste estado miserável, lembrou-se do conforto da casa do pai. Teve que dar novamente o primeiro passo rumo a jornada de reconstrução da vida que tinha. Não é fácil reconhecer os próprios erros e se humilhar para viver de novo a liberdade de uma vida disciplinada. O pai o recebeu de braços abertos e com muita alegria. Da mesma forma, Deus também nos recebe de volta quando nos arrependemos da nossa vida indisciplinada. A disciplina que nos escraviza é aquela em que perdemos o foco e a consciência de que fomos feitos servos para servir ao Deus que nos garante a liberdade da disciplina para usufruir de uma vida abundante de frutos.

Tem aquele grupo de religiosos que são muito disciplinados e impõem a si mesmos sacrifícios como gratidão ou devoção para fortalecer a espiritualidade. Vivem a religião da casca de cigarra. A cigarra quando troca a roupagem, ela deixa a casca no formato do seu corpo, porém, é oco por dentro. Tem aparência, mas, não tem conteúdo. Muitos dos sacrifícios religiosos tem este fundamento com aparência de religião, mas, é oca por dentro. Mesmo mantendo a rigidez da disciplina, em nada resulta porque são baseadas em teorias vazias. O sentimento principal e, muitas vezes único é manter a tradição. Jesus exortou aqueles que valorizam mais a tradição do que o seu evangelho. Suponhamos que todo ritual é direcionado a Deus. Tudo certo neste caso? Claro que não porque os rituais fogem das ordenanças bíblicas. Primeiro que todo sacrifício Jesus já fez na cruz e não há mais necessidade de qualquer esforço neste sentido. A dinâmica de toda atividade na relação com Deus é de adoração em espírito e em verdade. Noutras palavras seriam conexão e dedicação e sinceridade com ações. É risível quando as pessoas supostamente recebem alguma benção e dedicam um sacrifício desproporcional. Decidem fazer uma longa caminhada e alguns o faz de joelhos causando feridas profundas. Onde está escrito na bíblia que isto é uma exigência de Deus? Se for exigência dos homens, é sacrifício de tolos. Por que não dedicam algo bom? Um talento que se tenha, dedique a Deus como gratidão. Dedique uma música, uma poesia ou qualquer outra expressão artística.

Lembrar de Deus é muito bom principalmente quando, em tese, não há motivos de favores recebidos. Sempre devemos lembrar de Deus pelos seus grandes feitos como diz o salmista. Toda lembrança deve vir acompanhada intencionalmente por expressões de louvor e gratidão.