Venancio Junior
Os
estados físicos sólido, líquido e gasoso da matéria são conhecidos ainda no ensino fundamental. A ciência
desvenda os mistérios que compõe o nosso planeta com pesquisas e estudos
aprofundados. Conhecer o comportamento de cada matéria é fundamental para a
evolução da vida humana, animal, vegetal e mineral.
Esta
terminologia não é aplicada somente no campo da ciência das matérias. Na área
de humanas tem sido intensificada esta aplicação, especificamente no vasto
campo da psicologia do relacionamento que define a sua característica no meio do trajeto quando
já existe um longo trecho percorrido. Porém, não existe relacionamento gasoso. O
que se aplica, na verdade é uma força de expressão que revele o “status-quo” da
parceria em que as pessoas decidem se envolver sendo aplicável na vida conjugal, profissional
e social basicamente. Devido às inúmeras dificuldades em que qualquer
tipo de relação sofre, tomei a liberdade em incluir o estado ácido. O ácido
pertence ao estado líquido, porém, é corrosivo. Neste caso, então, existem três
tipos de relacionamento, sólido, líquido e ácido. Percebi que o relacionamento ácido,
contrariamente aos dois primeiros, é um tipo em que a pessoa ainda esteja
envolvida por obrigação com alguém ou no trabalho por motivos que fugiram das circunstâncias normais.
Pode ser financeiro quando não se tem recursos para uma mudança brusca de vida e, no caso conjugal, junte-se a isto a questão dos
filhos para não gerar traumas. Nenhum dos três é
perfeito onde os problemas são plenamente factíveis.
De
cara já desmistifico qualquer definição que espalham por aí de que no relacionamento quaisquer que seja, é possível viver com liberdade sem entrega. Por menor que seja o compromisso assumido, mesmo assim, não é possível. A
partir do momento em que há um envolvimento, o óbvio é que haja uma
entrega, não importando se é em maior ou menor grau. Quanto mais tempo de convivência, mais
intimidade, mais envolvimento e mais entrega. No momento que houve a entrega,
será que a pessoa que recebeu um “pedaço” de você fará bom proveito? Será que
você fará bom proveito do pedaço que lhe foi dado? O sentido de dar, neste
caso, não é uma transferência de propriedade, mas, descobrir e usufruir do
melhor da pessoa na relação de trabalho, social ou conjugal.
A
melhor forma de se relacionar é na teoria e a pior é na prática. Esta “verdade”
nunca muda para os pessimistas e os desiludidos. O problema é que muitas
pessoas ainda se mantêm no campo da teoria por medo em arriscar. Alguns para
amenizar o sofrimento da prática, mantem um pé dentro e o outro fora. Mais
desconfiam do que confiam na outra pessoa.
Relacionamento
é a melhor e, talvez a única forma de crescimento como pessoa. No trabalho acontece a troca de experiência. Na vida social, a descontração favorece uma aproximação sadia ou não, depende muito da personalidade de cada um. Na vida a dois, a intimidade é um grande desafio em que o respeito aos limites deve ser preservado. Digo isto porque
envolve mais dedicação ao próximo do que qualquer outra postura no compromisso
com o semelhante. Tem aquelas pessoas que preferem viver sozinhas, mas, mesmo
assim não conseguem se relacionar consigo mesma e tratam as outras pessoas com
rispidez. Imagine quando alguém “invade” a sua privacidade? Agem desta forma
por insegurança e medo de que queiram algo de si. Será que decidiu viver só
porque se tornou alguém insuportável? Não, os insuportáveis são sempre os
outros, diria o solitário. Não existe vida social, não existe família e não existe trabalho sem o processo do
relacionamento. Na religião, não existe igreja sem o relacionamento porque a
estrutura de formação é ajuntamento e comunhão. Quem pensa que na igreja o relacionamento é perfeito, engana-se. Diferentemente da sociedade secular, a igreja é um lugar onde se aprende sobre o amor ao próximo que é o princípio de todos os relacionamentos possíveis. Entenda que igreja a que me refiro não é somente os templos que conhecemos, mas, onde os discípulos que compreenderam o evangelho se reúnem para discutir mais sobre Deus e aprendem que não existe relacionamento eficaz sem amor. Deus é amor e nos amou primeiro e a nossa relação com Ele tem como estrutura primária amá-lo acima de todas as coisas. A bíblia chama de mentiroso quem diz que ama ao Deus invisível e não ama ao seu próximo visível.
O
relacionamento sólido é aquele que tem raiz e mesmo diante de dificuldades, se
mantêm intacto na estrutura com objetivos de construir valores para continuarem
juntos. As pessoas envolvidas têm o mesmo objetivo e isto facilita
consideravelmente a relação. Apesar da pulverização do conceito de
relacionamento, ainda existem casais, amigos e familiares que se amam e querem se relacionar. Porém,
tudo tem o seu limite, mesmo o relacionamento sendo sólido, não se deve deixar
que o coração seja absoluto nas decisões onde mais apanha do que bate. Por
outro lado, a razão é necessária para dar equilíbrio e força na construção do
relacionamento. Razão e coração devem caminhar juntos e serem parceiros na
alegria e na dor um suportando o outro.
No
relacionamento líquido, há meramente um compromisso, porém, sem se aprofundar
não formando raiz. Geralmente a motivação é por algum interesse conveniente. Durante
o tempo que permanecem juntos não se aprofundam e permanecem apenas na
superfície e se dilui por falta de envolvimento. Este tipo de relacionamento em
que não há envolvimento e não há qualquer pré-disposição neste sentido,
geralmente é movido por interesses que não visam construir pilares na relação,
pois, o objetivo é apenas extrair da pessoa aquilo que lhe satisfaz, nada mais
que isto. Muitas pessoas se tornam apenas úteis, inclusive, nos relacionamentos
conjugais que, infelizmente, estão se tornando líquidos e quem sofre são os
filhos e os familiares. Antigamente a esposa era útil porque se limitava a cuidar
da casa e o esposo porque pagava as contas. Este tipo de relacionamento mudou
muito. A mulher tem adquirido com muito esforço e mérito o seu espaço de
vanguarda na sociedade. Tem um outro ponto que, por incrível que pareça, também
sofreu mudanças significativas, o ato conjugal no sexo. Alguns casais não eram
criativos e se mantinham tradicionalmente em que o homem é ativo e a mulher
passiva apenas para procriação. Com esta mudança de paradigma, nem tudo está
perdido, ambos agora são, no mínimo, úteis um ao outro porque se descobriram no
sexo. Conheço casais evangélicos em que cada um mora na sua casa e se encontram
apenas para namorar. Morar juntos é algo impensável nesta condição e não consta na agenda qualquer plano futuro neste sentido. Um típico
relacionamento líquido sem raiz. Isto não é "privilégio" de casais de meia idade e divorciados e que estão num novo relacionamento e já tenham filhos independentes. Existem jovens casais que optaram em morar separados, não ter filhos e ter a companhia apenas de um animal de estimação. Diria que é um relacionamento "minimalista".
O
relacionamento ácido é o pior de todos. Muitos preferem o termo tóxico porque vivem
sufocados na relação. Optei pelo termo ácido por causa da corrosão numa
condição em que, por motivos que fugiram do controle, a permanência dentro do relacionamento
persiste. A pessoa não está somente sufocada, mas, também se desintegrando por
dentro. A alegria, o prazer, a criatividade e a esperança estão sendo corroídas.
Por algum motivo há a obrigação em se manter na relação. Alguns exemplos, no
trabalho quando o superior tem um comportamento em se impor à revelia do que
seja adequado ao trabalho ou o ambiente é muito carregado pelo mau humor e reclamações,
a falta de reconhecimento profissional e a instabilidade no trabalho tornam o
relacionamento profissional muito ácido, porém, precisa se manter porque o
trabalho é fundamental para o sustento. Na vida social, um vizinho ou um
familiar que não coaduna com o tipo de pessoa e que sempre está provocando e
qualquer reação comprometeria outros fatores importantes nos contextos da
moradia e da família. Mais recentemente, a polarização política foi o principal motivo de muitos
relacionamentos se tornarem ácidos e revelou a acidez de algumas pessoas. Estas
pessoas que brigaram pelas redes sociais e nos encontros familiares ainda
mantêm o contato, mas, o desgaste é inevitável e não há qualquer perspectiva de
uma reconsideração de ambas as partes. Muitos casais, amigos e até familiares
cortaram o relacionamento porque se tornou ácido. Optaram em se distanciar a
utilizar o bom senso em manter o relacionamento. Quando isto é possível,
resolve o problema em não se desgastar emocionalmente que é o que mais sofre.
Outro
grande problema no relacionamento ácido, especificamente na vida conjugal que,
além da obrigatoriedade no compromisso, está constantemente sendo construídos
pilares para que o relacionamento forçosamente se mantenha, porém, a projeção
no horizonte está sem perspectiva. Quem nunca ouviu falar que muitas pessoas,
sem saber, dormem com o próprio “inimigo”. O pior deste nível é a confiança
depositada o que, nesta condição, espera-se algo em troca. Como já afirmei
noutra reflexão, relação é contato, mas, jamais deve ser a nível de agressão
física. Nos últimos anos, temos visto nos relacionamentos que se tornaram
ácidos muitos feminicídios. Contrariamente ao que se imagina, existe também o
“masculinicídio” quando a mulher tem o objetivo de eliminar fisicamente o
parceiro. O número é relativamente bem menor porque culturalmente o homem se
julga o dominador. É diferente quando acontece por defesa pessoal em que a
mulher esteja sendo ameaçada. Em todo caso, estes absurdos extremos acontecem
porque a relação se tornou ácida. Não existe matéria que resista ao ácido.
Enquanto a superfície permanecer exposta ao ácido, a corrosão se aprofunda. É
um termo apropriado porque relação é contato e não há resistência quando uma
das partes perdeu o foco da vida a dois que é um dos pilares de sustentação do
relacionamento. Há um outro grande problema também em que a acidez do
comportamento corrói o charme, a elegância e a dignidade que são valores
inegociáveis. O charme e a elegância ainda são possíveis recuperar, mas, o
respeito com relação a dignidade quando se perde, não há atitudes que se
reconquiste. O cônjuge sempre terá um olhar de desconfiança. Quem perde o
respeito uma vez, perde duas, três vezes ou infinitamente porque o ácido
corroeu e nem a psicologia conseguiu alguma forma que resgate a dignidade.
Infelizmente,
há relacionamentos em que não se enxerga uma solução para diluir o ácido.
Existem muitas pessoas que vivem ou sobrevivem dentro de um relacionamento em
que o casal perdeu a sintonia e a sincronia. Há situações de perda de identidade quando o ninho fica vazio. Daí, a atenção se torna exclusiva ao outro e percebem que se tornaram “ilustres desconhecidos”. O olhar fica perdido e sem sentido e precisam realinhar o foco. O motivo em se manter dentro do
relacionamento não é mais por amor e o carinho ao outro não faz parte das
atitudes de afeto. Muitos casais não se separam porque não tem dinheiro, então, é melhor continuar casado e ter uma vida razoável. Outros além de não ter dinheiro, moram mal e são infelizes no relacionamento e seria muito pior separados,
principalmente para a mulher. Nem vou entrar no mérito do relacionamento destes
casais onde o fator financeiro é um problema porque há um conjunto de fatores
que agrava a estrutura conjugal e o problema, talvez, não seja exatamente a
incompatibilidade no relacionamento.
No
caso conjugal, alguns fatores devem ser considerados. O maior índice de
separação acontece nos casais que possuem boas condições financeiras. O índice
ainda é maior quando a mulher é independente. Tem relacionamentos que se perdeu
a conexão e não estão mais em sintonia. Conexão e sintonia mesmo similares, são
coisas diferentes. Para que haja sintonia é preciso ter a conexão. Enquanto sem
a sintonia, a conexão perde a razão de ser. Em tempos de internet, o fato de não sintonizar o conteúdo
digital, não significa que esteja sem conexão. No relacionamento, o ambiente é
a conexão. O propósito é a sintonia. É possível sobreviver num relacionamento
ácido porque ainda compartilham o mesmo ambiente, porém, estão fora de sintonia
nos objetivos. Resolver esta questão é uma decisão muito pessoal. Cada pessoa
deve considerar os ganhos e perdas. Ninguém merece viver uma vida onde as
frustrações sejam incessantes. Cada pessoa tem o direito de ser bem-sucedido
nas esferas da vida que o envolve. Por isto que falei sobre a razão e o
coração, um dando suporte ao outro. Tem situações que, numa eventual e
momentânea crise, o coração precisa se antecipar e realinhar o relacionamento.
A razão deve entrar em campo quando a situação se tornou insustentável e não se
consegue encontrar um denominador comum para que a sintonia seja restabelecida.
O desgaste é o pior fator a ser considerado e a conexão deve ser interrompida
imediatamente. Feridas estão abertas e as chances no processo de cicatrização
serão bem maiores quando se cortar o mal pela raiz mesmo que o coração sofra.
Um detalhe importante para que haja mudança significativa é se reconhecer no relacionamento. Perceba que tipo de diferença houve na sua vida e se continua sendo a mesma pessoa do início. Nunca perca a razão no sentido de deixar o bom senso avaliar a qualidade sua e da outra pessoa antes que o ácido consuma o resto que ainda seja possível resgatar.
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