Venancio
Junior
A
igreja de nossos dias vive uma extensa e profunda crise de integridade. Mesmo o
propósito sendo correto, muitos pastores ensinam errado e, apesar de muitos
negarem, os fins são escusos. As pessoas têm um destino certo na mente, porém,
estão trilhando o caminho errado. Isto descaracteriza a igreja que se torna
apenas uma instituição frequentada por pessoas bem-intencionadas. A igreja
verdadeira não tem CNPJ, talvez tenha razão social além do propósito em fazer
diferença no contexto das empresas, das famílias, dos clubes, das ruas e até
aos confins da terra que é onde a igreja que está em cada um de nós deve atuar.
A
descaracterização da igreja não é algo recente. Desde o seu início como
instituição eclesiástica quando foi lançado os seus fundamentos por Jesus
Cristo, a igreja nunca teve sossego, pois, a sua função é se contrapor ao
sistema que, de um lado, há o império político controlado pelo capital e do
outro uma sociedade libertária que se ilude em defender uma falsa liberdade. A
igreja está exatamente no meio para fazer diferença em ambos os lados e de lá
nunca saiu e nem deve sair. Tem um texto bíblico que revela este posicionamento
imersivo da igreja na sociedade. Saulo ainda era oficial do exército romano e
perseguia a igreja. Observo que nesta época, a igreja se reunia nas casas e
Saulo mandava invadir e prender os homens e as mulheres recém-convertidos e os
que ficavam dispersos continuavam a pregar (Atos 8:3,4). A igreja regular já
existia e estava se espalhando.
Os
grupos que se denominam como igreja cresce a cada dia e defendem os seus
princípios e cada uma delas apresenta o seu deus. Todas são unânimes em assumir
que seguem o evangelho de Jesus Cristo. Conhecemos o velho ditado em que “cada
cabeça há uma sentença” e isto não fugiu à regra no surgimento de cada igreja
com sua sentença conforme o evangelho que tem sido adaptado para conveniência
dos seus principais líderes e seus asseclas. Por exemplo, leia o texto de I
Coríntios 6:9,10,11 “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de
Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os
efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados,
nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus”. Este texto
tem algumas coisas que passam desapercebidas. Quando fala sobre os injustos,
não está se referindo as pessoas que não tem a bondade como princípio de vida, mas, àquelas que ainda não foram
justificadas em Cristo. Outro ponto, “Não erreis”. Se alguém erra é porque
está tentando acertar. Então, subentendem-se que a igreja de Corinto era bem-intencionada e tinha a missão de falar sobre a salvação. Porém, provavelmente, estava errando
em algumas das coisas citadas por Paulo. A dúvida que surge é, porque somente a
palavra “efeminado” que alguns estudiosos pertencentes a linha evangélica
progressista afirmam que houve um equívoco na tradução? Somente o adjetivo
sodomita já abrange todas as más condutas relacionadas no texto de Coríntios. Paulo
foi direto, incisivo e não deixou margem para dúvidas doa a quem doer. Será que
roubadores, mentirosos, bêbados, idólatras, ladrões, adúlteros e avarentos não
houve também uma má interpretação? Talvez estejam magoados porque foi
colocado no mesmo pacote das pessoas literalmente más. Lembro que a pessoa boa na
perspectiva humana não é boa na perspectiva de Deus conforme conhecemos no
evangelho.
Onde
aconteceu a primeira igreja organizada? Conforme o que a igreja da Etiópia acredita e defende, quando
Filipe batizou (Atos 8:38) o funcionário eunuco da rainha etíope que cuidava do
seu tesouro, teve início, então, a primeira igreja pós-Jesus Cristo. Se
considerarmos o mandamento de Jesus “Ide e fazei discípulos” (Mateus 28:19),
não teria como contestar esta afirmação dos etíopes, exceto se lermos o texto
de João 4:39 em que muitos se converteram em Samaria por causa do testemunho da
famosa mulher samaritana do poço que conversou com Jesus (João 4:28,29) que
revela que a igreja já estava atuante antes da conversão do eunuco. A própria
afirmação de Jesus de que estaria presente onde dois ou três estivessem
reunidos no nome dele (Mateus 18:20) demonstra que a igreja já se reunia
regularmente.
Após
este êxtase quando a igreja ia pipocando aqui e acolá, houve muitos
questionamentos. Paulo já havia levado uma rasteira de Jesus e se converteu,
sendo um dos principais fundamentalistas do evangelho. Aconteceram alguns
embates e discussões no famoso concílio de Jerusalém que foi um divisor de
águas da igreja cristã. Surgiu uma dúvida entre os presentes, se os gentios
(todos os não judeus) quando se convertessem se precisariam seguir a lei
mosaica (lei de Moisés). Pedro respondeu que a salvação era pela graça. Após
isto, Tiago, irmão de Jesus e bispo da igreja de Jerusalém ratificou esta
decisão em não molestar os gentios que se convertiam. A igreja estava tomando
forma, não somente espiritual como o corpo de Cristo, mas, também como
instituição eclesiástica. De lá para cá, os seareiros lançavam a semente do
evangelho e as que caiam em terra fértil, brotavam e geravam frutos. Assim
funciona a igreja lançando a palavra em obediência ao Ide de Jesus.
Muita
coisa mudou e o mundo se modernizou com inúmeros recursos que facilitaram a
vida e seguem o que Paulo afirmou que utiliza de todos os meios para pregar o
evangelho a tempo e fora de tempo. O fundamento do evangelho, mesmo se
contextualizando, não acompanha esta mudança e se mantem intacto desde a época
dos apóstolos. Se não houve mudança nos fundamentos, por que se prega um
evangelho diferente? Algo que não consigo entender é que a igreja é um corpo só
em Cristo, porém, há centenas de ramificações doutrinárias. As principais são a
conservadora, regular, reformada, pentecostal e a progressista liberal. Dentre
estas ramificações existem outras subdivisões e cada uma segue a orientação dos
seus “gurus” que se colocam como iluminados. Desta forma a igreja primitiva
ficou sufocada neste imbróglio denominacional. Para complicar mais ainda,
existem os desigrejados que é a "igreja" que mais cresce no mundo. O
que seguem estes que não frequentam nenhuma igreja? Em parte, até concordo
porque o mundo institucional religioso está confuso. Mesmo com a proposta de
que todos seguem o mesmo Deus independentemente de qual seja a denominação, não
tem como respirar e deixar fluir a famigerada sã doutrina defendida pelos
nossos antepassados. Observe o que Paulo escreve na carta a Timóteo: “Pois
virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo
coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios
desejos” (II Timóteo 4:3). Esta exortação foi direcionada aos
aproveitadores da inocência alheia que distorciam as suas recomendações
doutrinárias. Pregam o que as pessoas querem ouvir e jamais falam daquilo que
gera arrependimento porque isto machuca o orgulho do pecado.
O
que seria esta doutrina sadia que saciaria a nossa sede tal como a mulher
samaritana no poço da cidade de Sicar? Parece que as mensagens de Jesus são um
tanto quanto evasivas. Quem tem sede vêm a mim e beba. A promessa é de que
nunca mais terá sede. Mas, como isto funciona? Ao mesmo tempo que diz “Eis que
estou à porta e bato” lemos que Jesus é a porta que conduz a salvação quem
entrar por ela terá salvação eterna. Existe duas portas e onde ficam? Outro trecho diz que
Deus não faz diferença de pessoas, portanto, todos são iguais perante Ele
presumo. Mas, noutro trecho ele chamará somente os escolhidos. Jesus morreu
por todos e Deus quer que todos sejam salvos, então, por que somente alguns
privilegiados herdarão o Reino de Deus? Todas estas dúvidas são causadas por
insistir numa compreensão literal, tal como aconteceu com Nicodemos que
imaginou que voltaria ao ventre da mãe e nasceria de novo. Jesus usou de
sabedoria para ser compreendido com estas metáforas, mesmo que, a princípio
seja difícil assimilar. Primeiro ele chamava a atenção para si e depois
despertava a consciência para a sua mensagem. Jesus não queria convencer ninguém, mas, converter o
coração a partir de uma mudança também da mente.
A
igreja atual é composta por pessoas, na sua maioria, convencidas. Permanecer
numa igreja e se envolver em suas atividades sem compreender o evangelho não o torna um discípulo. A compreensão do evangelho é a partir do ouvir a palavra. As
pessoas têm ouvido muita besteira, muito mais do que imaginamos. Deus não
mandou ninguém falar as besteiras que ouvimos por aí nas igrejas que se reúnem
regularmente. As pessoas têm sido iludidas com promessas infundadas e que
servem somente para satisfazer o ego de centenas de milhares de pastores.
Muitos querendo ser reconhecidos como maiorais porque o orgulho inchou seus
egos, não coube mais na função pastoral e assumiram títulos nobres da
hierarquia eclesiástica. Os dons espirituais são subterfúgios para causar
comoção e uma impressão de alto nível espiritual. Em muitas igrejas há mais
emoções que manifestação espiritual. Pense comigo, os dons não é termômetro de
espiritualidade. Os dons do espírito se manifestam de forma ordeira e,
principalmente objetiva. Nas igrejas de nossos dias acontecem cultos de
adoração conforme os líderes preconizam e a exposição da palavra e as músicas
muito bem apresentadas provocam arrepios e até mesmo manifestação espiritual. O
problema é que quando o culto acaba tudo o que aconteceu cessou com o final do
culto. Não rende frutos. Sem querer julgar, mas, conheço muitos evangélicos que
tem uma vida diferente fora da igreja. Será que aprenderam errado? Com certeza,
não. O problema é que fé sem obras é morta. Viver o que aprendeu é integridade
sadia e os frutos acontecem naturalmente.
Jesus
é onde se resume a doutrina bíblica e que afirmou para fugir dos falsos
profetas e pelos frutos se conhece a árvore (Mateus 7:15,16). Tudo o que estes
falsos profetas andam dizendo por aí, caso não seja fundamentado no amor à Deus
e ao próximo é passível de desprezo. Jesus nunca enfiou goela abaixo a sua
doutrina e sempre procurava relevar à mente da pessoa ouvinte para que tivesse
a iniciativa em decidir conscientemente. Tudo o que se faz para o Reino de Deus
é em conformidade com a doutrina do evangelho que tem o único propósito em
revelar Deus as pessoas para reconduzi-las à sua presença. Igrejas
institucionais não tem de acumular dinheiro e nem patrimônio e muito menos os
seus pastores enquanto existem milhões de pessoas passando fome e desempregadas. Tanto na
camada social, como também, nos problemas emocionais e psicológicos e nos
relacionamentos a igreja deve ser atuante e eficaz seguindo a doutrina do evangelho
e jamais a do ser humano. O que falta também é a igreja sair da “bolha
romântica” e ter a ousadia em confrontar os falsos valores que estão sendo
apregoados nos púlpitos com evangelho frívolo e distorcido e nas redes
sociais onde o mundo está a cada dia mais explícito nas suas maldades, na
corrupção, nos palavrões, na violência, nos roubos, nas mentiras e no sexo
explícito que qualquer criança tem acesso pelo celular. E o evangelho tem de ir
muito além do explícito conforme o texto de Paulo aos Romanos5:20 “Onde
abundou o pecado, superabundou a graça”. O evangelho tem de avançar muito
além dos limites do pecado numa contraofensiva de restauração da vida humana. Por
outro lado e no mesmo objetivo, muitos pastores falam de Deus e do evangelho,
porém, estão aquém daquilo que o evangelho pode fazer na pessoa porque é
apresentado de forma capenga e duvidosa. A igreja também tem de ultrapassar os limites da sua tradição religiosa arcaica e mofada para alcançar as pessoas que sofrem no cativeiro do pecado. Quando se lê um periódico em qualquer
formato, percebe-se que os articulistas cristãos não têm a mesma dinâmica e ousadia
da sociedade libertária e falam para um público acomodado na liturgia dos seus cultos. É preciso ter o evangelho no coração e intrepidez para
viver a integridade e ser igreja para os não convertidos, para os religiosos e
para os desigrejados.
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