Venancio Junior
O
mundo evangélico vive atualmente uma confusão doutrinária que tem dificultado
as pessoas a desenvolverem a fé de forma lúcida. A fé não é somente crer para
ver, mas, também ver para crer (João 20:29,31). O que já era difícil,
tornou-se muito pior porque há o envolvimento emocional aliado à forte
personalidade e a falta de senso crítico o que gera uma bomba de destruição em
massa de valores. Além disto, há uma liderança que é fruto da ignorância de uma
parcela da população e que se aproveita da fragilidade intelectual das pessoas
para manipular e manter o poder. As pessoas que não possuem senso crítico se
tornam presas fáceis. Tudo o que acontece e que alimenta este caos, são
consequências das múltiplas interpretações dos textos bíblicos e a maioria fora
de contexto o que é um perigo na compreensão das escrituras perdendo-se o
referencial do principal objetivo do evangelho que é ler, compreender e
aceitar. Temos, então, um verdadeiro gigante com pés de barro. Uma imensa massa
falida que sabe da força que tem, porém, utiliza para alimentar as tolas
definições "anti-teológicas" empurradas goela abaixo pelos
usurpadores do evangelho. Agora, se nos dias atuais temos um vasto material
didático religioso e muitos estudiosos que se empenham em colocar os pontos e
vírgulas nos seus devidos lugares eliminando qualquer má interpretação, imagine
naquele tempo em que os autores dos livros canônicos/torá, todo o antigo
testamento e os evangelhos e o novo testamento não dispunham da mesma riqueza
de material que temos hoje?
Para
mostrar um pouco do que acontecia naquela época, vou destacar três episódios
bíblicos em que houve debates, críticas e discussões e que envolvem Pedro e
Paulo. No primeiro, em Atos 15:17,34 Paulo é levado ao Areópago em Atenas para
explicar aos filósofos gregos sobre este novo evangelho que fala de um
"deus" ainda estranho a eles. No segundo episódio, em Gálatas 2:11,21
Pedro é repreendido porque tem se comportado de maneira condenável e
incondizente com o evangelho que foi revelado à Paulo. No terceiro episódio, em
II Pedro 3:15,16 o próprio Pedro afirma que Paulo recebeu sabedoria de Deus
para escrever as escrituras mesmo que algumas coisas sejam difíceis de
compreender. Naquele tempo, o debate era natural, pois, os evangelhos ainda
estavam sendo escritos e os apóstolos foram chamados pelo próprio Jesus
(incluindo Paulo) para lançarem os fundamentos doutrinários da igreja
centralizados no processo de salvação capitaneado pelo Messias. Mesmo as
pessoas comuns não tendo acesso ao material onde constavam as leis, elas tinham
um conhecimento básico dos principais fundamentos e estas pessoas precisavam
conhecer o evangelho da graça. Dentre estas pessoas, tinham aquelas mais
interessadas e que se preocupavam em seguir a tradição, frequentavam o templo
para ouvir a repetição das leis e não se incomodavam em questionar ou discutir
algum ponto ou outro. No máximo tiravam alguma dúvida sobre alguns assuntos
isolados sem apresentar alguma outra opinião contrária. Havia os escribas,
os fariseus e os doutores da lei que tinham o acesso e preservavam a tradição
judaica.
Após
milênios de história da igreja, alguns assuntos ainda permanecem nas mesas de
discussões. Para os judeus ortodoxos de onde originou a igreja cristã, o
Messias prometido ainda não veio. Para a igreja católica que é a remanescente
da primeira ramificação da igreja cristã, Maria, a mãe biológica de Jesus é
“co-mediadora” com o filho perante Deus e também defendem a doutrina em que,
antes de chegar ao céu, existe uma antessala que chamam de purgatório para a
purificação final dos pecados. Estas coisas não constam na bíblia e são
consideradas como invencionices humanas. Após a cisão com a igreja católica
provocada pela reforma protestante de 1517, surgiu a igreja reformada.
Luterana, Presbiteriana e Episcopal (Anglicana) também conhecidas como igrejas
históricas são as principais representantes desta linha doutrinária. Mas, as
grandes divisões causadas por questões doutrinárias não pararam por aí. Alguns
séculos mais tarde surgiram as igrejas pentecostais defendendo que as manifestações
espirituais ocorridas na igreja primitiva no livro de Atos ainda acontecem e as
igrejas reformadas não reconhecem que ainda existam estas manifestações e
consideram que foi um evento restrito ao dia de Pentecostes e estas igrejas são
denominadas como cessasionistas. Não descreem totalmente nas manifestações
espirituais, principalmente línguas estranhas, profecias e revelações, porém,
não buscam e se acomodam afirmando se Deus quiser conceder eles aceitariam. Até
mesmo a liderança feminina (pastorado e oficiais) não é aceita por estas igrejas
porque, segundo os teólogos reformados, não encontraram base bíblica. É muito
controversa esta posição. Reitero que para Deus não existe igreja histórica,
reformada, pentecostal e neopentecostal. A igreja é uma só e não tem paredes ou
divisão interna. Isto é conformidade do ser humano.
O
cenário místico religioso atual é bem carregado e as cisões continuaram com o
surgimento das igrejas neopentecostais e progressistas, estas últimas defendem
o aborto e a união homoafetiva. Mas, vou me dedicar apenas ao assunto em
questão que me provocou esta reflexão, o livre arbítrio e a predestinação.
Tenho ouvido muitas explanações de teólogos até renomados e com muito estudo,
porém, ignoram alguns aspectos na interpretação, pois, são duas questões muito
sérias e fundamentais que pertencem ao processo de salvação. Não vou me arvorar
baseado numa interpretação sem o fundamento bíblico.
Sinceramente, não tenho
nenhuma dúvida do que a bíblia diz sobre estes dois assuntos. Primeiramente
destaco que hoje sofremos as consequências do pecado porque Deus concedeu o
livre arbítrio ao ser humano em comer do fruto da árvore do bem e do mal
Gênesis 2:16,17 "E o Senhor Deus ordenou ao homem: “Coma
livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da
árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer,
certamente você morrerá”. O que significa dar a opção do sim e
do não? Se isto não for um livre arbítrio, então, seria preciso
redefinir o conceito. Para que não houvesse o livre arbítrio, Deus simplesmente
nem colocaria a árvore do conhecimento do bem e do mal e estaríamos todos
felizes e tranquilos usufruindo do jardim do Éden. Quem não se sente tentado em
quebrar uma ordem e não fica curioso em saber o que há por detrás daquela porta
de acesso proibido ou o que tem dentro daquela gaveta trancada? No caso do
jardim, o acesso ao fruto proibido estava livre. Deus não dificultou e não
havia nada que impedisse, exceto a ordem que foi posteriormente desobedecida e
tudo tornou-se um caos. Perceba que nem mesmo o acesso da serpente a árvore
estava obstruído. Por que a serpente tentou a mulher e não o homem? A maioria
julga que a mulher é mais facilmente manipulada. Eu diria que é o contrário.
Dificilmente o homem convenceria a mulher a comer do fruto. Então, a serpente
convenceu a mulher que, sequer foi questionada pelo homem que também comeu do
fruto. Dentro do processo de recondução da raça humana à presença de Deus,
consta um texto em Marcos 16:16 em que há a aplicação do livre arbítrio pelo
próprio Jesus que, após a ressurreição falou aos seus discípulos: "Quem
crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado". Este
batismo não é o de João, mas, é o batismo do selo do Espírito Santo. O ladrão
que estava ao lado de Jesus na cruz foi salvo, porém, nunca foi batizado com
água, mas, somente com o selo do Espírito Santo.
O que aconteceu depois
deste episódio literalmente fatídico? Fomos predestinados ao inferno “pois todos
pecaram e estão destituídos da glória de Deus” Romanos 3:23. Neste
mesmo texto há um detalhe fundamental que muitos insistem em ignorar.
Observe: "Agora, porém, se manifestou uma justiça que provém de
Deus, independentemente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça
de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que creem. Não
há distinção, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da
redenção que há em Cristo Jesus". Observe que a predestinação ao
inferno foi para absolutamente todos. Já na segunda parte do mesmo texto subentende-se
que os predestinados são todos, porém, daqueles que creem sem distinção.
Distinção neste caso, não é nominal, mas, para todos aqueles que crerem. Talvez
o texto de Efésios 1:4,5 seja o que gere mais dúvidas. "Antes da
fundação do mundo, Deus nos escolheu, nele, para sermos santos e
irrepreensíveis diante dele. Em amor nos predestinou para ele, para sermos
adotados como seus filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o propósito de sua
vontade". Com certeza, antes que viéssemos a existir, Deus já nos
escolheu. A interpretação a este texto tem como foco o jardim do Éden. Fazia
parte dos seus planos criar a raça humana para sermos os seus filhos. Esta
escolha não foi nominal, mas, ao gênero humano. Todos nós estávamos no jardim
do Éden. Após a queda, tem o conhecido texto “Deus amou o mundo” (João
3:16), é uma referência ao gênero humano que foi expulso da sua presença. “A
vontade de Deus é que todos sejam salvos” (I Timóteo 2:4).
Não faz sentido amar e desejar que todos sejam salvos e predestinar apenas
alguns. Seria uma contradição que colocaria em xeque a confiabilidade das
escrituras, pois, a doutrina da predestinação defendida por alguns segmentos da
igreja evangélica é típica de um deus malvado e preconceituoso. Como poderia,
Deus sabendo que alguém seria condenado ao inferno porque não foi previamente escolhido
permita que nasça sem lhe dar qualquer oportunidade de salvação? No caso dos
chamados e escolhidos que muitos confundem que seja um fato restrito a sua
igreja, os chamados não são aqueles que se desviaram da fé, mas, todos os que
ouvem a verdade para que tenham a mesma oportunidade de salvação, mesmo que a
rejeite. Ser chamado também não significa ser incluído sem decisão pessoal. Os
escolhidos é a igreja santificada formada por todos os que creem e que se
renderam ao evangelho de salvação. O Ide de Jesus foi para promover o grande
chamamento “...pregai o evangelho a toda criatura” Marcos 16:15 e
são predestinados somente os que livremente crerem.
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