segunda-feira, 24 de abril de 2023

ESPÍRITO DESARMADO

Venancio Junior

Nos antigos filmes de faroeste, muito popular nos anos 60 e 70 aconteciam cenas de que não era justo atirar em alguém pelas costas ou desarmado o que seria uma covardia. Nenhum pistoleiro queria ter a fama de covarde e a “briga” era resolvida num duelo onde os dois envolvidos na disputa empunhavam uma arma no “coldre” que ficava na cintura e o mais rápido e certeiro sairia vencedor. Neste tempo, a lei ainda não era muito definida e a questão humanitária estava renegada ao núcleo familiar apenas e todos que se encontravam fora deste núcleo eram considerados forasteiros. Cada família lutava pelo seu território e todos possuíam armas para se defenderem dos intrusos invasores.

De certa forma evoluímos nas leis, mas, a questão do tiroteio ainda continua. Infelizmente ainda vemos nos noticiários muitos casos de uso de “arma de fogo” que é um termo popular para armas de todos os calibres e que diferencia da faca, machado ou martelo que são consideradas "armas brancas". A maioria fica sabendo pelos noticiários, mas, boa parte da população que habita os núcleos residenciais ou comunidades geralmente dominadas pelo tráfico de drogas, onde o tiroteio é muito comum e faz parte da rotina, estas notícias é sempre o assunto principal. Uma triste realidade e que, parece que o poder público, principalmente os de segurança, se torna refém (por motivos aparentemente desconhecidos da população) destas forças paralelas.

Mais recentemente, vimos um governo incentivando a população para que se armasse no sentido de se defender da violência urbana. Como nunca teve projetos de investimentos em educação e cultura, a única opção era armar a população e transformar as cidades num verdadeiro campo de guerra. Praticamente voltando ao velho oeste, só que agora, a covardia está em evidência e ninguém se incomoda em atirar em alguém desarmado e pelas costas. O objetivo é eliminar a pessoa não importando se os motivos justificam estes meios brutais e cruéis, por sinal, estúpidos e covardes.

Não somente nas cidades a violência ronda o conforto do lar e das famílias, se dimensionarmos esta violência para o nível de país, a maioria das pessoas sabe que em muitas regiões geográficas do planeta, a guerra tornou-se normal. Principalmente nos países onde o nível social é precário e, para ajudar, os que assumem o poder político são os, como diz o Caetano Veloso, ridículos tiranos que se aproveitam da fragilidade das leis e da ignorância do povo. Inclusive, crianças já recebem sua arma para se defender e futuramente ser recrutado para o exército oficial ou de guerrilha. Ainda vemos ditadores disputando territórios vizinhos como se fossem donos destas terras e destruindo a vida das famílias com extrema violência sem dar qualquer chance em promover um diálogo de paz. Na verdade, a vaidade é a principal motivação destes ditadores que desconsideram que os legítimos donos das terras são os seus moradores. Com isto, investem em armas que estão cada vez mais sofisticadas. Aqueles que chegaram ao poder, seja de forma legal ou ilegal, pasmem, estão em busca de paz, desde que seus interesses não sejam comprometidos. Pelo menos nos discursos a paz está presente, só precisa saber se não está rabiscada no rascunho. A primeira ação que vêm à cabeça é comprar armas para destruir os adversários. Isto é o cúmulo do contrassenso, utilizar armas para construir a paz. São pessoas escravas de suas ambições com o objetivo de ampliar o poder a partir do seu reduto de influência.

Aqueles que defendem o uso literal de uma arma para se defender, precisam de uma nova perspectiva de paz, sequer conhecem o que é a paz sem armas. Jamais teremos paz enquanto o poderio bélico for a única e principal alternativa para se conquistar a paz. Desta forma, o outro lado também terá de se armar, tornando esta relação um círculo vicioso sem fim. Inúmeros acordos de paz foram discutidos e assinados, porém, ninguém teve a coragem de se desarmar que é uma atitude que deixa o “front” vulnerável e exposto a qualquer aventureiro invasor. Não tem outro caminho e os limites e fronteiras precisam ser respeitados. Sempre devemos ter a propensão em demonstrar a paz através do desarme o que abre possibilidades infinitas de se estabelecer um relacionamento pacífico. É arriscado, mas, é o único caminho para que a paz tenha uma chance. John Lennon já cantava “...dê uma chance a paz”. É um convite para se desarmar.

Este mundo armado e extremamente violento assusta muito aqueles que tem o espírito desarmado e a maioria das pessoas não querem a guerra de qualquer espécie. E na questão emocional e social, será que podemos ser considerados como uma sociedade desarmada, quando o autocontrole não é evidente nos relacionamentos? Parece que as pessoas já saem de casa com um porrete na mão buscando motivos (que não precisa ser tão grave) para agredir a todos que estiverem no seu caminho. As pessoas estão com a energia emocional e psicológica em efervescência e, parece que perderam o controle das suas ações e reações. Percebemos isto no trânsito, no esporte, nas campanhas políticas e até nas discussões religiosas. Com ou sem razão, as pessoas já saem de casa armadas e prontas para a guerra. Estas pessoas estão armadas até os dentes e suas armas não precisa ser adquirida numa loja especializada, pois, estão muito bem acomodadas no coração. Que armas são estas? O preconceito, a discriminação, o rancor, o ódio, a indiferença e o desafeto geram uma insensibilidade que anula qualquer tendência ao desagravo. Repito, quem sofre com tudo isto são os pacificadores. Neste caso, não existe um meio termo. Se a pessoa sofre com as injustiças e com a violência presente no cotidiano, então, pertencer ao grupo dos pacificadores é algo natural. Por outro lado, se estas situações que agridem a paz não incomodam, sendo ou não um combatente ativo, a conivência é uma forma de alimentar a violência. Jesus afirmou: "Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha" (Lucas 11:23). Claramente Jesus, que é o príncipe da paz (Isaias 9:6), indica que quem não é ativo em ajuntar, ajuda a espalhar. Para se ter um espírito desarmado, é preciso ser ativo em destruir as armas que impedem a pessoa em ser pacificadora e fomentar a paz através de suas atitudes. A receita eficaz está contida nas bem-aventuranças discorridas por Jesus que começa falando sobre um espírito desarmado e no decorrer do texto fala como se defende sem armas e guerreia sem violência o “exército” dos agraciados, "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mateus 5:3). As bem-aventuranças demonstram apenas a característica do espírito desarmado. Nos evangelhos durante o seu ministério, Jesus demonstra a prática daqueles que desejam se desarmar das armas da velha criatura. Por exemplo, uma das atitudes para se desarmar é dar a outra face, "Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra" (Lucas 6:29). Este é um dos princípios de uma pessoa com o espírito desarmado. O discípulo, por excelência precisa ser alguém accessível, tendo o “front” aberto e mostrar que a melhor arma para se conseguir a paz é não ter armas e revelar que a liberdade proposta por Jesus é não ser escravo de si mesmo. Isto não significa que a velha criatura que produz frutos da carne deixa de existir e insista em colocar em prática aquilo que o escraviza. Cada pessoa tem a sua personalidade e terá de administrar como requer os princípios da liberdade de um bem-aventurado. As bem-aventuranças é um real convite para que se tenha um espírito de paz, livre e desarmado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário