segunda-feira, 17 de abril de 2023

AMIGOS MAIS QUE CHEGADOS...

Venancio Junior

Acho muito engraçado quando chega uma notificação de “sugestão de amizade”. Quem disse que eu quero ser amiga daquela pessoa? E quem disse que alguém quer que eu seja amiga dela? É o meio mais banal e raso de se arrumar um amigo. Conheço pessoas que fizeram amizade desta forma e se mantiveram amigas de verdade. Também conheço casais que se conheceram pelas redes sociais e continuam firmes e fortes no relacionamento conjugal e tem até filhos. A maneira como se faz a amizade, de certa forma, é irrelevante, pois, nas extremidades da rede há duas pessoas que não se conhecem e podem tranquilamente desenvolver uma amizade profunda e até um relacionamento afetivo.

Antigamente tinha as festas de família e de amigos, os encontros nas reuniões da igreja e no cotidiano do trabalho que proporcionavam encontros muito interessantes. Acontecem também os encontros casuais. Já aconteceu comigo. Uma amiga de uma amiga estava sem dinheiro para o ônibus e, de repente, lá estava eu pagando a passagem dela e nos conhecemos e desenvolvemos uma boa amizade. Nos dias atuais, ter amigos é muito relativo. Basta acessar o perfil das redes sociais e verificar se alguém está na lista de “amigos”. Na verdade, alguns poucos que são, de fato, amigos. Os demais, a maioria talvez nem seja amigo do amigo do amigo. Muitos querem ter o maior número de amigos nas redes sociais porque este é o principal índice de popularidade e o meio mais eficaz para satisfazer um ego decadente. Pelo menos é esta a impressão que muitos têm de si mesmo. Tentam afugentar o ostracismo social e, muitas vezes, espantar a tristeza e a frustração em não ser popular. Todos buscam ser populares para justificar algo que não fará a menor diferença no seu cotidiano. Ninguém vai perguntar o porquê sumiu das redes sociais. Ninguém quer saber se está bem e se tem algo a confidenciar. Quem confiaria uma confidência a alguém que se relaciona somente nas redes sociais? Por incrível que pareça, tem muita gente expondo os seus males no mundo virtual. Expõe o que é e o que não é de fato. Acontecem muitos suicídios e o máximo que os outros acham é que poderia ter ajudado se soubesse do problema. Tantos outros vivem em depressão e se distraem vendo o sucesso dos outros nas redes e assumem a alegria alheia para si, como se no dia seguinte nada daquela sua condição frágil existiria mais. Muitas solicitações de amizades são aceitas com o propósito de ampliar a vitrine e se expor com verdades e mentiras. Algumas verdades não são para serem expostas porque não interessa a ninguém tudo o que acontece na vida. As mentiras jamais devem ser expostas porque são mentiras e são sustentadas no vácuo emocional. É para abandonar as redes sociais e nada publicar? Não foi isto que quis dizer. Existem as exposições frívolas e outras que faz parte do compartilhar da alegria em ver os filhos crescendo ou de alguma conquista. Pode ser também o aniversário de algum familiar, uma viagem que proporcionou prazeres imensuráveis e até reencontros de familiares e, logicamente, de amigos. O que deve ser também compartilhado são exemplos de vida que faz muita diferença e que poderá ser seguido por outras pessoas não somente nos perfis, mas, aplicando nas suas próprias vidas. Isto deve ser compartilhado se não tornaremos o mundo social insuportável e as redes sociais nos permitem com muita simplicidade utilizar os meios para um determinado fim de forma ágil.

O esforço é muito grande para conquistar pessoas para que sejam suas amigas. Quem não tem amigos, talvez não tenha a extensão de si mesmo. Esta frase revela que afinidades é o que aproxima as pessoas umas das outras. O diferente é interessante, mas, no sentido de inovação e vanguarda não o contraditório. O que nos mantém unidos, não necessariamente juntos é aquilo que gostamos de fazer juntos. Conheço grupo de amigos que se conhecem desde criança e ainda fazem programas juntos. Até mesmo suas novas famílias se tornaram parte do grupo e acampam juntas, viajam juntas e comemoram aniversário juntas. Não conheço familiares que tem esta mesma dinâmica e predisposição. No livro de Provérbios lemos que “há amigos mais chegados que irmãos”. Este termo “irmãos” a que o texto de Salomão se refere é irmão de sangue mesmo. Nesta época ainda não havia o conceito de irmãos de fé.

O que nos atrai em alguém? No relacionamento afetivo, a aparência, a princípio é o que chama a atenção e o jeito da pessoa é o que mantém a conexão. No caso de amizade, a aparência não importa. É fato que amigo de verdade não se escolhe, simplesmente acontece. Manter a amizade é uma escolha e depende de inúmeros fatores. O bom relacionamento é aquele em que não há cobrança de qualquer espécie. Quem não gosta de estar com os amigos? Eu tenho uma frase relativa a amizade: “Se não existe falso inimigo, será que existe verdadeiro amigo?”. Se for amigo, obviamente o relacionamento é verdadeiro.

No caso dos irmãos de fé, por que a amizade não é automática quando se professa a mesma fé? A comunhão tão incentivada por Jesus não é um grau elevado de amizade? Neste caso, a comunhão exige propensão ao sacrifício sem exigir nada em troca. Mas, a amizade não é assim também? É, mas, a comunhão tem de se conviver e até amar a quem não gosta sem a obrigatoriedade da convivência. Que pena, neste ponto, a amizade vai por outro caminho. Comunhão não deve ter a motivação pelas afinidades como a amizade, com exceção da fé. A amizade é recheada de afinidades, inclusive, constroem-se ou descobrem-se outras afinidades juntos.

Outra questão polêmica, quem não é amigo, então, é inimigo? Muitas pessoas aplicam este conceito, principalmente nos dias atuais em que os relacionamentos se tornaram líquidos. Antigamente se dizia sobre a prática da boa vizinhança. Mesmo morando na casa ou no apartamento ao lado, isto não significa que o relacionamento deva ser o mais estreito possível, sequer precisa ter relacionamento. Respirar o mesmo ar não se subentende que as pessoas devam ser próximas.

Até mesmo Jesus tinha o seu parceiro preferido que nos termos bíblicos ficou conhecido como o “discípulo amado”. Por que Jesus apregoando que não faz acepção de pessoas tinha preferência por alguém? É uma questão de contexto. No contexto de amar em cumprimento a sua missão não há diferença de pessoas. Mas, Jesus veio como ser humano e viveu todas as agruras da sua condição humana. Jesus tinha sentimentos, vontades e preferências. O apóstolo João, provavelmente era o seu confidente. Eles eram tão chegados que no findar da vida na cruz, Jesus falou para que sua mãe cuidasse de João. Será que a predileção de Jesus era recíproca para João? Será que João tinha o mesmo grau de sentimento por Jesus? Conforme o texto de João 13:23 em que os discípulos estavam reunidos com Jesus que falou que um deles iria traí-lo e João estava reclinado sobre o peito de Jesus demonstrando terem uma amizade muito íntima e recíproca, tanto é que Pedro pediu para João perguntar a Jesus que confidenciou a João quem o iria traí-lo. Esta profunda ligação entre João e Jesus levanta uma suspeita e poderia ser considerada como homossexual, porém, sabendo da postura e responsabilidade dos dois, creio ser improvável considerar este nível de relacionamento. Da mesma forma especulativa, também existe a suspeita sobre o nível de relacionamento com Maria Madalena da qual Jesus havia expulsado sete demônios. Alguns afirmam que houve um affair e tudo não passa de especulação. Voltando ao relacionamento com João, a única coisa que se sabe é sobre a declaração de discípulo amado e o episódio do único contato físico conhecido com os discípulos onde houve a revelação de Jesus de quem iria traí-lo.

Por que Jesus escolheu o apóstolo João para ser o seu amigo amado? Não confundir com João Batista que viveu no deserto e depois batizou Jesus. Amigo não se escolhe. É mais fácil escolher quem não se queira como amigo. Por que não escolheu um dos seus irmãos, por exemplo, Tiago que era uma pessoa inteligente e foi líder do templo de Jerusalém? Poderia ser também um outro discípulo. Dizem que Pedro era o mais chegado. Na verdade, Pedro era afoito e este ímpeto o levava sempre a estar com Jesus e por isto que transparecia mais intimidade. Os demais eram mais discretos e reservados. Este temperamento não significa distanciamento, pelo contrário, intimidade tem tudo a ver com discrição e reserva de comportamento. Para que haja confidências, é preciso que não chame muito a atenção. Por exemplo, o temperamento de uma pessoa extrovertida geralmente não consegue guardar segredos. A pessoa extrovertida é muito popular e tem mais pessoas de todos os tipos no seu círculo de amizade o que é um grande risco para confiar segredos. Já a pessoa introvertida não se expõe e naturalmente não expõe o segredo de outros. Ser introvertido não significa incapacidade de se relacionar. O círculo social deste tipo de temperamento é bem mais reduzido e poderia dizer seleto. Saiba que nada disto é regra. 

É quase que impossível descobrir os motivos da escolha de alguém para ser amigo. A escolha de um cônjuge é menos complexa porque envolve razão e coração e a convivência exige um intencional grau de confiança necessário para se viver a dois. A questão da amizade é mais complicada porque não há compromisso de se conviver. A convivência é, de certa forma, esporádica. Como confiar em alguém que não compartilha o mesmo espaço de moradia? Como confiar em alguém sem a obrigação de se confiar e ter algum vínculo? Na relação de amizade, ninguém vai exigir confiança um no outro. Porque o compromisso é espontâneo e depositar confiança é uma entrega muito arriscada.

Utilize de todos os meios cordatos para fazer amizades, invista nelas e usufrua o melhor que a pessoa pode oferecer e deixe que os outros também usufruam o melhor de você. Caso nada tenha oferecer, reconsidere as amizades e a si mesmo para não gerar fissuras na relação e emocionais. Reflita no pensamento abaixo:

Eu não gosto de ter inimigos, mas, eles são importantes para as minhas convicções”.

2 comentários:

  1. Um texto inteligente, proveniente de uma mente lúcida e amigável. Aguardo com curiosidade, as próximas publicações.

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