Venancio Junior
Desculpe-me
pela presunção, mas, este não é um assunto tão polêmico e nem tão difícil de
compreender como se julga nas igrejas e nos meios acadêmicos da teologia. Talvez
a dificuldade esteja em saber como Deus age e qual o critério de escolha na
manifestação dos dons. Com relação as inúmeras linhas de interpretação
teológica, trata-se de uma pluralidade criada pelo próprio ser humano. Os dons
também são diversos, porém, advindos de uma mesma fonte. Primeiramente devemos
considerar que, se partirmos do princípio do evangelho, saberemos que não
existem dois ou mais reinos de Deus para abrigar ortodoxos que é uma cisão da
igreja católica que aconteceu no início do segundo milênio, os tradicionais/reformados
que surgiram com a reforma de Lutero em 1517 e pentecostais que surgiram no
começo do século 20 e mais recentemente na década de 60, os neopentecostais. A
igreja é composta pelos justificados como um corpo só em Cristo. Diante disto
concluímos que os questionamentos são restritos ao entendimento exclusivamente
humano. Uma das maiores dificuldades em compreender o evangelho é que toda
avaliação parte daquilo que se aprendeu dentro dos dogmas da denominação sem
qualquer questionamento. Como o objetivo é esclarecer do ponto de vista do
evangelho, então, é preciso, de certa forma, ignorar as diversas doutrinas dos
homens. Jesus em Jerusalém, respondendo aos judeus que sempre o questionavam,
afirmou "Examinais as Escrituras,
porque julgais ter nelas a vida eterna, e elas mesmas são as que dão testemunho
de mim" (João 5:39). Examinar é ler as escrituras e absorver o seu
significado e, como o próprio Jesus afirmou que tudo se resume nEle.
Pentecoste é uma festa judaica que acontece depois de cinquenta dias após a páscoa que é a comemoração da libertação do povo judeu da escravidão do Egito e ficou muito associado a manifestação dos dons do Espírito relatado em Atos 2. Antes
de prosseguir, preciso voltar alguns milênios até o tempo em que Deus
conversava tete a tete com Moisés e a
maioria acha que o pentecoste aconteceu somente a partir daquele evento de Atos.
Pentecoste é manifestação espiritual e não tem forma ou ritual e nem como,
quando ou um porquê específico para que o Espírito Santo aja na pessoa, pois,
trata-se de relacionamento e intimidade com Deus que, em absoluto, seja um
privilégio de alguns poucos iluminados. Óbvio que há na bíblia relações diferentes
e pessoais de Deus para com cada indivíduo. Por exemplo, porque tratou a
Davi que foi um adúltero como “segundo o coração de Deus”? Isto é muita intimidade. Muito antes de Davi, a relação de
Deus com Moisés era como de dois amigos que as vezes até brigavam. Quer mais
intimidade numa relação do que uma briga? Não me refiro àquela briga em que um
quer destruir o outro, mas, discussão de valores e posicionamento sobre um
determinado assunto. Moisés questionava a si mesmo como escolhido para libertar
e conduzir o povo israelita a terra prometida que ele próprio não conheceu. Deus
se permitiu discutir com alguns dos seus líderes que eram encarregados de
conduzir o seu povo. Outro que também foi muito íntimo de Deus foi Jó. Deus se
envolveu “pessoalmente” na vida de Jó
e ainda por cima, determinou que o diabo não o matasse. É muita intimidade.
Apesar de todo sofrimento possível e inimaginável, foi uma profunda intimidade esta
relação de Deus com Jó. Todos foram seres humanos limitados e imperfeitos,
porém, reconheciam a soberania de Deus em suas vidas. Pentecoste nada mais é que
intimamente reconhecer esta soberania de Deus na vida e suas manifestações farão
parte do processo de restauração da velha criatura. Em suma, as manifestações
dos dons é uma consequência desta postura de rendição ao evangelho, caso
contrário, nada fará sentido em termos de espiritualidade. Outrossim, o
pentecoste não é um brinde para aqueles que são mais espirituais. A manifestação dos dons
sempre existiu, porém, antes não eram conhecidos desta forma e tem o propósito
em dar legitimidade à missão. Pentecoste sem a consciência da missão é como o
talento infrutífero. Jesus no Ide enfatizou “...recebereis
os dons e sereis minhas testemunhas”. Receber o dom e não sair em missão seria
como jogar pérolas aos porcos.
Então,
porque existe esta “briga” entre
tradicionais que na sua maioria é composta pelas igrejas reformadas e de
tradição calvinista e os pentecostais de doutrina arminiana? Os nomes foram “aportuguesados”, João Calvino era um teólogo
francês e Jacob Armínio era um teólogo holandês. Não há relato de que nos seus
fundamentos houve uma intenção em difundir os seus posicionamentos de forma
correlata a doutrina tradicional ou pentecostal. O problema é que temos a
necessidade em criar rótulos que nos identificam nos diversos contextos sociais
e nas igrejas não é diferente e muitos até se orgulham em serem
reconhecidamente tradicionais ou pentecostais. Esta postura nada mais é que
valorizar a religião com um claro desvio de função. A igreja não tem o
propósito de dividir ou excluir, mas, incluir as pessoas com o evangelho. Se o
evangelho que está sendo difundido divide a igreja, este evangelho é
essencialmente questionável.
As
igrejas históricas tradicionais de doutrina reformada são as mais antigas desde
a reforma protestante promovida por Martinho Lutero em 1517. Antes desta
reforma, haviam somente duas igrejas cristãs, a católica que significa
igreja-mãe e a ortodoxa que se desligou de Roma em 1054. Esta reforma de Lutero
poderia afirmar que é fruto de uma manifestação espiritual que pode ser considerado
como uma ramificação do pentecoste acontecido no Novo Testamento. A
manifestação do Espírito Santo na vida humana é para provocar mudança no
sentido de realinhar o caminho da espiritualidade. As igrejas pentecostais se
julgam detentoras da legitimidade espiritual por buscar e receber os dons
espirituais conforme descrito em Atos 2. Por outro lado, o zelo pela tradição
bíblica não qualifica as igrejas oriundas da reforma como as que detêm o
privilégio em ratificar as doutrinas descritas no evangelho. Pessoalmente julgo
ridículo esta disputa que gerou mais cisão do que união comum e também nada de
significativo trouxe a igreja em termos de discernimento espiritual. Os
fundamentos do evangelho são para todos os que buscam a verdade que é Cristo.
Tudo se resume nEle. Há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo,
homem! Há um só Deus pai de todos! Então, como existiria duas doutrinas, duas
igrejas ou dois povos escolhidos? Simplesmente não existe!
Não
pense que estas linhas religiosas é algo recente. No tempo de Jesus já existiam
diversos grupos. Os mais conhecidos foram amplamente citados na bíblia
principalmente nos embates com Jesus que veio exatamente confrontar a
religião/instituição. Observe abaixo as características de cada grupo:
Saduceus
Este grupo à qual
pertenciam os sacerdotes era o grupo mais influente na época de Jesus. Eles
controlavam o sinédrio que era a suprema corte, tinham também o controle
econômico e político tanto é que influenciaram diretamente a condenação e morte
de Jesus.
Fariseus
Este grupo acreditava na
ressurreição, nos anjos e aguardavam o Messias. Eram observadores da lei
judaica e tinham forte influência sobre o povo a qual pertenciam também os
escribas. Eram denominados como legalistas.
Essênios
Este grupo não é citado
na bíblia, mas, foi registrado pelos historiadores que se tratava de um povo
que decidiu se isolar e viver uma vida em comunidade observando a fé judaica
que aguardava a vinda do Messias.
Zelotes
Este grupo era o mais
radical de todos se assemelhando aos atuais extremistas guerrilheiros. Mesmo
pertencendo ao partido judaico, eles se opunham à dominação romana.
Apesar
de todo este contexto da época já bastante confuso e dividido, a missão de
Jesus foi exatamente quebrar estas barreiras e mostrar o verdadeiro caminho que
era ele próprio. Mesmo assim, aqueles que seguiram a Jesus foram rotulados de
cristãos. Jesus não criou nenhum grupo nominalmente e até criticou aqueles que
insistiram em inserir o cristianismo numa religião e Jesus mais uma vez
demonstrou que a verdadeira religião é atitude e não uma instituição. Mesmo com
este claro exemplo, a instituição ocupa até os dias atuais o lugar que deveria
ser ocupado pelos exemplos de Jesus. O evangelho é muito específico sobre as
manifestações espirituais que se encontram na atitude e não na instituição.
Diante disto, seguir e defender uma linha teológica como forma de legitimar a
espiritualidade é sobrepor a instituição acima da atitude que revela a fé
essencial. Pessoalmente defino a instituição apenas como uma conveniência
social em que cada indivíduo se identifica e vive a sua espiritualidade nas
atitudes e jamais naquilo que a denominação classifica como a fé legítima. Por
isto que surge a grande dúvida de qual a verdadeira religião? Do ponto de vista
da instituição, cada uma se julga a verdadeira. Do ponto de vista da atitude, nenhuma instituição é
verdadeira. As atitudes em relação ao próximo revelam a verdadeira religião
independentemente da comunidade que se frequenta. Partindo deste princípio, o
pentecoste faz todo sentido e as manifestações espirituais serão legítimas no
sentido de gerar frutos para o Reino de Deus que, como já afirmei, existe
somente um Reino e um só Deus que se manifesta em nós através do teu Santo Espírito.
Para enxergar a verdadeira religião e a verdadeira igreja é preciso viver estas
manifestações nas atitudes fazendo diferença na comunidade que frequenta. A
comunhão é uma das manifestações do pentecoste. O amor ao próximo também é uma
das manifestações do pentecoste. Considerar os outros superiores a si mesmo
também é uma das manifestações do pentecoste. Amar a Deus acima de todas as
coisas é o princípio de todas estas manifestações espirituais. O próprio Jesus
foi confrontado pelos fariseus/religiosos para saber o que era mais importante
que a religião. Observe o texto “Mestre,
qual é o grande mandamento da Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás a Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e
primeiro mandamento. O segundo semelhante a este é: Amarás ao teu próximo como
a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas”.
Mateus 22:36 a 40. As demais doutrinas dependem absolutamente em tudo destes
dois mandamentos. Os sacerdotes tentavam compreender esta perspectiva daquilo
que eles já conheciam legalmente, pois, também tinham fome espiritual porque
uma mera tradição não era o suficiente para saciar esta fome. As pessoas têm
fome, não somente de comida física, mas, de saciar a fome espiritual. O
que podemos concluir neste texto? “Declarou-lhes
Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim, de modo algum terá fome; e o que
crê em mim, nunca jamais terá sede”. João 6:35. Logo após a multiplicação
dos pães, a multidão procurava Jesus porque tinha fome, mas, não de pão, pois,
já estavam saciados, mas, buscavam saciar a fome espiritual e não encontraram
na religião dos judeus com os seus rituais da tradição que era conhecida por
todos. Ainda faltava alguma coisa que estava muito além da religião e Jesus se
apresentou como aquele que trouxe a legitimidade da tradição e do pentecoste.
Todos que se rendem ao evangelho são tradicionais/reformados. Mas, e os pentecostais, como se classificam neste contexto? A tradição nada mais é que a doutrina do mesmo evangelho dos pentecostais onde se encontram as manifestações espirituais. Todos os que são pentecostais, também o são tradicionais reformados. Não tem como dissociar um do outro, pois, os fundamentos de ambos são análogos.
Para
finalizar em grande estilo, creio que o texto de Paulo resume tudo o que se
refere a atitude em relação a Deus e ao próximo: "O amor jamais acaba; mas havendo profecias, serão aniquiladas;
havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;" (I Coríntios
13:8). Este pequeno trecho aborda tanto a crença dos pentecostais com
manifestação de dons de profecias e de línguas e também dos tradicionais reformados
na questão do conhecimento bíblico e o amor está acima de tudo e supera ambos os
conceitos. Tanto a doutrina pentecostal como também a doutrina reformada, são apenas teorias dos homens. Amor não é teoria, é atitude correlacional e se revela na comunhão.
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