segunda-feira, 21 de julho de 2025

A POLÍTICA DA RELIGIÃO

Venancio Junior

Quem são estes evangélicos politicamente engajados? Não muito antigamente, o único envolvimento dos evangélicos, principalmente das igrejas pentecostais, no cenário público urbano era a concentração nas praças para falar do amor de Deus. Quantos desfiles pelas ruas acompanhados de uma banda (fanfarra) enquanto se distribuíam folhetos evangelísticos? Eu, pessoalmente era um destes que distribuía estes folhetos. Ainda garoto com os meus 11 anos estava lá todos os domingos oferecendo o folheto para cada um que estava observando o desfile dos crentes que era o termo usado pelos incrédulos para identificar aquele povo que vivia à margem da política, pois, confiava somente em Deus para suprir todas das muitas necessidades que sentiam porque a maioria dos crentes pertencia a uma classe social mais pobre. O contexto social e religioso era que o rico era católico e o pobre era crente. Nem todo católico era rico e nem todo crente era pobre. O interessante é que este tipo de evento foi inspirado nos populares carnavais de rua dos anos 50 quando alguns músicos voluntários saiam pelas ruas tocando marchinhas e acompanhados por uma multidão. Os evangélicos históricos ficavam escandalizados com este tipo de evangelismo e evitavam serem chamados de crentes e se identificavam como "cristãos reformados", inclusive até mesmo para não serem confundidos com a classe pobre. O carnaval de rua surgiu porque a elite pulava carnaval nos clubes privados em que os pobres não tinham acesso e a opção era pular carnaval nas ruas. Não muito tempo depois o carnaval de rua foi democratizado e todos, sejam ricos ou pobres, pulam e brincam no mesmo bloco.

E os desfiles dos crentes, o que aconteceu? Não se vê mais nas ruas nos finais de semana. Onde estão eles? Será que são os mesmos que atualmente vão às ruas vestidos de verde e amarelo defendendo os princípios da moralidade? Qual a similaridade do grupo de ontem com o grupo de hoje? Já me adianto que este grupo religioso politicamente engajado já existia mesmo antes de Jesus nascer e quando se apresentou como o Messias veio a sofrer muito com os chamados legalistas religiosos. Neste tempo, este grupo religioso denominado de legalistas formado principalmente pelos líderes religiosos da época, os sacerdotes, já defendiam os princípios da lei que aprenderam e acreditavam e incitavam a multidão para ficar na linha de frente e reforçar o coro em favor dos seus interesses. Este grupo ainda existe e ainda continua sendo radical e não aceita ingerência de qualquer natureza, nem mesmo de Jesus.

Saibam que nem todos aqueles que saem às ruas de verde e amarelo em defesa da moralidade são, de fato, evangélicos. Na verdade, a maioria professa a religião católica e se juntou ao grupo de crentes pentecostais e também aos cristãos históricos que nunca saiu às ruas, mas, agora empunham a mesma bandeira contra o comunismo, contra o aborto e contra o homossexualismo principalmente. Para os mais novos e aos desinformados, crentes e católicos já foram inimigos históricos. Nos anos 40 e 50 os crentes eram perseguidos pelos padres que protegiam o seu rebanho dos pastores que distribuíam bíblias nas praças. Meu pai sofreu perseguição dos padres. A rixa era tão grande que nos hospitais, os médicos na sua maioria esmagadora eram católicos e não atendiam quem era crente. Minha mãe teve dois filhos que morreram ainda bebês e não poderiam ser sepultados no cemitério da cidade. Meu pai carregou o caixãozinho de um deles no ônibus e teve de sepultar bem longe da cidade porque era crente.

O que uniu este povo que antes era inimigo? O que mudou para que se unissem numa só causa e o que tem em comum estes dois principais grupos? Ninguém está preocupado com salvação, perdão de pecados, arrependimento e o reino de Deus que deveria ser as principais pautas de reivindicação. A maioria, mesmo os evangélicos, não conseguiria discorrer sobre estes fundamentos da doutrina do evangelho. A política e a religião é o campo comum, porém, agora tolerantes porque a doutrina tem diferenças fundamentais que geram até brigas noutros contextos. A conclusão a que se chega é que, se a religião é tolerante e na política não existe um debate aprofundado de ideias, então, o que restou neste cenário se chama ignorância e preconceito. A bandeira religiosa está esfarrapada de tanto que apanha e o campo político está desgastado pela ganância do dinheiro e pelo poder de influência.

A elite social brasileira tem característica de um radicalismo feudal onde se julga como a única opção de sobrevivência financeira legítima em que todos dependem dela. Qualquer outra ideologia que afronta este conceito egoísta que teoricamente vá comprometer o conforto dos dominadores é passível de repúdio. Distribuir a renda de forma que todos gerem as suas próprias riquezas é algo impensável e está fora de qualquer questionamento. Não existe riqueza sem a complacência do pobre assalariado que se submete ao sistema por questão de sobrevivência sendo responsável direto pela pior parte no processo. A ideologia que esta elite social tem repugnância é o socialismo/comunismo. É o medo de perder tudo e ficar pobre. Até mesmo o pobre se tornou capitalista como se bastasse acreditar cegamente que tudo vai melhorar. Já os crentes, ricos ou pobres, nem querem ouvir falar em comunismo porque acreditam que é uma ideologia que nega a Deus. Toda ideologia fundamentalmente é um campo aberto. Já num regime de governo democrático se pode ser socialista e capitalista ao mesmo tempo. Porque não ser rico e justamente generoso? Negar a Deus é uma prerrogativa pessoal e não existe ideologia política que seja taxativa nesta questão. Por incrível que pareça, todos aqueles que repudiam o comunismo, nunca questionaram o ateísmo que é negar a Deus e não é nem de perto um dos temas defendidos porque desconhecem o seu fundamento. Falam contra o comunismo, mas, a maior preocupação é sempre com o aborto e o homossexualismo.

Mas, e o capitalismo que defendem, deve ser abraçado sem conhecer os seus fundamentos? No antigo testamento era proibido emprestar com juros e no novo testamento na parábola dos talentos, o próprio Jesus expôs que o empregado que não rendeu juros no talento é um servo ruim. Na Bíblia não existe uma explanação política sobre ideologia, mas, sobre atitudes que vão além daquilo que se conhece. Todo conceito humano tem princípio nas leis de Deus e Jesus veio para cumprir estas leis (Mateus 5:17). Se atentarmos para os fundamentos daquilo que Jesus ensinou, as atitudes que o evangelho de Jesus expôs tem mais proximidade com o comunismo, pois, tem fundamentos socialistas e repudia o capitalismo quando lemos que se deve servir a Deus ou ao dinheiro. No livro de Atos 4:32 conhecemos mais sobre a igreja primitiva em que tudo o que as pessoas possuíam, lhes eram comuns, ou seja, pertenciam a todos para que ninguém passasse necessidades. Outro texto ainda mais forte na parábola em que Jesus falou ao jovem rico que vendesse a sua riqueza e distribuísse o dinheiro aos pobres (Mateus 19:21). Um evangelho radicalmente comunista de atitude que demonstra que pertencer, neste caso, não é possuir, mas, usufruir. O jovem rico possuía muitos bens e o seu coração estava nas suas riquezas e queria mais possuir do que usufruir. No princípio do Gênesis se Deus falasse para Adão que o mundo inteiro lhe pertencia, seria algo sem sentido. Ao invés disso, Deus falou que tudo era para que ele usufruísse. Porque ser rico é poder aproveitar aquilo que possui e deve ser uma benção de Deus e jamais deve ter como propósito o egoísmo, a avareza e a ganância.

Deus não está numa caixinha como se fosse de estimação conforme sua ideologia. Nem socialista, nem comunista, nem capitalista, anarquista ou qualquer outra, pois, o foco de Deus é atitude que faça diferença na vida das pessoas e que o evangelho seja comum a todos. O princípio do evangelho é a vida em Deus que não se identifica com a política e nem com a religião seja ela qual for. Este grupo que utiliza a política para falar de princípios não chegará a lugar algum e, devido ao radicalismo, as consequências é a discriminação de pessoas, a incitação ao ódio e o partidarismo. Deus permite que estes extremismos aconteçam, mas, não compactua e não designou os discípulos para falar de política e nem de religião, mas, do evangelho de salvação para todos. O nosso compromisso com Deus não é ter uma forma politicamente correta e nem falar de suas leis religiosamente corretas.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Jr. Política partidária e religião quando se misturam só produzem o mal para povo.

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