quarta-feira, 16 de abril de 2025

GULA DIGITAL

Venancio Junior

Imagine ter uma incontinência alimentar e que ficasse beliscando um doce ou salgado a cada minuto? E se ficasse mais de três horas comendo sem parar nem um pouquinho? Como será que o organismo reagiria? Colesterol, açúcar no sangue em excesso, obesidade, fígado, rins e coração comprometidos e muita indisposição para fazer qualquer outra coisa seria uma tragédia anunciada. O sistema digestivo colapsou. Será que para usufruir dos sabores e dos nutrientes das vitaminas não seria melhor dosar o consumo ou ingestão? Dar uma pausa entre as refeições, descansar o corpo para que possa ter o tempo necessário para fazer a digestão e ter os benefícios de uma vida equilibrada e disposta é uma decisão sensata.

Será que também existe este comportamento desregulado na vida digital onde o alimento são as milhares de informações absorvidas diariamente? Nem preciso exemplificar porque já vivemos desta forma de consumo desvairado e sem limites. Ficar três horas no celular não é muita coisa porque chegam milhões de informações a todo instante que nem se vê o tempo passar. Como o cérebro reage com tanta informação ao mesmo tempo? Não temos capacidade nem para absorver 0,00000001% das informações que nos chegam diariamente e a maioria para nada serve e não mudará a vida significativamente. Não seria melhor acordar trinta minutos antes do normal com tempo para uma boa espreguiçada (da mesma forma que o cachorro quando acorda) e olha para o teto para se reconectar ao ambiente, vai ao banheiro lava o rosto e se dirige a cozinha para o café matinal? Tudo com leveza e ainda sem mexer no celular. Se você tem este costume, também não ligue a televisão para ver o noticiário. Este procedimento diário fará uma versão melhor do que você é.

Não fomos feitos para fazer tudo ao mesmo tempo e não precisamos também disto. A bíblia afirma que há tempo para tudo (Eclesiastes 3:1). Isto não é automático. É preciso predisposição em dar este tempo a si mesmo. O mundo digital quer e também precisa que se consuma para que mais conteúdo seja produzido. Quanto mais, melhor. Acredite, nem tudo que está nas redes precisa ser “consumido”. Tudo está ao alcance e disponível, mas, quem escolhe é você. Fazer nada é o seu tempo precioso exclusivo que o mundo digital quer roubar. Talvez já tenha roubado e agora quer a sua autonomia para decidir o que fazer da sua vida. Você precisa muito deste tempo “ocioso” e não permita esta intromissão externa para que o cérebro se reorganize e ofereça o melhor para si e compartilhe o seu melhor com as pessoas queridas do seu círculo de relacionamento. Com exceção da vida profissional, exposição pessoal nas redes alimenta mais a vaidade do que qualquer outra área da vida. Antigamente quando a pessoa queria demonstrar que sua vida não tinha segredos afirmava que “minha vida é um livro aberto”. Agora mudou e se diz que “minha vida é um celular sem senha”. Roube a minha vida, mas, não roube meu celular. Infelizmente muitos perdem a vida por causa do celular e se esquece que sem a vida, de nada serve o celular. Então, a vida é mais importante que o celular, mesmo que julgue que a vida esteja no celular. Praticamente tudo o que se pensa em termos de vida digital, o celular é o mundo que cabe no bolso. Agora, tente absorver todas as atividades ao mesmo tempo? Quem nunca teve um celular ou um computador travado? Nem o próprio sistema suporta tanta informação simultânea se não ampliar os limites das memórias de armazenamento e de processamento o que pode provocar um bug ou um colapso. Mesmo assim é impossível absorver tudo o que está sendo publicado e o cérebro não conseguirá absorver toda informação instantaneamente. Isto gera muita ansiedade. Nada mudará significativamente a vida se não houver uma propensão em absorvê-los seletivamente. Pode deixar o celular no modo vibrar ou, preferencialmente no modo silencioso e controle o acesso. Você no controle não deve ser somente para os gastos, mas, para o consumo de tempo também. Dedicar tempo com serenidade e com equidade gera qualidade de vida emocional e psicológica. Comece deixando o mundo do lado de fora da sua vida.

Será que é somente o celular ou laptop que rege a vida digital atualmente? Você pode dizer que não mexe muito no celular ou no computador, mas, assiste muitos filmes, séries e programas de entretenimento. Desculpe, mas, dependendo do tempo dedicado pode-se dizer que isto é sedentarismo. Quanto tempo da vida é dedicado a visitar uma mata? Observar o horizonte sem prédios, carros e movimento de pessoas é muito relaxante. Isto deve ser feito com regularidade. Quanto tempo da vida é dedicado a uma prática esportiva que, muitas vezes não é a preferida, porém, muito necessária? Uma boa caminhada já faz muita diferença no bem-estar e na saúde. Uma pedalada com amigos ou mesmo sozinho é muito saudável para o corpo, mente e o coração. Você tem o hábito de ler? Quanto tempo é dedicado a boas leituras? Ler um livro é a melhor forma de colocar um freio na rotina intensa, pois, exige paciência e atenção para observar o conteúdo reativando a cognição. A prática de leitura é um processo lento facilitando a absorção das informações e dando tempo para que tudo do cotidiano se desconecte e você se recomponha. Outros processos que ajudam na estabilidade interna é ouvir música e deixar que os ritmos e melodias desobstruam toda os caminhos do prazer, conversar com alguém intimamente ou na roda de amigos sem pressa e sem assuntos desconfortáveis, se reunir com os familiares e se interessar pela vida do outro não para fofocar, mas, para saber se está tudo bem com ele. Estas práticas deverão ser feitas sem obrigatoriedade e sem cobrança. Se não quiser fazer nada disto, que seja algo consciente e leve. Não precisa ser ativo o tempo todo. Desligue-se da rotina e saiba que você é o personagem mais importante para fazer diferença no seu contexto de vida. Nas redes sociais, a maioria das pessoas querem viver como celebridades provocando inveja e o orgulho alheio. Esta provocação não é algo novo. As novelas desde que surgiram no Brasil no final dos anos 50 tem esta magia em "transferir" a pessoa pobre para o ambiente confortável da novela e acaba se esquecendo da sua triste realidade. Os "influencers", infelizmente, cada um pior do que o outro, descobriram esta função lucrativa e ostentam uma vida luxuosa por fora, porém, podres por dentro às custas de pessoas com total ausência de senso crítico que são os seus seguidores. Siga na contramão deste sistema que coloca cabresto e não espere reconhecimento dos outros via redes sociais e, na verdade, não interessa para ninguém o que esteja fazendo. Em tempos de violação de privacidade, o melhor é não expor em redes sociais a vida familiar. Mantenha a racionalidade e a leveza emocional e psicológica o que resultará numa vida fisicamente saudável sem engasgo e sem surpresas desagradáveis.

Um comentário:

  1. Assunto muito relevante, Jr. O celular pode ser o nosso roubatempo.

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