quinta-feira, 31 de agosto de 2023

A IGREJA INFILTRADA

Venancio Junior

Quem nunca ouviu falar em "agentes infiltrados”. Geralmente envolvidos numa missão conspiratória para desestabilizar um grupo organizado concorrente ou um sistema autoritário, tirano e injusto. No mundo corporativo da tecnologia e de estratégias é onde acontece a maioria das ações de espionagem. As investidas visam a busca de informações secretas ou estratégias de projetos das estruturas da organização, pois, não existe estabilidade quando não há a preocupação em seguir uma metodologia organizada. Lembramos também que a milícia e o tráfico de drogas são fortes porque são organizados. Corre um grande risco de vida quem se envolve com este tipo de missão, pois. quem é descoberto ou “fura o esquema” sofre graves agressões e, “por sorte”, até se descobrir quem enviou os agentes, a vida é poupada.

Nas empresas e instituições públicas também existem aqueles que se submetem aos riscos de uma ação, neste caso, criminosa aceitando propinas para viabilizar negociatas em contratos fraudulentos e superfaturados para favorecer corruptores e se tornam agentes infiltrados. Pode ser funcionários de carreira, mas, que, por algum motivo, geralmente por vantagem financeira, se desviaram dos princípios da ética aproveitando a facilidade do cargo. Porém, a grande vantagem aos interessados corruptores é que estes "agentes infiltrados" pertencem à corporação e possuem informações privilegiadas. Corromper financeiramente estes virtuais agentes é o único meio de convencimento.

Nos regimes autoritários, seja, o comunismo, nas religiões extremistas do oriente médio e da Ásia e até no capitalismo que é muito defendido pelos religiosos chegando a afirmar que Jesus é de direita, também existem os agentes infiltrados. Todos estes sistemas, como o próprio nome diz “regime fechado”, tem a única missão em defender os interesses dos seus líderes e seus asseclas e todos os que se opõem se tornam inimigos declarados e muitos deles, convictos de suas posições se tornam agentes infiltrados. Estes regimes não têm qualquer interesse em melhorar a qualidade vida das pessoas e seus planos e projetos, na sua maioria são secretos e quem está de fora da cúpula só teria acesso as informações se for um agente infiltrado. Quando descobertos, muitos deles são sumariamente executados sem qualquer chance de perdão. Quanto mais rígido o sistema, seja religioso ou político, maior é a susceptibilidade em se ter agentes infiltrados formais ou informais.

Ser um agente infiltrado não é restrito aos mal-intencionados criminosos. A igreja também já teve os seus agentes infiltrados no regime nazista quando eram perseguidos, presos e mortos. Foram produzidos filmes e lançados centenas de milhares de livros relatando histórias sofridas daqueles que tinham apenas o simples propósito em falar do evangelho. Provavelmente, muitos nem eram da etnia judia, mas, defendiam os judeus e criticavam a brutalidade aplicada para quem se opusesse ao regime nazista. Por incrível que pareça, o nazismo era apoiado pela maioria dos cristãos na Alemanha.

Logo no início do lançamento dos fundamentos do evangelho quando foram escolhidos os doze apóstolos, Judas se tornou o agente infiltrado que foi corrompido pelo judaísmo e a maioria dos seus líderes se tornou um desafeto para Jesus. Os romanos pouco se importavam com Jesus, pois, não o consideravam uma ameaça e era um problema exclusivo dos judeus. Contrariamente a esta posição dos romanos que dominavam todo o império naquela região, os sacerdotes judeus e os seguidores mais tradicionais se sentiam ameaçados porque Jesus veio para combater a tradição desconectada dos valores do Reino de Deus apregoado por João Batista e colocavam agentes infiltrados entre os seguidores de Jesus. Naquela época existiam diversos grupos, dentre os mais conhecidos, haviam os fariseus que se preocupavam mais com a tradição religiosa e os saduceus que tinham a preocupação com a influência política. Eram grupos infiltrados que acompanhavam Jesus e eram enviados pelos sacerdotes com o claro objetivo em saber o que falava para tentar desacreditá-lo. Em diversos relatos nos textos bíblicos, os membros destes grupos e muitas vezes os próprios sacerdotes estavam infiltrados e questionavam Jesus por assumir sua condição de Messias e uma de suas determinações finais logo após a ressurreição é o famoso "Ide" que, de certa forma, foi um envio de agentes infiltrados para desestabilizar as investidas das hostes malignas. Afinal, Jesus era considerado subversivo e dissidente da religião oficial. Jesus e seus discípulos se tornaram marginais e conviviam com os marginalizados tanto pelo império, como também pela religião judaica. O grupo inicial de infiltrados enviados por Jesus foram os apóstolos e, com exceção dos gentios, posteriormente os demais seguidores que também se rendiam ao evangelho de salvação pela graça se tornaram dissidentes do judaísmo tradicional e defendiam a fé no contexto social em que viviam. A defesa da fé precisava ser desta forma, pois, quem se opunha ao sistema religioso vigente da época se tornava também um marginal e era perseguido e sacrificado. Quem nunca ouviu falar do Coliseu em Roma que era a arena onde os cristãos eram jogados para serem devorados pelos leões? Este fato trágico era considerado um grande evento de entretenimento. Ser cristão não era um privilégio do ponto de vista da sociedade. Com exceção de João que morreu de velho, os demais apóstolos foram presos e mortos por se posicionarem a favor do evangelho de Jesus e contra a tradição da religião.

Um caso muito interessante foi quando Jesus seguia em plena via dolorosa carregando a sua cruz e Pedro estava seguindo o seu mestre. Naquele contexto, Pedro estava infiltrado e ninguém até hoje não soube dizer qual era o objetivo de Pedro. Devido a sua impetuosa personalidade, talvez Pedro quisesse encontrar uma oportunidade para livrar Jesus daquela situação para que continuasse a sua missão. Para Pedro, a morte de cruz não poderia ser o fim e agiu como um agente infiltrado negando Jesus por três vezes. Se não queria ser reconhecido, por que, então, ele acompanhou de perto o sofrimento de Jesus? Na primeira vez que negou, já poderia ter ido embora, pois, nada poderia fazer e corria um sério risco em ser preso também. Chega a ser estranho que Pedro teria alguma estratégia previamente planejada. Não fazia parte do seu perfil pensar antes de agir. Mesmo assim, ele continuou e, sinceramente, não acredito que sentia prazer no sofrimento de Jesus. A explicação mais razoável é que Pedro estava na espreita esperando a primeira oportunidade para livrar Jesus, mas, do seu jeito atrapalhado. De tão atrapalhado que precisou sofrer uma advertência antes deste episódio quando tentou impedir a prisão de Jesus. Não é bem assim que age um agente infiltrado porque Pedro não é definitivamente um exemplo para este fim. Teoricamente estava fazendo tudo certo, negou que estivesse servindo a alguém de fora, sempre estava próximo de pessoas estratégicas e na primeira oportunidade, aproveitaria para interromper o processo. Pedro desconhecia o processo e se recusou a admitir que a via crucis fazia parte da missão.

E na igreja, será que existe algum agente infiltrado? É bem estranho, afinal, no regime religioso teocrático é difícil conceber a ideia de que alguém vá contra o direcionamento de todas as atividades considerando que o propósito é servir a um único Deus. É um pensamento muito simplista acreditar desta forma. A forma não simplista é acreditar que na igreja também existem pessoas com pensamentos e objetivos diferentes. Paulo abordava este problema quando afirmou “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus”. Gálatas 3:28. Paulo expôs que a comunidade, mesmo sendo um corpo só em Jesus, era formada por pessoas de contexto social, características e visões diferentes. O problema que Paulo relevava é o mesmo que o seu mestre Jesus alertava aos sacerdotes que eram os líderes religiosos e que as pessoas estavam sendo enganadas e arraigadas à tradição em detrimento do evangelho. É preciso estar atento ao que se tem apresentado nas igrejas. Esta é a causa principal do surgimento de muitas denominações onde cada uma defende a sua religiosidade a seu próprio modo de ser. Aqueles que percebem algo estranho na mensagem exposta e que defendem o retorno ao princípio do evangelho dentro da própria igreja são perseguidos e marginalizados porque informalmente agiram como agentes infiltrados. A Igreja infiltrada na igreja nada mais é que o cuidado que estes agentes informais tem na exposição da palavra de acordo com os princípios do evangelho em que Deus é o criador da existência e Jesus como filho de Deus encarnado é o Salvador da humanidade. Este princípio jamais deve ser negado. Pedro na via sacra praticou um grande mal, negando a Jesus. Pior que negar a Deus é dizer que o ama e não viver este evangelho. Pedro posteriormente sentiu o peso desta sua atitude. Com certeza, este seu retorno ao caminho através do seu arrependimento mudou a sua perspectiva daquilo que lhe foi confiado em levar o evangelho adiante.

Deus não procura pessoas perfeitas, mas, busca pessoas destemidas e que desejam ser luz nas trevas e sal da terra, tal como um agente infiltrado. Ser luz na claridade e ser sal dentro do saleiro é totalmente inútil e não será nem um agente e muito menos infiltrado, pois, será semelhante aos demais e não fará a diferença necessária. Ser informalmente um agente infiltrado no cotidiano dos vizinhos, na família, no trabalho e onde for necessário, é fundamental para que, de fato, faça diferença na vida de cada pessoa.

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