terça-feira, 16 de maio de 2023

OS DEZ ENCANTOS DO CASAMENTO

Venancio Junior

“Após algum tempo de relacionamento, o que resta é um suportar o outro”

Qual a sua situação atual para aplicar adequadamente a frase acima no seu relacionamento? Este é um assunto que não se esgota com meia dúzia de palavras e nem com um milhão de conselhos por mais oportunos que sejam, pois, trata-se de desvendar os impenetráveis corações e mentes humanos. Por incrível que pareça, muitos casamentos não deram certo e não é porque um dos dois é uma pessoa má, simplesmente, não conseguiram reagir corretamente ou não reagiram e somente esperaram acontecer e acontece o pior.

Muitos casais frustrados afirmam e até existem pesquisas que, de certa forma, comprovam que o casamento é uma entidade falida. Do ponto de vista de que basta casar-se para ser feliz, então, tanto a pesquisa como também, as afirmações, estão corretas. Mesmo tendo a certeza de que o casamento faliu, as pessoas ainda continuam se casando e nunca deixam de se casar até mais de uma vez, sempre na esperança de que agora vai dar certo. Não deu certo!? Casam-se novamente e após diversas “tentativas”, um novo relacionamento reacende a esperança e o destino geralmente é o altar até que se acerte ou não e desistir de um novo casamento é apenas um desafio.

Felicidade no casamento e, numa eventual crise, resolver o conflito não depende unicamente de bons conselhos em que há muitos e até ajudam, como ajuda também a psicologia dedicada exclusivamente a este "problema" com a terapia de casal e existem até pastores e padres que, mesmo não tendo a experiência de uma vida a dois, tem a teoria dos estudos e se tornam especialistas em conflitos conjugais. Incluo os líderes eclesiásticos porque o casamento conforme os relatos históricos mais antigos, tem princípio na doutrina da religião de Deus ainda no Gênesis. Para quem crê na teoria criacionista, o relacionamento entre homem e mulher foi estabelecido desde a criação da humanidade, “...macho e fêmea os criou” (Gênesis 1:27). Perceba que ainda não havia Adão que, juntamente com Eva, foram criados absolutamente iguais nos direitos e nas responsabilidades e diferentes no aspecto, porém, eles não se casaram como se tornou um costume posterior a esta época. Mesmo para aqueles que não acreditam nesta teoria da criação e são adeptos da teoria da evolução, se casam e a cerimônia segue o mesmo padrão cristão com o compromisso legal e não poderia faltar a festa das bodas de casamento. Nos tempos bíblicos, especificamente no Antigo Testamento, haviam os acordos matrimoniais e em alguns aconteciam as festas, mas, ainda não existia a denominação como casamento o que veio a ser mencionado somente no Novo Testamento também como bodas. Tudo era meio que arranjado e as mulheres não tinham autonomia para escolher com quem gostariam de conviver e, aparentemente, parece que dava certo, pois, não há nenhuma reclamação matrimonial do cônjuge. Isto não significa que não havia problemas conjugais e, provavelmente, havia no subconsciente de algumas mulheres o questionamento sobre o método de escolha do marido que envolvia, muitas vezes, interesses patrimoniais. A submissão da mulher era culturalmente tão profunda que a autonomia era um termo impensável. Lembro que a submissão da mulher é somente em relação ao marido e Deus nunca determinou que a mulher propriamente dita fosse submissa ao homem. A submissão não é um tipo de imposição, mas, de respeito que nunca deve ser por mérito. De fato, o homem se apropriou indevidamente e distorceu o mandamento de Deus e decidiu que o gênero mulher não teria autonomia nas suas escolhas, ela sempre era escolhida e jamais decidia pelo homem dos seus sonhos. O patriarca escolhia, muitas vezes, visando o seu próprio interesse em aumentar o patrimônio ignorando completamente os desejos e sonhos das suas filhas. Inclusive, até a pouco tempo, a mulher solteira era muito mal vista, tipo, ninguém quer se casar com ela como se tivesse algum defeito. Será que este modelo quase que paternalista é uma receita infalível? Nunca lemos na bíblia sobre crises, mas, há um provérbio de Salomão que reflete uma crise conjugal. Leia o texto de Provérbios 21:9 “Melhor é morar no canto do telhado, do que com a mulher de contendas numa casa espaçosa”. Salomão era muito rico e morava num palácio, com certeza se inspirou numa situação que deve ter acontecido com ele e considerou renunciar ao seu conforto em troca de um pouco de paz.

A crise conjugal existia, tanto é que Deus estabeleceu o divórcio consciencioso que era algo que Deus odiava (Mateus 2:16 e Malaquias 2:16). Que eu saiba, o divórcio é uma medida drástica diante de uma crise insolúvel no relacionamento que, aparentemente, nem Deus conseguia encontrar uma solução de consenso do casal para prosseguir no convívio conjugal. Conforme o texto bíblico, ainda nos tempos de Moisés, o divórcio foi estabelecido por causa da dureza do coração (Mateus 9:18) do ser humano em relação ao adultério. Aparentemente, parece que o único problema e o real motivo identificado no relacionamento conjugal que justificasse o divórcio era somente o adultério. O divórcio era apenas uma decisão emergencial para resolver um problema. Quem disse que Deus não faz concessão? No Novo Testamento, esta concessão foi atestada quando tem uma recomendação de Paulo sobre o divórcio e não era um mandamento de Deus: “Porém, se o marido não cristão ou a esposa não cristã quiser o divórcio, então que se divorcie. Nesses casos o marido cristão ou a esposa cristã está livre para fazer como quiser, pois Deus chamou vocês para viverem em paz” (I Coríntios 7:15). Esta é uma concessão de Deus ainda alusiva a dureza do coração do ser humano porque o conflito conjugal acabava destruindo também a vida espiritual. Inclusive, uma das recomendações de Paulo muito controversa foi em questão a permanecer solteiro para cuidar das coisas de Deus "O que é solteiro, cuida das coisas do Senhor, de como agrade ao Senhor; mas aquele que está casado, cuida das coisas do mundo, de como agrade a sua mulher” (I Coríntios 7:32,33). Observe que no episódio da concessão de Deus sobre o divórcio, o motivo não foi relatado se era pelo adultério do marido ou da mulher. Mesmo no Novo Testamento, se a submissão da mulher era absoluta, podemos imaginar que o adultério era praticado somente pelo homem e nunca pela mulher. É um equívoco julgar desta forma, pois, como a mulher no relacionamento era quase uma coadjuvante, porque não se relacionava nem socialmente com alguém fora do núcleo familiar, considerando também que era vergonhoso uma mulher conversar, principalmente, com um homem fora do seu domicílio, o comportamento dos homens é que ficava em evidência e o comportamento das mulheres, na sua maioria, foi ocultado nos relatos bíblicos. Pode ser que a maioria dos casos de adultério fosse praticada pelos seus maridos porque, é óbvio, o marido cuidava de assuntos externos da casa e tinha atividades fora do contexto da família e, de alguma forma, se relacionava com outras pessoas e no seu caminho, com certeza, havia mulheres. Devemos considerar também (isto é apenas uma especulação para explorar o contexto) de que a mulher ficava só em casa e, muitas vezes, por vários dias sem o carinho e o afeto de um homem. Interessante é que existe um texto que demonstrava a cultura machista daquele contexto social e que se encontra em Deuteronômio e fala exatamente sobre o divórcio e diz que se o homem “enjoar” da sua mulher que deixe ela livre concedendo-lhe a carta de divórcio. Leia o texto: “Moisés disse ao povo: - Pode acontecer que um homem case, mas depois de algum tempo não goste mais da esposa porque há nela alguma coisa que não agrada a ele. Nesse caso ele deve preparar um documento de divórcio, entregá-lo à esposa e mandá-la embora” (Deuteronômio 24:1). Imagine naquela época uma mulher descasada que não trabalhava para o seu próprio sustento e que tenha sido mandada embora pelo marido naquele contexto cultural e social como seria vista pelos outros? Diria que é uma decisão insana. Isto não significa que Deus determinou que acontecesse desta forma. Após a queda pelo pecado, houve uma desconfiguração da ética, da moral e da concepção social e algumas outras coisas o próprio ser humano é quem determinava sem se caracterizar como mandamento de Deus.

Quando se chega ao Novo Testamento, percebe-se que a entidade do casamento já está um pouco mais bem estabelecida e, de certa forma, também resolvida na questão da poligamia que era permitida no Antigo Testamento. Há de convir de que isto já aliviou consideravelmente a carga de responsabilidade do marido no relacionamento conjugal. Vamos apenas observar onde aconteceu o primeiro milagre de Jesus que foi exatamente numa festa de casamento quando transformou água em vinho da melhor qualidade "...e foi também Jesus convidado ao casamento com seus discípulos" (verso 2). Um detalhe importante é que as talhas de água disponíveis na festa eram para os judeus se lavarem e não era para saciar a sede ou algo do tipo, "Ora estavam ali colocadas seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as purificações..." (verso 6). Leia o texto completo deste evento sobre o milagre em João 2:1 a 11.

Desde esta época milenar, ainda se busca uma receita infalível e, talvez, o maior erro seja acreditar que exista e muitos que estão envolvidos profissionalmente com este problema conjugal e que buscam através de pesquisas e estudos didáticos métodos solúveis e tenham visibilidade nas redes sociais, dizem que possuem esta receita infalível e ganham muito dinheiro com isto. Há também pastores fazendo propaganda do seu próprio casamento como quem diz que do jeito que fez deu tudo certo. Particularmente julgo excessivamente presunçoso este tipo de exposição da própria relação conjugal e cada um deve usufruir do seu relacionamento com discrição. Nunca vi algum líder religioso vir à público e assumir que o seu casamento foi um fracasso. Olha que conheço muitos que, não diria que fracassaram, pois, seria um julgamento prévio de quem está de fora, mas, não foram felizes no seu casamento. O casamento enquanto está no nível do romantismo, é tudo lindo e maravilhoso. Para não ser injusto, ainda existem casais com mais de três décadas de compromisso conjugal, o que é um tempo razoável de maturidade e ainda se amam e até sentem prazer no sexo consensual quando não se faz por obrigação do matrimônio. Se tudo girasse somente em torno do romantismo do primeiro amor e do prazer do sexo, muitos traumas e choros seriam evitados e os conflitos fáceis de se resolver. O problema é que o romantismo acaba e o interesse pelo sexo se desgasta. É possível o romantismo não acabar, o problema é que não depende somente de um.

Para simplificar um pouco este assunto, existem apenas dois tipos de grupos de casais no contexto daqueles que permanecem no relacionamento conjugal. Os dois grupos são, daqueles que vivem o casamento e o outro é daqueles que sobrevivem no casamento. Não existe uma terceira via opcional. O primeiro grupo de casais desejam permanecer casados e se esforçam para que os desencantos do casamento passem à margem da vida conjugal. Os pensamentos, os objetivos, os desejos, os planos e todas as ações visam incluir o cônjuge, tipo, parceria mesmo. Já no caso daquele grupo dos casais que sobrevivem no casamento, geralmente um dos lados se torna individualista, consequentemente o outro lado também procura suas razões para não investir no relacionamento. Logicamente que o interesse vai mudando o formato e até os personagens. Alguns permanecem casados, mas, são apenas sobreviventes de um caos previsível. Pense comigo, no primeiro grupo, geralmente cria-se vínculos quando há um tempo razoável de convivência e a saudade da pessoa com quem se conviveu vai ocupando espaço na mente e no coração e vivem o casamento. No segundo grupo, muitas vezes acontece ao contrário, o tempo de convivência desgasta o vínculo. As duas indagações a seguir têm o mesmo peso, por que o encanto do casamento acaba e porque noutros casamentos não acaba?

Vamos expor alguns pontos óbvios de comportamento. O casamento é aquela relação em que a sinceridade e a sabedoria têm de andar de mãos dadas. Nem sempre a sinceridade é necessária. Já, a sabedoria é sempre necessária. Dependendo da situação, ser tardio em falar e reagir é um ponto positivo e demonstra sabedoria. Porque o convívio gera atritos provocados pela proximidade de contato que é inevitável e pode não ser o momento em ser proativo. Algo que precisa estar atento é com o acúmulo de emoções que não é um “privilégio” de uma vida a dois, mesmo vivendo sozinho é algo natural e que precisa ser diluída de alguma forma. Neste caso, não reagir e permanecer em silêncio irá gerar energias emocionais nocivas que poderão controlar e afogar o prazer da vida a dois. Em muitas situações, a sinceridade pode ser um caminho importante, porém, é preciso sabedoria para colocar na mesa os questionamentos no momento certo. Qual é o momento certo? Neste caso, os dois devem estar abertos para ouvir e assimilar, caso seja pertinente, afinal, o objetivo é construir uma estrutura capaz de suportar as adversidades conjugais. Quanto mais próximos, mais haverá contatos, atritos e confrontos emocionais e a discussão sadia diluirá todo o mal-estar ou mal-entendido. Mesmo havendo uma atitude impensada, o que deve ser considerado é o que já foi construído e o potencial de conquistas futuras. Sempre se deve ter em mente de que o passado gerou a confiança e o futuro, a esperança.

Isto que falei são apenas palavras e teorias que, por mais que sejam apresentadas e discutidas as suas análises à exaustão, ainda assim, não se conseguirá chegar a um delimitador (e não denominador) comum onde quem ultrapassar este limite, não será bem-sucedido no casamento. Este delimitador é regrado pelo compromisso matrimonial assumido. Quando se ultrapassa os limites estabelecidos, as paredes da ética e do respeito que protegem a relação começam a ruir. Na menor fissura, ventos de maus conselhos penetram na intimidade do casal que é um lugar exclusivo da vida a dois. De antemão digo que jamais se deve permitir que uma terceira pessoa ocupe este espaço indevidamente, pois, roubará literalmente a elegância, o charme e o respeito do casal. No decorrer da crise, a tendência é reagir sem pensar expondo o que esteja acontecendo no relacionamento quando se sente que está perdendo o controle, porque o objetivo é fugir da parcela de culpa e sobrecarregar o outro com toda a culpa pelo insucesso. Independentemente de quem seja a culpa e nem os motivos por mais justificáveis que sejam, não interessa a ninguém o que esteja acontecendo na vida conjugal, exceto em casos de violação da integridade física ou psicológica quando precisará de ajuda externa. Mesmo assim, é preciso ponderar a decisão de incluir alguém de extrema confiança. Infelizmente, a crise acontece também nos bons casamentos e muitas sementes de amargura são plantadas que geram frutos podres que relacionei abaixo:


OS DESENCANTOS

Frustração é o sonho não ser realizado

Decepção é o parceiro (a) não ter correspondido

Tristeza é a consequência de um ambiente que se tornou desconfortável e que não tem mais alegria

Mágoa são provocadas por palavras e atitudes inadequadas

Medo é um sentimento de violação da preservação física e emocional

Trauma são os sentimentos acumulados que ocupam a mente e roubam a paz

Fobia é o medo de tentar e a certeza em não conseguir

Insegurança é a falta de confiança para recomeçar

Ansiedade é o ímpeto fora do eixo que fragiliza as emoções

Depressão é martirizar a si mesmo

A vida a dois não é somente flores, mas, também, não é somente espinhos. Não gostaria de concluir esta simples reflexão sobre um assunto inconclusivo com uma perspectiva pessimista. Abaixo segue os encantos da vida a dois que nunca se deve desistir de ser feliz mesmo que os obstáculos aparentemente sejam intransponíveis.

 

OS DEZ ENCANTOS

Alegria são centelhas de intenso prazer que constroem a felicidade

Prazer é o conforto em tudo o que envolve o contexto do lar

Realização é aquele sentimento de missão cumprida e ter acertado na decisão

Segurança é sentir que nada pode abalar a estrutura quando o parceiro(a) transmite confiança

Coragem é enfrentar as dificuldades que sempre aparecem

Otimismo é acreditar que, mesmo com um passado difícil, existe futuro no relacionamento

Êxtase é uma reação ao otimismo que deve ser preservado

Orgasmo é aquele prazer que é geralmente pelo estímulo físico e que, no ápice do sexo, se percebe no abraço que é alguém que faz sentido na vida a dois

Desejo é uma vontade contínua de sempre ser próximo(a) da pessoa amada e tudo o que ela representa

Esperança é sempre ter a certeza e a incessante busca de que vai acontecer da forma que desejou

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