segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

CONSELHOS, CONCILIOS, CONVENÇÕES E SEUS PODRES PODERES

Venancio Junior

Esta é uma época em que pastores e pastoras, bispos e episcopisas, profetas e profetisas, apóstolos e apóstolas estão em evidência. A tecnologia da multimídia favoreceu o surgimento e a exposição de milhares deles. O que ninguém questiona é quem consagrou estas pessoas para utilizar estes títulos? Qual a organização que os apoiam ou lideram? Sinceramente, muitos destes se autoproclamam ou se intitulam com tais atributos e sequer sabem o que significa. Primeiramente que na igreja não existe hierarquia que define um grau de importância. Todos são iguais perante Deus e exercem trabalhos com o mesmo peso de valor. É pura soberba julgar e forçar Deus para que tenha esta percepção da vaidade humana e também tentam transmitir uma imagem de que quanto mais alto o cargo, mais unção e mais intimidade teria com Deus. Será que a igreja deles (por sinal, muitas delas nem existem de fato, é só marketing) é subordinada a alguma organização superior? Ou será que julgam que nada seria superior a eles? Para quem frequenta alguma organização religiosa, provavelmente saiba que a maioria das igrejas é subordinada a uma entidade superior que regula e dita as normas de conduta das igrejas e dos seus frequentadores. Supremo Concílio, Convenção Geral e o Conselho Mundial de Igrejas são os principais órgãos que desde a muito tempo vem debatendo doutrinas e costumes e também intervindo em brigas de igrejas na disputa de territórios de atuação.

Acredite, houve um tempo em que as igrejas disputavam espaço territorial tal como as milícias e as facções fazem atualmente nas favelas. Não utilizavam armas de fogo, mas, saiam aos tapas e socos e os instrumentos musicais eram utilizados como armas de combate. Na década de 50 meu pai foi secretário da mesa diretora da convenção geral numa convocação extraordinária para resolver uma destas brigas em que dois ministérios rivais (sem aspas) da mesma denominação religiosa onde eram literalmente inimigos e um tentava destruir o outro porque houve invasão do território adversário como se pertencesse a igreja. Não é somente apartar estas brigas, mas, outra função destas organizações superiores é também ditar regras e costumes baseados na tradição de cada denominação. Quem não se alinhar, é sumariamente excluído do rol de membros. Alguns pastores que não coadunam com a mesma filosofia sofrem processos administrativos dentro destas organizações. A intervenção é tão grande que avança até nos limites do núcleo familiar. Não sou contra a intervenção desde que a situação na família tenha fugido do controle, porém, deve se limitar a dar um apoio naquilo que precisar deixando as decisões as pessoas responsáveis. Outra questão polêmica e que impera na liderança destes órgãos é o machismo. A maioria destes órgãos superiores não aceitam a liderança feminina. Pastora é considerado antibíblico. Os homens se aproveitam dos costumes antigos dos judeus e impõe algo que é meramente cultural. No Gênesis Deus impôs a submissão da mulher ao marido e nunca ao homem. Deus nunca determinou que a mulher fosse submissa ao homem. Os gêneros são absolutamente iguais em condições e direitos. Alguns destes órgãos já estão aceitando a ordenação feminina e a liderança pastoral. Mas, as maiores organizações ainda relutam em não aceitar e são ofensivos em suas críticas e fazem tudo em nome de Deus. Subjugam as mulheres a funções de atividades sociais o que não é menos importante, mas, sob a liderança dos homens.

Estas organizações têm a função também em dar suporte (pelo menos deveria) aos seus membros quando há algum problema nas igrejas. Alguém pode se iludir julgando que na igreja não existem problemas ou disputas internas. Acredite, nas igrejas também existem difamação, roubo, traição e disputas de poder. Se um determinado grupo de pessoas não gostar do seu líder, simplesmente formam um motim e utilizam até mesmo o poder maligno da mentira para desqualificar a pessoa. Chamam-no de ladrão para baixo. Tem pastores que são destituídos da liderança e saem com uma mão na frente e outra atrás e o espírito cristão está totalmente ausente naqueles que o perseguiram. O inverso também é verdadeiro quando o pastor não gosta de alguém e quer ele fora da igreja e faz de tudo para que se retire difamando e ofendendo e, caso não saia espontaneamente, é sumariamente excluído da membresia. Quando a situação chega no extremo da gravidade, seria o momento certo dos órgãos superiores intervir para trazer uma solução rápida para que os veios de mágoa não se aprofundem. Porém, onde estão estas organizações que deveriam intervir antes que se agravasse mais ainda? Estão nos luxuosos e confortáveis gabinetes preocupados em como manter o cabresto no povo. Esta liderança só se manifesta quando alguma coisa contraria a tradição e os bons costumes. São soberbos e amantes do poder e utilizam da simplicidade das pessoas para perpetuar este poder. Tudo o que falo é por conhecimento de causa. Pessoas muito próximas sofreram todas estas situações e algumas extremamente vexatórias em que a dignidade da família foi desconsiderada. O órgão superior que deveria dar o suporte para que a situação não fugisse do (seu) controle estava completamente fora do controle.

O mundo mudou e a igreja também mudou. A mudança foi extrema, algumas delas mudaram para muito pior perdendo completamente a função primordial em pregar o evangelho e fazer diferença positiva na vida das pessoas. Outras mudaram para melhor e continuam mudando se contextualizando sem renunciar aos princípios do evangelho.

Quanto aos órgãos superiores, mudaram em pouquíssima coisa. Não ouvimos falar mais em brigas territoriais, porém, ainda permanece a triste realidade em se manter a “sã doutrina e os bons costumes” que, na ótica bíblica, nada tem de sã e de longe não são bons costumes. O objetivo como sempre é o de se manter o poder de persuasão, aliciamento e de controle sobre as pessoas para que se mantenham fiéis, principalmente nas contribuições. Existe uma mentalidade que se utiliza como doutrina que é o da porção dobrada em que quantidade significa aprovação de Deus e acreditam que igreja cheia é sinal de que o divino mestre está presente na causa. Deus não se vale de números para agir nas instituições através das pessoas. Absolutamente ninguém receberá aprovação de Deus porque fez muita coisa ou de reprovação se fez pouca coisa. Na minha avaliação que é baseada em fatos, os órgãos superiores de qualquer ramificação religiosa se tornaram verdadeiras facções buscando atrair as pessoas e impor um certo controle. Quanto mais pessoas sob o seu controle, melhor. Existem três grupos principais destes “supremos líderes”. O primeiro grupo pertence aos presidentes vitalícios. Com medo de que sofram o mesmo que eles fizeram com o antecessor, já definiram a perpetualização do poder. O segundo grupo são aqueles que recebem a liderança como se fosse herança patrimonial familiar. Tratam a igreja como patrimônio empresarial e a relação com os seus membros é como se todos dependessem deles financeiramente. E o terceiro grupo é mais “democrático”, tem o seu grupo de apoio que controla tudo, até mesmo as sucessivas reeleições infindas onde apenas há revezamento no cargo. O objetivo é sempre manter o poder se aproximando das pessoas mais influentes da igreja. O discurso é sempre o que o seu grupo quer ouvir.

Enquanto estes podres poderes se perpetuam, há milhões de pessoas na área social passando fome, sem moradia ou com moradia precária, pessoas desempregadas e na área emocional existem muitos que sofrem perturbações diversas, desajustes psicológicos em consequência de sobrecarga do trabalho ou crises familiares, noutros casos, há milhões sofrendo em hospitais e até em casa mesmo sem um horizonte que lhes traga solução para as suas dores físicas. Ainda nem falei da triste realidade dos nossos desastrosos gestores públicos cujo único interesse é o dividendo político e se valem da ignorância das pessoas que colocam a confiança neles para resolver os seus problemas na área da saúde, da segurança pública e da mobilidade urbana. Os núcleos habitacionais irregulares se tornaram “currais eleitorais” e ninguém pode intervir para as devidas melhorias porque tem um grupo que controla. O pior é que estes gestores têm o pleno apoio destes órgãos superiores das igrejas. Ignoram completamente o descaso nas ações que deveriam atender a população. Diariamente vemos nos noticiários os problemas que são consequências da má administração e que são ignoradas pelos políticos em todos os níveis. Enquanto estes problemas surgem nos noticiários, os líderes religiosos estão discutindo assuntos diversos e nenhum deles bate de frente com as necessidades das pessoas. Jamais terão a hombridade em fazer uma autocrítica e, caso precise, virar a própria mesa. Ultimamente, um dos assuntos que tem ocupado a mesa de discussão é qual candidato vão apoiar em nome de Deus. Não importa se a pessoa é incompetente, mentirosa e que tenha um comportamento que contradiz exatamente as tradições e os bons costumes defendido por estas entidades. Basta que no discurso político se fale de Deus e da família, está tudo certo. Os líderes evangélicos vivem no luxo, mas, precisam fundamentalmente do apoio dos pobres.

Voltando ao campo de atuação destas entidades que é o da eclesiologia, porque a política é uma ação intervencionista fora do normal e nem mesmo é recomendável que se envolva, porque na questão política, a igreja tem de limitar a sua função em orientar os seus liderados de que os princípios do evangelho é o único referencial que se pode basear as preferências políticas.  Cada um decida como quiser e que não agrida a sua consciência análoga entre o discurso e as ações.

Observo que alguns destes órgãos desenvolvem trabalhos sociais e tem um certo apoio aos pastores. Mas, nem todos são assim. Porque a carência social, emocional e psicológica nos grandes centros urbanos é gritante e alguns pastores sofrem privações de comida e apoio psicológico. O número de pastores que desistem do ministério cresce a cada ano e dezenas deles chegam a cometer suicídio de tão forte pressão psicológica que sofrem. Sem falar nos escândalos sexuais e na usurpação do dinheiro dos fiéis gastos com a vida luxuosa de alguns dos privilegiados pastores. Construção de templo luxuoso não é e nunca foi da vontade de Deus. Não consta em nenhum dos seus mandamentos. Pelo contrário, o mandamento é o de não colocar o coração nas riquezas. Segue tantos outros mandamentos em que não se pode ter dinheiro e abundância e não ajudar a quem esteja passando necessidade. Os mandamentos não são restritos apenas aos dez. Toda orientação ou exortação serve como mandamento.

Jesus disse Ide e muitos foram para bem longe pregar o evangelho confiados no apoio das suas organizações supremas, porém, diante de tanta dificuldade e sofrimento, este apoio não chegou. Muitos missionários e pastores sofrem perseguições nos regimes autoritários. O mundo defende a paz desde que alguém não contradiga suas convicções religiosas. Concordo que se deve haver o respeito, porém, privar alguém de falar de um ponto de vista diferente em local público é também falta de respeito. Meu pai foi proibido de falar do evangelho em algumas cidades no interior do Brasil porque a igreja predominante não permitia e alertava pelo alto-falante na praça principal de que não era para dar atenção ao que ele falava. O sistema religioso era tão autoritário que meu irmão ficou doente e não atenderam ele no hospital porque a minha família pertencia a uma religião diferente. Não se engane de que isto não exista mais. Nos países extremistas este preconceito é muito comum. Todos devem ser respeitados independentemente de suas convicções religiosas. Os órgãos superiores nunca intervieram ou defenderam aqueles que são perseguidos porque a única preocupação é apenas introduzir os costumes e tradições de suas denominações afiliadas e deveriam se limitar em regular os princípios do evangelho nas suas atribuições e ter ações efetivas para apoiar aqueles que são perseguidos.

Deus não se vale de tradição. Jesus foi perseguido pelos líderes religiosos judeus por combater a tradição deles que valorizavam mais que o evangelho. Este deve ser o ponto a ser considerado. Tradição e bons costumes não são pecados desde que não substituam o evangelho que é o nosso principal direcionador da vida, seja individual ou envolvido nas entidades reguladoras. As igrejas constantemente devem se voltar a bíblia e fincar estaca nos seus princípios. Sinto falta de um evangelho contextualizado sem a máscara de nenhuma religião. A religião da bíblia é atitude, nada mais que isto.


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