quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O PENTECOSTE E O ÊXTASE ESPIRITUAL

Venancio Junior

Segundo a tradição hebraica, Pentecostes significa quinquagésimo que seriam cinquenta dias após a Páscoa e quando haveria também, como parte do ritual, a comemoração pela colheita (Levítico 23:15,16). Já no Novo Testamento foi denominado o dia de Pentecostes após também cinquenta dias da Páscoa e quando desceu o Espírito Santo sobre os apóstolos.

Este acontecimento foi, de fato, um “divisor de águas” no cristianismo. Desde então a manifestação dos dons espirituais se tornou a marca do pentecostalismo a ponto de adotar-se como “termômetro” de espiritualidade. Em vista disso, esta manifestação deixou de ser privilégio dos evangélicos pentecostais e foi literalmente também assimilado pelos católicos e outros grupos carismáticos que buscavam evidências desta espiritualidade. Em qualquer um dos casos, o principal motivo é a busca de um êxtase espiritual que evidencie intimidade com Deus. Mas, não creio em êxtase espiritual a rigor de deuses estranhos e distantes dos princípios bíblicos. No livro de Marcos capítulo 13:22 Jesus alertou os apóstolos a respeito destas manifestações estranhas: “Porque hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão sinais e prodígios para enganar, se possível, até os escolhidos”. Creio que o infeliz episódio em que uma determinada pessoa se utilizou do dom de línguas por causa da escolha do seu candidato ao cargo mais elevado da magistratura se encaixe perfeitamente neste texto bíblico. Em II Coríntios 14:01 Paulo enfatiza que devemos procurar com zelo os dons espirituais, sejam línguas estranhas, profecias ou revelações e parece que ele previu a usurpação no uso destes dons. Paulo conhecia as leis de Deus e antes da sua conversão era um dos maiores defensores da tradição judaica que até mandava matar quem desobedecesse às leis. Óbvio que tinha o seu jeito estúpido de ser e ainda não tinha noção do que seriam estas manifestações espirituais. Após a sua conversão e até chegar a este nível “hard” de compreensão das escrituras, precisou passar por algumas provações pessoais. Paulo amava a Deus, a princípio, travou uma batalha interior conforme lemos em Romanos 07:25: “De modo que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”. É a luta do homem natural com o homem espiritual. Mesmo com a concessão por Deus dos dons, esta é uma luta constante e incessante, pois, o sentimento do mundo está no maligno. Mas ele teve atitude para que o homem interior (espiritual) prevalecesse. Fiz esta breve exposição de Paulo porque foi o autor bíblico que mais enfatizou e desvencilhou as manifestações dos dons espirituais. Inclusive ele recomendou que "procure com zelo os dons e não se proíba o falar em línguas" (I Coríntios 14:39). A compreensão dos dons passa pela convicção de que o que está escrito na lei é o princípio de tudo e Paulo teve atitude também para cumprir o que Jesus expôs, em Mateus 22:37, quando mostrou a legitimidade do êxtase espiritual: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento”. Sem isto, os dons para nada servirão. Neste pequeno trecho Jesus enfatiza o sentimento, a consciência e o conhecimento, sendo os três pilares que definem também a legitimidade espiritual da manifestação dos dons.

O livro de Atos é onde aconteceu o dia de Pentecostes e reitero que esta manifestação não é propriedade e nem exclusividade de alguma ramificação cristã e nem é indício de que sua vida esteja tudo bem com Deus. Logo no começo do livro de Atos é relatado o que todos já conhecem sobre a manifestação dos dons, principalmente o de línguas estranhas. Contrariamente ao que dizem por aí, o dom de línguas não é somente a língua materna dos presentes naquele dia, mas, literalmente é um idioma estranho mesmo, chamada de língua dos anjos. Tem dois termos das línguas estranhas, uma é a Glossolalia, numa interpretação simples seria o fervor através de um idioma estranho. Outro termo é a Xenoglossia que pode ser a espontaneidade em utilizar um idioma estranho. De qualquer forma, ambos necessitam de interpretação para edificação quando a manifestação envolve outras pessoas. Pode ser também para edificação pessoal em que o dom se manifesta numa relação íntima e exclusiva com Deus que foi quem definiu tudo isto. Paulo se esforçou para dirimir o máximo possível todas as dúvidas a respeito deste tema complexo. Pessoalmente acho que o maior problema está no preconceito e no processo de busca e, posteriormente na utilização deste dom. Os pentecostais se julgam os legítimos agraciados deste portento e quem não recebe o dom é julgado que não é o suficientemente espiritual. Já a linha tradicional da igreja cristã, incluo neste grupo os católicos, tem uma postura pragmática das doutrinas bíblicas e, de certa forma, são céticos e evitam ser rotulados de avivados o que se sentiriam como “cristãos inferiores”. Aliás, sequer adotam como sendo evangélicos para não serem confundidos com os pentecostais, preferem ser reconhecidos somente como cristãos. A bíblia não qualifica o discípulo com nenhum destes termos. A grande barreira das igrejas tradicionais/reformadas em relação aos dons espirituais é o receio em "perder o controle" da espiritualidade.

Voltando ao livro de Atos, vou expor apenas dois episódios da manifestação dos dons espirituais. O primeiro é o de Atos 2 onde tudo começou e o outro é um episódio em que os gentios que eram os “desafetos” dos judeus (até a algumas décadas este era o mesmo motivo da dissenção entre tradicionais e pentecostais) também receberam os dons na casa do centurião enquanto Pedro falava e acalmou a todos se sentindo também surpreso com aquela situação.

Qual o objetivo das manifestações espirituais que foi denominado como o dia de Pentecostes? No versículo 11 do capítulo 2 de Atos resume tudo o que aconteceu naquele dia "...como é que os ouvimos falar em nossas línguas as grandezas de Deus?”. Este questionamento é de todos os estrangeiros presentes naquele movimento e tudo o que aconteceu foi a manifestação de Deus aos homens. Aqui entende-se que a língua estranha é outro idioma. Mas, e a língua estranha que somente Deus compreende e que precise de interpretação aconteceu também neste dia de pentecoste? Paulo na carta de  I Coríntios 14:2 ele escreveu: "O que fala em língua, não fala a homens, senão a Deus; pois ninguém o entende, mas em espírito fala mistérios". O Espírito Santo também batiza (concede o dom) com língua estranha para exaltar a Deus numa relação muito íntima com a pessoa convertida. Isto acontece com Pedro na visita que fez ao centurião Cornélio onde circuncisos e incircuncisos receberam o poder do Espírito Santo (Atos 10:46). "E aconteceu que enquanto Pedro ainda pronunciava estas palavras, o Espírito Santo desceu de repente sobre todos os que ouviam a mensagem. Aqueles crentes judeus que vieram com Pedro ficaram admirados de que o dom do Espírito Santo estivesse sendo derramado inclusive sobre os gentios, porquanto, os ouviam se expressando em línguas estranhas e exaltando a Deus". Percebe-se que ninguém compreendeu a manifestação das línguas estranhas, pois, foi uma manifestação de intimidade de cada um com Deus.

Os dons não são amuletos para fins que não sejam glorificar a Deus. Também não é para ser manifestado de qualquer jeito. Paulo escreveu que "orarei com o espírito, e orarei também com o entendimento" (I Coríntios 14:15) dando uma clara orientação de que "tudo deve ser feito com decência e ordem" (I Coríntios 14:40). O poder de Deus foi liberado, não pela nossa vontade, mas a de Deus conforme lemos em João 01:12,13 que diz: “Mas, a todos quantos o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus”. Jesus também foi enfático no texto de Atos 01:08, “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo...” Depois do êxtase espiritual o que acontece? A nossa vontade deve ser submetida a Deus porque, tanto o querer como o efetuar, pertencem a Ele (Fp 02:13). Coube a nós apenas nos dispor pela fé a Deus e praticar a sua boa obra. “Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma” Tiago 02:17. O êxtase espiritual em toda boa obra será legitimado se na prática seguirmos o que está escrito na sequência de Atos 01:08, “... e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra.”.

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