sexta-feira, 8 de abril de 2022

JUGO CONJUGAL

Venancio Junior

Esta reflexão não tem como objetivo principal apresentar uma receita infalível para o relacionamento conjugal. A intenção é expor apenas um pilar que deve reger as relações humanas em qualquer nível que é o respeito (mesmo que um ou outro não mereça) e que deve acompanhar também após um virtual distanciamento, pois, trata-se de uma questão de educação e não de mérito. Creio que seja a única forma de se preservar um mínimo de cordialidade. A princípio, o título dá-se a entender que esteja me referindo ao peso do relacionamento conjugal. É muito utilizado neste sentido, mas, jugo é aquela peça de madeira que vai no carro de boi para que os bois andem juntos, alinhados e olhando somente para frente. Este jugo dos bois no relacionamento conjugal seria como a aliança firmada no altar quando as promessas em olhar somente para frente e no mesmo alinhamento são publicamente conhecidas pelos presentes. Afinal o que antecedeu o compromisso assumido é o que ambos igualmente sonhavam mesmo antes de se conhecerem que sempre foi o de serem felizes com alguém. Este alguém agora estava ao lado e, a frente, agora há um longo caminho a percorrer, ou não porque ainda são desconhecidas todas as diferenças um do outro. Estas diferenças podem levar ao jugo desigual durante o percurso quando duas pessoas começam a pensar diferente, caminhar em rumos também diferentes e decidirem por coisas diferentes. Existem casais que estão juntos, mas, pensam diferentes. Por outro lado, existem casais que pensam iguais, porém, estão separados. Convivência é um dos grandes mistérios da vida. Até mesmo Deus foi, de certa forma, condescendente na questão da separação para não "complicar" as coisas. Leia em Mateus 19:8 o que Jesus afirmou quando foi questionado sobre o divórcio: “... por causa da dureza dos vossos corações, vos concedeu separar-se de vossas mulheres.”. Muito antigamente quem se separava era o homem da mulher. Não há uma citação sequer sobre a mulher se separando do homem. Era uma cultura absolutamente machista. Graças a Deus que isto mudou.

A bíblia, provavelmente, teve a primeira menção do termo jugo desigual e que se refere a princípios diferentes porque, conforme neste mesmo trecho de Mateus 19 o próprio Jesus fala que o objetivo do casamento é tornar-se uma só carne. Na bíblia também tem outra aplicação do jugo que é a opressão que o povo hebreu sofreu no Egito o jugo da escravidão. Os cristãos no começo da igreja sofreram o jugo dos romanos por recusarem a imposição do império. Até mesmo Jesus utilizou esta metáfora afirmando que "...o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" Mateus 11:30. Jesus estava se referindo exatamente ao carro de boi. Leia o contexto: "Vinde a mim todos os que estão cansados de carregar suas pesadas cargas, e Eu darei descanso. Tomai seu lugar em minha canga (carro de boi) e aprendei de mim (alinhamento), porque sou amável e humilde de coração, e assim achareis descanso para as vossas almas. Pois meu jugo é bom e minha carga é leve”. Em qualquer um dos casos conceituais do jugo, cada pessoa ou grupo tem a sua sobrecarga, porém, têm-se a opção em aceitar o melhor caminho ou não. No relacionamento conjugal tem os dois sentidos de jugo, tanto como uma peça que mantém os dois na mesma direção como também o peso da responsabilidade da vida a dois.

Então, vamos as vias de fato. De repente, duas pessoas se encontram, aspiram seus anseios e começam a fazer planos. Será que já se amam? Será que ambos já têm consciência do que está porvir ou o que este compromisso significa? A maioria das pessoas já nascem num contexto familiar em que o exemplo dos pais no tocante a estabilidade financeira e conjugal é o suficiente para uma vida a dois perfeita e que logo é idealizado na prática para os planos futuros. Crescer e amadurecer eram antecipados pelo desejo do convívio a dois. Primeira coisa é encontrar alguém que assimile as mesmas ideias. O convívio social favorece este encontro de pessoas que pensam iguais. Na teoria, o padrão de uma vida ideal não tem segredo. Basta juntar dinheiro e o resto se pensa depois ou a dois. Este era o pensamento normal, por sinal, muito simplista. Até a década de 60, principalmente as mulheres, não tinham opções quanto ao futuro, crescer e casar era o padrão preestabelecido. Lógico que as mulheres no seu íntimo, muitas vezes, tinham outros planos e desejos. Para o universo feminino, os planos pessoais ficavam apenas nos sonhos acordados porque no contexto social era secundário até ser descartado pela sua inviabilidade. As mulheres eram "formatadas" e pensar fora do que planejavam seria um erro com retaliações gravíssimas da própria sociedade. Quando ainda na fase pré-adolescente, com certeza naquelas conversas de cochichos no quarto, os pais jamais imaginavam que as meninas tinham os seus próprios desejos. Na verdade, as meninas nem cresciam direito com suas silhuetas ainda em formação e já estavam com o enxoval pronto. Nem isto elas escolhiam. Literalmente subjugadas a um sistema que não permitia liberdade de escolha.

Para os homens era um pouco diferente. Mesmo com certa liberdade para fazer o que queriam, eram também submetidos ao sistema social porque, como dizem atualmente "pensar fora da caixa" os deixavam à margem da sociedade e seriam tratados como "pessoas sem respeito". A única similaridade com as mulheres é que mal estavam em formação com a voz ainda engrossando e os pais já "empurravam" para a filha de alguém como se casar fosse a decisão mais importante do mundo. O jugo se tornava quase uma opressão propriamente dita por causa do peso da responsabilidade em prover a moradia e o sustento e para a mulher era a limpeza da casa, feitura da comida, gerar e cuidar dos filhos. Este era o padrão do relacionamento conjugal que as pessoas julgavam perfeito. Por incrível que pareça, a maioria dos casais eram felizes, mesmo que o começo não fosse como e com quem gostariam. É aquela sina de se adaptar e fazer o melhor para que tudo dê certo. A maioria dava certo enquanto outros casais, um suportava o outro. Não em dar suporte, mas, em ter muita paciência mesmo.

Quando abaixava a poeira e o inesperado agora presente no dia a dia, fechava-se a porta principal (muitas vezes era a única), a vida a dois começava de fato.

Estamos agora no tempo contemporâneo. O que mudou na vida a dois? Muita coisa em que poucas décadas atrás era inimaginável que fosse mudar desta forma. A vida a dois avançou no mínimo uns 15 anos na idade para homem e mulher tomar esta decisão da vida a dois. Agora a mulher tem direitos iguais, pensamentos iguais e poder de decisões iguais. A vida a dois não é mais exclusividade de sexos opostos, mas, ainda é maioria, porém, deixou de ser absoluta. No caso do jugo, não importa, independentemente do sexo, devem adotar os mesmos princípios na convivência a dois.

Mesmo com todas estas mudanças, inclusive com o tipo de parceiros, os problemas no relacionamento continuam a todo o vapor e ninguém, com raras exceções, se arrisca a ficar sozinho e quer muito encontrar alguém que faça a sua vida positivamente diferente. Por falar em "diferentes", quem não se lembra da frase utilizada exclusivamente na relação conjugal em que "os opostos se atraem...? e mais tarde foi acrescentada "...e se traem". Este "complemento" é uma brincadeira de coisa séria que surgiu devido ao alto índice de traição nos relacionamentos. Dentre os principais motivos estão a insatisfação e insegurança quanto ao futuro e acrescento o ciúme e estes principais e prováveis motivos podem assumir o controle da relação sem que se perceba. Um exemplo recente aconteceu entre "a dama e o mendigo", ocorrido no distrito federal quando a esposa de um personal trainer fez sexo dentro do carro com o primeiro cara que encontrou na rua, no caso, o mendigo. Porque ela teve este comportamento absurdo onde, não somente o seu casamento estava em jogo, mas, principalmente a sua dignidade? Insatisfação ou ciúme? O mais provável é que tenha sido um ataque de vingança. Nos dias atuais todos os casais correm este risco. Esta insatisfação é porque a pessoa tornou-se muito diferente da expectativa e a traição foi uma atitude isolada e involuntária? Difícil responder. Será que há mesmo uma atração maior entre aqueles que são diferentes? Será que o mendigo, de repente, tornou-se um fetiche? Faz muito sentido ser atraído por alguém diferente, mas, jamais deve ser considerado como uma regra. Uma pessoa diferente, mas, que pensa igual é até normal. Acho que depois de muito tempo convivendo juntos, o casal parece que se torna um igual ao outro e, alguns dizem que se tornam iguais até na fisionomia. A rotina diária de casa é quase preenchida com as mesmas atividades. Onde está um, o outro está também. Acho que ambos eram diferentes e a convivência foi moldando até que ficaram bem parecidos. O inverso também é possível quando a convivência os torna mais diferentes. De repente, parece que se tornar iguais seja a melhor receita para que tudo dê certo na relação.

A vida, mesmo só, não é perfeita. Agora imagine conciliar no mesmo teto e na mesma cama as diferenças naturais de cada pessoa. Absolutamente ninguém é igual ao outro por mais que a convivência desenvolva um alto grau de assimilação. Melhor que seja assim. Dependendo do ponto de vista, talvez seja fascinante observar as diferenças das pessoas, principalmente daquelas com quem se tem de caminhar juntos. Qualquer relacionamento em todos os níveis é passível de desgaste. Isto é normal. Ter consciência dos defeitos e limitações de cada um é fundamental para evitar o desgaste nas palavras mal colocadas e na falta de ação positiva para evitar decisões equivocadas.

Até agora ainda estávamos na lua de mel onde o "romantismo" teoricamente supera qualquer dificuldade e o tratamento ainda é de "amorzinho" ou "benzinho".

Creio que um dos grandes segredos da vida a dois é não se distanciar. Muitas coisas ajudam neste distanciamento, agenda, rotina que diminui o tempo a dois e as pessoas envolvidas na vida social e até familiar, dentre outras, são os principais fatores que ajudam no esfriamento da relação. Nesta situação, o necessário abraço não será tão caloroso, sequer vai acontecer nos reencontros diários. O que leva um ou os dois a se distanciarem entre si? Eu acho que já mencionei que não existe receita eficaz na vida a dois. O que deve existir sempre é o respeito, sendo este, talvez, a única base sólida que resiste a crises e ajuda muito a superá-las. O respeito não é um mérito e nem deve ser exigido e também não se impõe. Só faz uso do respeito quem é educado e tem como princípio valorizar a si mesmo a partir do outro. E não pode ser o contrário, valorizar o outro a partir de si mesmo não faz sentido, isto é egocentrismo. É um princípio que vale para todos os tipos de relacionamento e faz uma diferença muito grande no convívio com as pessoas. Preservar um ao outro também é um dos princípios do respeito. Imagine na vida onde duas pessoas convivem intimamente e as fragilidades e "defeitos" são expostos? Esta exposição tem limites dentro dos parâmetros consensuais. Mesmo neste nível de liberdade, o respeito é também peça-chave e deve ser aplicado constantemente na relação conjugal, com a família, na vida profissional e com todas as pessoas do convívio social.

Um comportamento que também "esfarela" o relacionamento é o de subestimar o parceiro(a). Pessoalmente, mesmo que a pessoa não valha alguma coisa, o respeito exige que ela seja considerada nos limites da educação. O silêncio ou não emitir opinião sobre a pessoa pode ser também uma forma de a respeitar. Não se manifestar reconhecendo as suas qualidades também pode ser um agravante que fragiliza a conta-gotas a consideração ao outro. A vida de ambos deve ser preservada mesmo que a decisão seja em não continuar juntos. Faz parte da vida e ninguém é obrigado a conviver com quem perdeu a sintonia.  Pode até continuar a ter afinidades, mas, a relação perdeu o fôlego. Isto deve ser aceito sem traumas e sem reações que causem transtornos.  Amar é também respeitar a decisão mútua ou parcial. Mas, continuando juntos, também deve ser vivida intensamente sem limites, porém, com respeito e consenso. Em I Coríntios 7:5 o apóstolo Paulo recomenda: "Não se recusem um ao outro, exceto por mútuo consentimento e durante certo tempo...".

Relação duradoura não significa que durou muito tempo, mas, que é ou foi uma relação sólida, mesmo assim, não é sinônimo de que foi utilizada uma "receita infalível". Da mesma forma não se pode adotar um autoflagelo se sentindo culpado e se perguntando "...onde foi que eu errei?" ou culpando o outro. Quem está fora sempre terá uma visão míope e não pode se intrometer incentivando ou não as decisões. Com exceção, nos casos extremos em que a integridade física e psicológica esteja em situação de risco. Muitas coisas deverão ser consideradas. Na maioria dos casos, muitos consideram de que o que foi construído deva ser preservado, principalmente a segurança emocional dos filhos (caso os tenha) e a relação deva passar por um processo de reavaliação. Noutros casos, o desgaste é tão grande que não compensa reconstruir. Deve ser "demolido" e construído sobre uma nova estrutura. Recomeçar é fundamental na vida para que haja o realinhamento futuro. É a famosa "roda viva" e começa tudo de novo porque o jugo desigual é o risco a ser evitado e o jugo conjugal deve ser sempre o ideal a ser perseguido.

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