quinta-feira, 31 de março de 2022

FLERTANDO COM A MORTE

Venancio Junior

Não sei como iniciar esta reflexão abordando um tema tão polêmico, forte e que faz parte da vida. Já estou com este assunto em banho-maria a alguns meses, mas, nunca tive um motivo razoável ou pessoal para discorrer palavras que fizesse algum sentido. É um tema que causa pânico em quase todas as pessoas, exceto aos suicidas. Falar com propriedade da morte supliciada é algo que somente os que já morreram desta forma específica poderiam fazê-lo. Sabemos que nesta dimensão isto não é possível. 

Mas, não era para ser assim. Então, já que é assim, vou começar por um evento que me ocorreu esta semana. Dias atrás aconteceu algo muito estranho e o título desta reflexão descrito acima veio neste momento profundo de tristeza que me abateu e logo veio à mente de como seria pensar na morte do ponto de vista do suicida. Isto durou entre 2 ou 3 minutos. Engraçado que estava sentindo uma brisa suave e apreciando algumas árvores e, aparentemente não tinha (e não tenho) motivo relevante para me encontrar nesta situação, mas, esta tristeza me veio de uma forma envolvente e comecei a refletir sobre isto e logo este título veio à minha mente. Não sei explicar o porquê isto aconteceu. A única certeza naquele momento é que estava absolutamente vazio de emoção. Parece que alguém me esvaziou e tirou-me o medo da morte. Talvez precisasse deste ponto de vista para escrever.

Primeiramente, reconheço que há controvérsias, mas, uma das coisas que imagino é que o suicida não quer exatamente morrer. O suicídio é um último recurso para fugir da tristeza profunda e extrema. Podemos dizer que o suicida é um depressivo compulsivo quando sua maior luta é fugir de si mesmo. Ele em si é o seu maior inimigo porque o problema está no seu “córtex emocional”. No caso, a pessoa depressiva tenta de todos os meios livrar-se da angústia que o domina. Imagine estar submerso. Da mesma forma é o estado de depressão que fica completamente imerso na tristeza profunda e submerso na agonia e a pessoa “mergulhada” procura de alguma forma livrar-se daquela condição. Tenta respirar, mas, não consegue e a entrega ao inevitável acontece e suicidar-se tornou-se a única forma, não de morrer, mas, de livrar-se da dor e do peso da tristeza. O suicídio é, em suma, uma fuga e não um castigo a si mesmo, tipo, demérito da vida.

O índice de suicídio no Brasil e no mundo é assustador. Segundo fontes especializadas, entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes. Enquanto no mundo a taxa gira em torno de 10 pessoas para cada 100.000 habitantes. Não pense que a maioria deste número de pessoas está entre os doentes terminais ou os idosos limitados que não encontram motivação para continuar vivendo. Os maiores números estão na classe média e entre adolescentes/jovens. Nas classes menos favorecidas o índice é incrivelmente menor. Lembrei do caso de um dos homens mais bonitos do cinema até a década de 80, Alain Delon. Nos seus 86 anos, morando na Suíça e, apesar de ter sofrido um AVC recente, não tinha outras doenças que o limitasse. Simplesmente perdeu a alegria e o prazer em viver e decidiu semana passada pelo suicídio assistido que é legalmente permitido naquele país. O que aconteceu com ele é que toda a sua emoção foi depositada na sua fama que se foi juntamente com a sua alegria e prazer da vida. Sempre declarava que "nunca gostou de envelhecer". Sua emoção se encontra atualmente junto com as ruinas da fama. Infelizmente, muitos depositam sua confiança e investem suas emoções nos bens adquiridos que são passageiros. Os fatores externos são apenas um cenário onde se está inserido. A vida não é igual para todos. Cada pessoa tem suas dificuldades, seus medos, suas limitações que geram seus "fantasmas emocionais". Deve-se aprender a viver e aproveitar cada momento da vida. Não tem como ser de outra forma. Por exemplo, durante esta pandemia mundial, administrar simultaneamente a subsistência da vida e das emoções foi um desafio que exigiu muito de todos. Muitas pessoas não achavam que teriam tanta força para suportar. Mesmo não ficando doentes, houve muitas perdas familiares e de amigos, desemprego e fome. Como se não bastasse, uma parte da administração pública, principalmente nas áreas da saúde e da economia demonstrou inaptidão para desenvolver ações que minimizasse o sofrimento das pessoas. Para quem sofria de ataques de pânico e depressão, o cenário da pandemia foi avassalador para as suas emoções. Nesta fase triste da história da humanidade, infelizmente houve um recrudescimento do suicídio. Acredite, houve suicídio até por medo de ficar doente. As pessoas que tomaram a decisão do suicídio na pandemia provavelmente já estavam em vias neste processo e a pandemia “deu um empurrãozinho”. Alguns com maior grau se anteciparam, enquanto outros em menor grau pensaram melhor no que fazer, mesmo assim decidiram pelo pior. Não é uma regra em que a pessoa sob pressão pense na maneira mais brutal para se livrar da insegurança iminente. Alguns casos pode ser uma reação o que não diminui a gravidade da situação.

O que motiva uma pessoa a ceifar a própria vida? Diria que viver é um risco. Dizem que a única certeza da vida é a morte. Outra certeza é que todos que nascem tem um destino continuado noutra dimensão. A vida natural tem o seu começo, meio e finalidade. Devemos pensar desta forma. Cada pessoa nasce com sua personalidade. O contexto da vida é como um balcão de oportunidades onde vai se adquirindo o que cada um quer ser. Neste balcão existem as boas oportunidades e também as ruins que influenciam diretamente as contrariedades. Neste ponto que surge o estado de depressão que muitos têm em menor ou maior grau. O depressivo vive na miríade da angústia e não consegue ter uma visão racional da realidade fora da caixa porque o processo de fluidez das emoções está em processo de introspecção. A depressão na mente é um balaio de incertezas e vida sem sentido. Seria como um buraco na rua, caso não haja manutenção que tape aquele buraco, a via se tornará intransitável causando muitos males. Da mesma forma é a tristeza, fruto dos infortúnios, caso não haja o tratamento necessário, logo se tornará uma concavidade profunda que esmagará o estado emocional da pessoa. O primeiro passo é conhecer-te a si mesmo. Jamais deve se ignorar o conhecimento de si. Cada pessoa tem a sua forma de reagir frente as contrariedades e saber como é a principal iniciativa que antevê o problema antes que se perca o controle da situação. Muitas vezes a causa é, de certa forma, desconhecida. Conheço pessoas que são depressivas sem qualquer trauma de infância. É um mal composto no seu jeito de ser. A vantagem de se conhecer é ter a possibilidade de se evitar virtuais dependências químicas com antidepressivos. A melhor forma de viver e ser feliz é quando não se depende de fatores externos e nem de medicamentos. Viver para ser feliz!? Soa estranho isto porque já ouvi muitos dizerem, geralmente após alguns revezes, “...eu preciso voltar a viver a minha vida para ser feliz”. Apoio incondicionalmente esta determinação. Óbvio que quando tudo vai bem a tendência é ser feliz. Peço licença para colocar a felicidade noutro contexto. Ser feliz é diferente de estar alegre. Não existe o antônimo de felicidade. Muitos podem dizer que é a tristeza. Digo que a tristeza é o antônimo de alegria. A felicidade é uma dimensão. Mesmo em meio a tristeza podemos ser felizes enquanto a alegria é momento da mesma forma que a tristeza. Será que a depressão é o antônimo de felicidade? Acho que a depressão é um conjunto de tristeza que destrói o bem-estar. Acho que a melhor definição antagônica é depressão versus bem-estar. Este termo depressão é figurativo que significa côncavo ou para dentro. A vala nas vias é denominada de depressão.

Como conviver com a depressão ou flertando com a morte? Eu já tive meus momentos de depressão. Teve alguns anos que convivi com a depressão circunstancial. Muita coisa havia mudado na minha vida repentinamente e não consegui administrar as emoções. Cheguei a odiar feriados que eram os piores dias da minha vida. Estava no final da minha adolescência. Imagine como eu enxergava um mundo que queria me “engolir”, mas, nunca tive desejo de acabar com a própria vida. Amo viver e me reinventar. Ainda faço muitas das coisas que fazia na adolescência e mais alguns outros, frutos de uma certa reinvenção pessoal sem necessariamente mudar de atividades. Diria que agreguei novas atividades que antes não fazia. Talvez uma das grandes armas contra a depressão é se reinventar. Não necessariamente se contextualizar para se sentir útil para os outros. A maturidade não é um privilégio dos “maduros”. Desculpe-me o pleonasmo. A maturidade é uma das coisas que nos acompanha desde o nascimento, caso contrário, ainda estaríamos usando chupeta e fazendo xixi na fralda. Voltando, a maturidade nos oferece ricas oportunidades de construir valores emocionais e que nos traz satisfação independentemente da idade. Estes valores serão o nosso escudo contra as frivolidades da vida. Reconheço que algumas limitações estarão presentes. Neste ponto que a maturidade fará o seu papel de agente catalisador de emoção. Um dos pilares da maturidade é a independência. Socialmente interligados, porém, independentes. Cada um individualmente deve construir a sua independência, principalmente emocional. Isto não significa deixar de amar as pessoas. Pelo contrário, nesta condição independente, o amor será muito mais profundo porque não será um sentimento poluído de egoísmo e indiferença. Uma pessoa independente se entrega a alguém para construir relacionamentos sadios. Isto é fundamental no amadurecimento emocional. No meu livro “PALAVRA TEMPERADA” (disponível na amazon.com) tem uma poesia que diz que a emoção é o tempero da vida. Discorro nesta poesia atitudes altruístas que é a melhor forma de diluir o amargor consumista e de quebrar a morosidade da rotina que, por melhor que seja, gera energia emocional insalubre. Talvez uma atividade mais intensa e cansativa seja menos insalubre que aquela rotina tranquila. Depende muito de como reagir a cada situação. Tive de me reinventar e mudar o foco, ou seja, amadurecer as emoções. Reconheço que vivemos sob uma estrutura com “pés de barro” e nesta condição, o acúmulo de frustrações é intenso e, muitas vezes, não se tem para onde correr. Conviver com a “mesmice” é um aprendizado importante para diluir as emoções nocivas à saúde emocional. Diante disto, o melhor é aprender a enfrentar os solavancos da tristeza para ter no máximo apenas alguns chamuscados das cinzas emocionais. 

Enfim, a sociedade atual erra no sentido de tentar acertar consumindo sem critérios e desprovidos de senso crítico tudo o que lhe é oferecido. Isto cria uma excessiva dependência que gera ansiedade e a torna fragilizada e de fácil manipulação. A vulgarização da vida é o maior perigo que enfrentamos e não adianta promover palestras motivacionais se na vida real não houver atitudes que mudem o núcleo da sua convivência social. Não devemos ter pressa em viver ou ser feliz. Dedique mais tempo em ser feliz se oferecendo a fazer alguém feliz. Isto constrói laços de uma sociedade genuinamente saudável.

Lembro que o passado e o futuro se encontram no presente. Jamais tente mudar esta ordem.

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