Venancio junior
Ser livre, de Deus. Ser, livre de Deus. Há uma antagônica diferença na
qual abordaremos as duas condições de liberdade.
A liberdade é uma sensação ou uma condição? Sendo uma sensação, a
liberdade é um processo esotérico, ou seja, de dentro para fora. O encontro
consigo mesmo é uma das maiores sensações de liberdade. No processo
inverso de introspecção, de fora para dentro, não tem como, pois, se trata de
uma condição de aprisionado pelos fatores externos. Como explicar em
palavras esta sensação e condição?
Uma das questões mais emblemáticas em que não se encontra resposta
plausível é a do conceito criacionista sobre a liberdade. O gênero humano
“tornou-se livre” após decidir fazer algo de espontânea vontade? Porque, após
isto, todos se tornaram culpados e escravizados pelo pecado mesmo antes de
nascer? Esta culpabilidade causa revolta nas pessoas, pois, se consideram que
nada tem a ver com o erro dos outros. No caso, os outros, seriam Adão e Eva.
Antes da queda, havia liberdade determinada por Deus no sentido de fazer o
que lhe foi confiado. Como tinha domínio sobre toda a criação, então, deveria
cuidar da natureza e dos animais. Tudo o que fosse gerado nesta dimensão,
teria a mesma essência de liberdade. Se os filhos de Adão e Eva nascessem
nesta dimensão, provavelmente os seus descendentes diretos, estariam livres
desta culpa do erro dos seus pais. Infelizmente, os seus filhos da qual
descende toda a raça humana, nasceram na dimensão após a queda e todos já
nascem com o “DNA do pecado”. O gênero humano, desde então, tornou-se
escravo do pecado buscando de forma obstinada se ver livre da culpa e
controlar o destino da sua vida.
O que é a liberdade que tanto se busca e quando e como se sente
verdadeiramente livre? Essencialmente ninguém é livre no sentido de
desvinculo ou desligado. Todo conceito de liberdade que conhecemos é
paliativo. Ser solto e ser livre não é a mesma coisa. A vida é um pequeno
trajeto de tempo no infinito em que saímos de um lugar (nossa origem onde
estamos presos) e prosseguimos até outro (nosso final que não tem como
fugir). Condicionados a este espaço de tempo onde planejamos e agimos para
que o futuro seja uma realidade presente. Após um tempo, quando já temos
consciência do que seja viver, relembramos o passado e sabemos de onde
viemos. Muitos, denominados saudosistas, permanecem presos a este passado
na ânsia de que o tempo pare. Os mais arrojados e progressistas, ignoram o
passado e rumam ao futuro que se torna também uma prisão porque,
obcecados, tudo o que conquistarem, ainda não terá sido o ideal. Enquanto uns
tentam retornar ao passado, outros fogem. Com o futuro é a mesma coisa,
muitos querem que o futuro chegue logo, enquanto outros, temendo o
envelhecimento, tentam, a qualquer custo, retardá-lo.
Esta obsessão, independentemente se é otimista ou pessimista, faz as
pessoas buscar freneticamente a famigerada liberdade. Liberdade para fazer o
que quiser. Liberdade para ir onde quiser. Liberdade para comprar o que
quiser. Liberdade para falar o que quiser. Liberdade para ver o que quiser. É a
liberdade sem critério, sem parâmetro, sem vergonha e inconsequente. As
pessoas querem a liberdade sem barreiras, sem regras, sem cobranças e sem
limites. Mesmo com toda esta suposta liberdade, ora, “conquistada”, porque a
maioria ainda não se sente livre? No meio jurídico é possível conseguir uma
determinada liberdade que foi perdida devido a um ato criminoso. Esta
reconquista pode ser com boas ações, delação premiada e outras “brechas” que
a lei permita. Ainda não é exatamente esta liberdade que se busca mesmo que,
a princípio, se tenha esta sensação. Pode ser também que seja aquela liberdade
em que um astronauta fora da atmosfera e sem gravidade fique totalmente
solto. Infelizmente, isto também não significa liberdade.
Esta busca é incessante e extenuante. Para não ser surpreendido pela
ilusão de uma falsa liberdade, é preciso reconhecer que se está ligado a um
campo de “disciplina natural”. A partir desta disciplina, a liberdade muda de
aspecto. Podemos partir do princípio de que, essencialmente, uma consciência
livre, é de fato, o conceito primordial de liberdade. Muitos, daqueles, que
estão fisicamente presos cumprindo suas penas, podem ser mais livres do que
muitos que estão fora da cadeia aprisionados pelos seus traumas, seus vícios,
seus próprios conceitos, portanto, escravizados pelas suas emoções. Tem
aqueles que estão “presos” a uma cadeira de rodas ou a uma cama devido a
um impedimento físico, porém, mesmo limitados fisicamente, são livres do
peso da amargura ou da depressão porque conseguem prosseguir na contramão
da absorção emocional das dificuldades impostas pela vida.
Independentemente da condição, todos têm uma referência ou uma
origem, então não somos, de fato, soltos ao vento, para fazer o que bem
entende. Estamos presos a atmosfera como frutos de uma concepção conjugal.
Nem fisicamente e nem intelectualmente podemos nos sentir totalmente livres.
Estamos conectados para o bem comum. Fomos concebidos com uma origem,
desta forma, somos seres sociáveis, ou seja, interligados e individualmente
parte de um todo (também não absoluto) que é o conceito humano.
Tanto os céticos como os religiosos pregam e difundem a sua liberdade
através de suas filosofias e crenças respectivamente. Os céticos são descrentes
e racionais. Os religiosos de qualquer linha são crentes e tem o sobrenatural
como princípio regulador de suas crenças. De qualquer forma, a ideologia
ceticista e a tradição das religiões não foram convincentes no conceito de
liberdade. Podemos afirmar que a liberdade aglutina, constrói e aproxima,
enquanto que a falta dela divide, destrói e afasta-se da essência da liberdade.
Progredir é desfrutar de liberdade, enquanto que a prisão em qualquer aspecto,
regride.
Dentro do contexto social, liberdade é se relacionar doando a si mesmo.
Enquanto que no contexto de isolamento, liberdade é exatamente não se
envolver com as pessoas. Podemos, então, afirmar que a liberdade é relativa.
Dentro deste último conceito de que se pode fazer o que quiser devido não ter
compromisso firmado com alguém, liberdade seria algo egoísta, pois, busca o
seu próprio interesse. Fazer o que se queira pode ser uma armadilha letal da
própria liberdade tornando-se escravo de si mesmo. No primeiro caso, da
sociabilidade, a prática do altruísmo é regra que define a conduta, por
princípio, é sociável e dedicado ao outro visando o bem-estar de todos. Todos
foram essencialmente concebidos altruístas. Até o momento, liberdade denota
livrar-se de si mesmo, dedicar-se ao outro e, de certa forma, negar-se a si
mesmo. Este é um dos princípios do evangelho de Cristo que aponta o
caminho da verdadeira liberdade (Marcos 8:34).
Liberdade para fazer o que precisa é praticar o bem. Isto acontece no
processo de dedicação ao outro. Agora, fazer o que se queira, é submeter-se à
prática do mal. Fazer o bem liberta, enquanto que, fazer o mal, escraviza. Isto
é consequência de uma “desconfiguração” da natureza original quando
somente se quer praticar o mal que veio habitar em nós. Tornamo-nos
escravos deste mal a ponto de não se fazer o bem que se queira, mas, o mal
que não se quer. Em qual destas condições se sente, de fato, livre? Será que a
culpa da prática do mal escraviza e o prazer da realização daquilo que se
precisa proporciona liberdade? Coloco em campo a lei da ética, da moral, da
racionalidade e da espiritualidade. No caso, a espiritualidade está
intrinsicamente ligada a dimensão mística que, nada mais é que a forma de
“religar” o ser humano a um ser superior. Vamos nos ater exclusivamente na
linha do propósito desta reflexão que é aquilo que o evangelho de Cristo que
nos foi revelado em relação ao conceito de liberdade e não de acordo com a
religião de cada um que diz que todas elas levam à um deus.
Um texto que sintetiza o conceito de liberdade abordada nesta reflexão
encontra-se em João 8:32, o próprio Jesus afirma que devemos buscar e,
consequentemente, encontraremos nele a verdadeira liberdade, “...conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará”.
Conforme este evangelho que é a manifestação de Deus revelada aos
homens, existe um caminho e não uma religião. A religião nunca foi
apresentada como um caminho e, muito menos, como o caminho. O evangelho
coloca a religião submissa a atitude em servir aos que necessitam. Em
hipótese alguma, este serviço deva ser prestado, na condição de servo, a
alguém superior hierarquicamente falando. Não é uma condição de título, mas,
de atitude. Sem atitude, não há religião. Se tirar as tradições e costumes da
religião dos homens, nada sobra. É a típica religião “casca de cigarra”, está
oca e se decompõem com o tempo. A atitude é para quem é livre desta religião
e está no caminho. Foi-nos revelado o caminho, que é Jesus. Ele próprio se
revelou como o caminho para ser livre da religião também. Enquanto que a
religião dos homens, com várias facetas, escraviza com rituais e sacrifícios,
cujos líderes sempre procuram e até exigem, de forma persuasiva, serem
servidos.
O desempenho de Jesus na terra como homem foi inteiramente de
humilde submissão a uma causa que não era justa da perspectiva de Deus.
Tornamo-nos escravos, é justo que soframos as consequências do pecado. Para
aliviar esta carga, Jesus, na sua peregrinação, foi ao encontro dos necessitados
e agiu sobrenaturalmente aliviando a carga de uma doença, de possessões
malignas e até da morte. Além de tudo isto, Jesus sempre despertava a
consciência de que, cada ser humano, deva ser livre de si mesmo. O “eu”
escraviza de tal forma que deforma a essência do sopro de vida de Deus em
nós. A verdadeira liberdade é desvencilhar-se da carga emocional/espiritual
nociva que a vida terrena impõe e converge todas as ações para servir a si
mesmo alimentando as vaidades. Ao contrário do que muitas filosofias
afirmam em relação a se valorizar, a ação de Deus em resgatar é exatamente
para se tornar livre de verdade em Cristo. Mas livres do quê? Em João 8:34,
Jesus afirmou “Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete
pecado é escravo do pecado. Ora, o escravo não fica para sempre na casa; o
filho fica para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis
livres”. O que significa verdadeiramente sereis livres? Não importa que o
viciado em drogas seja liberto das drogas ou que o ladrão deixe suas práticas
de furto, para Deus isto é indiferente, todos, mesmo que sejam bons aos seus
próprios olhos, continuarão a ser escravo, mesmo deixando suas práticas
imorais. O que ate mesmo os religiosos precisam é de salvação em Deus
justificado em Jesus Cristo para serem livres da condenação do pecado. Esta é
a verdadeira liberdade que Jesus falou. Deus não enviou Jesus para que o
viciado fosse somente liberto das drogas que é isto que a sociedade quer.
Reconheço que isto é muito bom, pois evitara muitos males, mas o que o
viciado, assim como, qualquer outra pessoa com ou sem vício, precisa é de
liberdade espiritual. As pessoas buscam a todo instante e estão dispostas a
pagar por isto com grandes somas de dinheiro e sacrifícios diversos para
alcançar esta liberdade. Estas tentativas frustradas, na verdade, são
consequências de se estar fora da presença de Deus. Para que sejamos, de fato,
livres precisamos ir além da ética e da moral que é a questão espiritual e tem
tudo a ver com a integridade que a Bíblia fala. O diálogo entre o Senhor e
satanás quando se referia a Jó é um exemplo da pessoa íntegra: “Disse o
Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra
semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal?”
Jó2;3. O próprio Deus afirmou que não existiu e não existe ninguém
semelhante à sua integridade e que se desvia do mal. Jó foi alguém livre e
pertencente a Deus. Os livres de Deus a que me refiro são aqueles resgatados e
usufruem da verdadeira liberdade proporcionada pela pessoa de Jesus Cristo
que é Deus encarnado. O próprio Deus veio tirar “tudo a limpo” e nos deixar
livres novamente para Ele. A grande promessa que Deus fez é da vida eterna.
É claro que é importante que as pessoas sejam libertas dos seus males
humanos, mais importante que isto é ser liberto definitivamente da condição
de escravos do pecado. Jesus afirmou que todo aquele que comete pecado é
escravo do pecado. Entendo isto, não como uma ação isolada, diria, dos
nossos “pecadinhos” porque continuamos sendo pecadores, porém resgatados
e libertos pela abundante graça de Jesus, mas se referiu àqueles que ainda não
aceitaram a misericórdia de Deus porque a raça humana foi expulsa da Sua
presença pela Sua justiça e fomos resgatados pela Sua misericórdia e graça.
Os livres escolhidos e pertencentes a Deus são os predestinados pela Sua graça
salvadora. Esta predestinação não é personalizada, em Efésios 1:11 o apóstolo
Paulo não cita nomes,“...fomos feitos herança, havendo sido predestinados...”
e em Marcos 16:6 creio que seja o complemento onde diz que “...quem crer
será salvo e quem não crer será condenado”. Crer é uma questão de livre
escolha. Salvação se escolhe, enquanto que a condenação já foi impingida a
todos sem exceção. Ninguém vai para o inferno porque quer e ninguém vai
para o céu porque não quer ir para o inferno. Nós temos a liberdade designada
por Deus em escolher amar a Deus ou amar ao mundo e suas paixões. “Todo
aquele que crer...” isto significa aceitar a sua graciosidade e confiar a sua vida
à Ele “...será salvo”, esta é a consequência da liberdade quando escolhemos à
Deus. E“...quem não crer já está condenado” é a consequência da rejeição à
graça salvadora de Deus. Os livres de Deus foram predestinados pela sua
promessa. Antes da graça de Deus não tínhamos escolha porque fomos
condenados ao inferno. Todos que aceitam a sua graça são, de fato, livres da
condenação eterna. Qualquer outro conceito de liberdade é digno de
questionamento. A liberdade no conceito humano é relativa e a liberdade
oferecida por Deus é absoluta. Deus é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim
de todas as coisas.
Campinas, dezembro de 2018
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