sexta-feira, 22 de junho de 2018

O DESERTO NOSSO DE CADA DIA

Venancio Junior

Quem já teve a experiência em atravessar um deserto? Primeiramente, ao contrário do que a maioria sabe, o deserto não é um lugar totalmente vazio ou ausente de vida. Mesmo sendo um lugar inóspito para a maioria das espécies de vida da terra, a biodiversidade é algo fascinante e ocupa todos os espaços disponíveis, inclusive o deserto. Esta diversidade das espécies, principalmente animal e orgânica se recompõe e se adapta ao meio ambiente. É um mundo inteligente. Da mesma forma que existe vida nas profundezas do mar e dos rios, existe vida no deserto em harmonia com o seu “habitat” natural. O que podemos encontrar nesta exótica jornada e, muitas vezes, terrível? No deserto encontramos um terreno extremamente árido e com enorme, mas, não a pior, dificuldade em caminhar, sol escaldante queimando a pele causando feridas, escassez de água que seca a garganta, falta de horizonte que causa perda de referência e alucinações devido ao calor na cabeça. Tudo isto gera cansaço, desânimo, fraqueza e mina a esperança de que encontrará alívio para as inúmeras dificuldades causadas por esta condição terrível. Mesmo com a extenuante aventura, interromper a caminhada é desistir da própria vida porque agravaria ainda mais a situação. Persistência, esforço descomunal, resistência e força de vontade que sai de algum lugar obscuro são os únicos recursos para superar todas estas dificuldades inerentes à esta jornada. Nem tudo é ruim no deserto, existem os oásis que muitos conhecem como alucinações devido ao calor, mas, de fato, existem e servem como “pitstop” dos viajantes. Por incrível que pareça, existe também o turismo pelo deserto, porém, há todo um equipamento de sobrevivência que torna esta jornada agradabilíssima e sem traumas. De qualquer forma, é uma experiência inesquecível. Uma caminhada pelo deserto, por incrível que pareça, nem sempre pode ser algo, assim, tão ruim. Na vida, utiliza-se muito a metáfora de atravessar o deserto em que muitas situações, seria como se fosse uma travessia interminável. São diversas as situações impostas pela vida que nos provoca esta sensação de atravessar pelo deserto. Seja a cura de uma doença, uma situação financeira complicada, relacionamentos familiares teoricamente insolúveis e crises conjugais intensas, todos nós temos um deserto a ser explorado no sentido de buscar equilíbrio emocional. Ninguém está livre do deserto que não faz distinção de cor, credo, de nível social e até mesmo os psicólogos e os líderes religiosos cujas funções é trabalhar o enigmático sistema emotivo das pessoas, não estão isentos desta travessia pelo deserto. Em muitos casos, é o único caminho a ser percorrido. Atravessar o deserto da vida é aplicável somente ao aspecto emocional. Em qualquer um destes casos e tudo o que esteja envolvido na vida, o emocional é o principal agente de equilíbrio para ser bem-sucedido na vida. Tudo pode estar em ordem, mas, se o emocional estiver fora do lugar, nada irá compensar. Tudo o que se fizer terá uma leve sensação de fracasso. Independentemente das dificuldades externas, o deserto está no interior de cada um. Quando sentir que está no deserto, é hora de aprender a conviver com a solidão que será a sua melhor companheira apoiado por um grande vazio existencial. Alguns desertos a vida nos impõem inexplicavelmente, enquanto outros desertos, são consequências das nossas escolhas. O mundo por fora é o reflexo daquilo que somos por dentro que é onde a vida acontece de fato. O mundo exterior é apenas um cenário. Cada indivíduo tem o seu deserto particular com as suas implicações e os recursos para enfrentá-lo, um tanto quanto, ínfimos. Podemos afirmar que, enquanto estivermos de passagem por este mundo, atravessaremos pelo nosso deserto interior. O ruim desta questão é que não tem como alcançar o equilíbrio emocional sem passar pelo deserto. O deserto interior tem o poder de transformar fracassados em heróis ou o inverso. Muitos não conseguem passar ilesos pelo deserto das suas vidas. Temos muitas personalidades que tinham tudo, menos o equilíbrio emocional que ajudaria a atravessar os seus desertos. O grau de instabilidade emocional é tão grande que sequer conseguem sobreviver ao deserto e dão fim à própria vida. Este radicalismo nada mais é que consequência de um desajuste interior. É preciso perceber que não se pode exigir muito de si mesmo, isto causa desconexão da serenidade. O deserto não é um meio, mas, sim, o meio para avançar para um novo estágio da vida. De qualquer forma, considerando que o deserto é um trecho obrigatório e, às vezes, não tem como mudar os personagens e nem o cenário, neste caso, a melhor decisão é mudar a perspectiva. Nada mudou, então, mude a si mesmo, não exatamente de lugar, mas, as decisões, adotando a visão de um novo ângulo. Costuma-se enxergar a vida de fora para dentro, que tal mudar a perspectiva e começar a enxergar a vida de dentro para fora? Desta forma, mesmo o calor do deserto ainda sendo difícil, não será insuportável. Ninguém está ileso das dificuldades da vida. Na bíblia encontra-se o alerta do apóstolo João no capítulo 16:33 “...no mundo tereis aflições”. Isto significa que enquanto viver, as dificuldades permearão a vida. Na sequência, o próprio Jesus nos acalma dizendo “...tende bom ânimo porque eu venci o mundo”. Nesta frase “tende bom ânimo”, na verdade, Jesus quis dizer que, enquanto atravessar o deserto, deve-se manter a esperança porque Ele já venceu as implicações desta travessia. Jesus sempre enfocou os desajustes do nosso interior. Jesus não se preocupava com os efeitos das dificuldades financeiras, da vida desregrada no aspecto moral ou da religiosidade, o que Ele enfatizava e insistia para que fossem eliminadas, eram as causas que traziam à tona este comportamento nocivo à saúde emocional. Um texto muito propício é o que lemos em Mateus 15:11 quando Jesus responde, como sempre, aos fariseus dizendo “...não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas, o que sai da boca, isso é o que contamina”. Ele se preocupava continuamente com o interior do ser humano. Jesus não veio para nos libertar do deserto interior, mas, nos livrar, quem sabe de nós mesmos, durante a travessia neste deserto. “Tende bom ânimo” não significa sair do deserto, mas, seguir em frente que “Ele segura a rojão”. Não há qualquer condição para atravessar o deserto emocional sozinho. Precisa-se de um aparato que capacite e resgate o equilíbrio emocional, ora, combalido, fragilizado e quase sem condições de reagir. O texto ainda em Mateus 11:28 sintetiza a preocupação de Jesus com o interior e a disposição em ajudar a superar a travessia do nosso deserto interior: “Vinde a mim, todos os que estai cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. Aliviar a carga é continuar no deserto, porém, com o aparato necessário para suportar as adversidades no deserto. A vida é bela para os que enfrentam e enxergam vida além do deserto. Para os de espírito frívolo, a vida não passa de um mero deserto onde sucumbirão respirando a vida toda por aparelhos.

Campinas, inverno de 2018


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