sábado, 21 de abril de 2018

OS SEM IGREJA

Venancio Junior

Nota: Os Sem alguma coisa tornou-se moda. Os Sem Terra, Os Sem Teto e já algum tempo surgiu o grupo informal Os Sem igreja. Esta reflexão é para aqueles que, assim como eu, não abandonou a fé, frequenta uma igreja sem ser membro e tem pouco ou nenhum envolvimento com a mesma. É para aqueles também que simplesmente deixaram de frequentá-la mesmo não abrindo mão da fé. Dedico também aqueles que abandonaram a igreja e a fé. Se você se encaixa num destes grupos, bem vindo, você pertence aos Os Sem igreja.

Quem instituiu a igreja e para o quê serve?

          A pedra fundamental da Igreja é Cristo, filho do Deus vivo. O próprio Jesus afirmou isto a Pedro de que edificaria a sua igreja a partir da declaração de quem Ele é. Não há mérito algum nesta postura de Pedro. Ninguém tem mérito por afirmar que Jesus é o Cristo, filho do Deus vivo. Somente os regenerados reconhecem isto e aceitam o convite de Jesus. Ser um discípulo é intrinsecamente assimilar a mensagem de salvação do Cristo e repassá-la aos outros. Ide e fazei discípulos de todas as nações disse Jesus o qual lemos em Mateus 28:19. Esta é a grande missão da igreja. 

        Que igreja seria esta? Com certeza, não são as igrejas abertas em cada esquina. A igreja propriamente dita é formada por discípulos e não por paredes. Neste caso, então, não é necessário frequentar ou pertencer a uma igreja instituição? Não é exatamente isto o que a bíblia diz, pelo contrário, devemos congregar e com alegria. O salmista nos congraçou com o texto contido no capítulo 122:1 “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor”! Isto significa literalmente ir à igreja ou congregar com entusiasmo! Entusiasmo significa “presença de Deus”. Como seres humanos falhos e limitados e, considerando aqueles que não frequentam regularmente e nem tenham atividades, nem sempre se têm a disposição em ir à igreja. Em qualquer nível, seja pessoal ou institucional, esta relação como em qualquer outro tipo, se desgasta e precisa constantemente de um novo motivador. 

         Igreja é algo relacional e exige entrega exponencial. Neste ponto que as coisas começam a complicar. Doar-se subentende-se dedicar tempo, dentre outras coisas, muitas vezes escassos. Como entregar-se a uma missão se não consegue administrar o tempo nem para si mesmo? A grosso modo dizemos que, quando temos o foco, não nos preocupamos com o que encontraremos pela frente porque o importante é a meta atingida. Reconheço que o projeto de crescimento de muitas igrejas é expansionista e cada dia menos dedicada à profundidade da palavra. Pregam o evangelho da bíblia de forma rasteira. O discipulado tornou-se irrelevante e os estudos bíblicos que, de tão enfadonhos, foram até descartados da programação regular da igreja. 

          Mesmo com todos estes problemas, a igreja tem cumprido a sua missão em fazer discípulo e segue caminhando. A instituição não faz discípulo. Quem o faz é cada um de nós. O Ide é para a Igreja constituída como templo do Espírito Santo. Apesar deste crescimento vertiginoso dos cristãos, principalmente na Ásia e na África, muitos tem abandonado a igreja e os motivos são os mais diversos possíveis. Tem aqueles que não tem motivo, simplesmente se desencantaram, não exatamente com o cristianismo, mas, decidiram adotar outro estilo de vida menos “intervencionista” imposto pela denominação. Outros abandonaram a fé e eram membros atuantes e assíduos nas programações e ir à igreja deixou de ser um hábito. Qual é o principal motivo deste “êxodo congregacional”? Segundo dados do Centro de Estudos do Cristianismo Global norte americano, o número de “desigrejados” no mundo supera os 40 milhões. O percentual dos principais motivos são: “59% das pessoas decidiram abandonar a casa de Deus por causa da mudança de situação de vida (transferência de cidade, divórcio, nascimento de filhos, morte na família). Em torno de 37% dos entrevistados alegaram que foram desapontados por membros e pastores, e 19% estavam ocupados demais para participar das atividades da igreja. Por fim, 17% disseram que as responsabilidades da casa e a família contribuíram para o afastamento”.

          Basicamente eu entendo que a igreja tem uma missão e, junto com outros, na comunhão, deva exercer atividades diversas em cumprir esta missão. O texto em Hebreus 10:24,25 fala exatamente sobre isto, mas, não de forma pejorativa e nem acusatória. Vamos ao texto:

...e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros;

          Vamos discorrer um pouco sobre o texto de hebreus que é mais realista e não poético como o de salmos. O contexto fala basicamente da remissão de pecados cujo sacrifício vicário de Jesus eliminou qualquer outro tipo de processo que liberasse o perdão. O texto fala também de entrega, de dedicação, amparo e aconselhamento uns aos outros à prática do amor e às boas obras. A igreja sem estas práticas seria uma igreja disfuncional. Creio que a intenção é mudar o foco e trazer a visão de uma igreja essencialmente funcional. A igreja é um corpo onde cada membro é funcional. Não precisa praticar a fé e as obras somente dentre as quatro paredes. A igreja é Igreja além da igreja. Observe estes textos. Sem fé é impossível agradar a Deus (Hebreus 11:6), a fé sem obras é morta (Tiago 2:26) e a salvação não é pelas obras para que ninguém se glorie (Efésios 2:8,9). Estes textos constituem a espinha dorsal do evangelho no que tange à predisposição do discípulo. A igreja está onde tiver um discípulo consciente de que toda ação visa construir o Reino de forma altruísta. Servir é abrir mão de coisas pessoais. Talento, tempo, casa e até dinheiro devem estar disponíveis para este serviço dedicado a uma causa profundamente nobre conforme nos ensina o evangelho. Não se pode iludir-se de que, servindo na igreja, não haverá problemas de relacionamento. Todo grupo organizado onde há relacionamento de qualquer natureza tem problemas porque há envolvimento de sentimentos, personalidade distintas e pontos de vista diversos. Administrá-los convergindo todas as ações para o bem comum não é uma tarefa fácil. Principalmente se este grupo, como uma igreja organizada, por exemplo, cuja finalidade vai de encontro às necessidades inerentes à espiritualidade. O mais importante é ser constrangido pelo Espírito Santo e ter o foco na missão a qual todos devem estar submissos. 

          A missão propriamente dita é levar o evangelho usando de todos os meios (I Coríntios 9:22) para que atinja a mente e o coração. Deve-se ter estratégias adequadas a cada grupo de pessoas. Se é um grupo socialmente carente, teoricamente é fácil falar do Reino de Deus pois atinge os anseios de esperança daqueles que ouvem. A situação se complica quando é um grupo que se denomina “autossuficiente” e não tem qualquer necessidade que provoque algum interesse na igreja ou no evangelho que é mais importante. O evangelho, na maioria das vezes, não é atraente porque confronta diretamente os valores adquiridos pelo ser humano. O evangelho é atraente apenas numa situação. Um evangelho espúrio que fala o que se quer ouvir e que traz somente as promessas de Deus e oculta os compromissos e a renúncia da velha criatura. O outro evangelho, este não é nada atraente vai de encontro a aquele que tem um espírito “desarmado” dos velhos conceitos independente da condição social e saúde que são necessidades essenciais. Este último grupo quer o evangelho porque deseja uma mudança de dentro para fora. Este tipo de mudança abre a mente, consequentemente, também o coração. Quando o evangelho atinge a mente e o coração percebemos a mudança e a autenticidade da conversão nas suas atitudes e predisposição ao serviço eclesiástico não buscando, desta forma, o próprio interesse.

      Observamos também que existe uma linha tênue que divide a seguinte questão de que a frequência à igreja não ratifica a nossa espiritualidade, porém, deixar de ir, transparece de que deve estar havendo algum problema com ela. Os motivos são diversos. Caso decida frequentá-la novamente, saiba que deve-se buscar os interesses dos outros, nem tanto os seus e tudo deve ser feito com sabedoria e discernimento porque ir à igreja pode alimentar o ativismo. Deixar de ir e de se envolver denota, de certa forma, que ainda falta ou perdeu-se algo que compreenda que o Ide de Jesus é uma missão a ser cumprida dentro e fora da igreja.

         A Igreja deve estar em todo lugar porque a Igreja é cada discípulo com a missão na mente e no coração em fazer outros discípulos. Não precisa esperar estar na igreja para isto, mas, faz parte da caminhada cristã ajudar outros e dar assistência a quem precisa. O texto de hebreus fala sobre isto “...estimular ao amor e às boas obras e incentivar outros”.

      Igreja é corpo unido na comunhão e no serviço. Não devemos permitir que fatores externos desestimule o compromisso com Deus. Nunca ignore o fato de que o mundo é sedutor e continuamente quer tirar o foco da missão em servir. Nosso foco é o próximo seja de casa, da família ou fora dela e seja da igreja ou fora dela. Frequentar a igreja não é primariamente um compromisso social mesmo tendo estas atividades. Frequentar a igreja não deve ser em hipótese alguma um modo prático para desencargo de consciência. Quando perdemos a disposição em servir, a primeira coisa que fazemos é deixar de congregar. Geralmente, também, deixamos de buscar à Deus e esquecemos que, quando conversamos com Deus, a nossa visão é introspectiva com o intuito de reavaliação para Deus nos refazer. Quando servimos, a nossa visão é para fora porque nos preocupamos em que cada um saiba que Deus é o maior interessado em que todos vivam bem e isto está no evangelho que deve ser repassado à toda criatura. Não importa se tem títulos ou cargos, repassar o evangelho é missão de todos. O Ide é para todos (Marcos 16:15). Deus não irá nos cobrar pelos títulos que temos, todos são irrelevantes quando estivermos diante dEle. Ultimamente temos visto a proliferação de “títulos sacerdotais”. A bíblia até incentiva que se busque, não o título, mas, o que significa e o que isto implica. Deus capacita cada um para uma determinada função conforme lemos em Efésios 4:11,12. Chamo a atenção para o apostolado. Muitos têm se autointitulado apóstolo. A bíblia nem diz sim e nem não. Particularmente julgo que apóstolo são somente aqueles que receberam a mensagem diretamente de Cristo. Surge, então, a indagação sobre Paulo, mas, o apóstolo mesmo não tendo convivido, recebeu a mensagem pessoalmente quando foi abordado na estrada para Damasco e Jesus se apresentou como luz. Creio que este episódio finalizou a questão do apostolado. Não importa qual a função exercida. Todos foram chamados para servir como discípulos. Deus não chama ninguém para servir a igreja, mas, para ser Igreja. Ser Igreja em casa, ser Igreja na família, ser Igreja no trabalho, ser Igreja para os vizinhos e ser Igreja para si mesmo que é uma questão de honestidade. Nos holofotes não vale ser igreja. Tal como os políticos que são honestos em frente a câmera de televisão, porém, nos recônditos dos gabinetes tiram a máscara da honestidade e colocam a vestimenta do que realmente são.

       Para ser Igreja devemos tirar os olhos dos homens porque sempre estaremos vendo as suas imperfeições. Ser Igreja é ter a mente e o coração dedicados à causa do nosso Mestre Jesus. Os olhos em Cristo sempre e as mãos no arado deixando a velha criatura com as tendências carnais para trás. Jesus em caminhada para Jerusalém com os discípulos deixou bem claro de que somente é apto para o reino de Deus aquele que põe a mão no arado e não olha para trás (Lucas9:61).

 

Campinas, SP, Abril de 2018

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