Venancio Junior
Quem instituiu a igreja
e para o quê serve?
A pedra fundamental da Igreja é
Cristo, filho do Deus vivo. O próprio Jesus afirmou isto a Pedro de que
edificaria a sua igreja a partir da declaração de quem Ele é. Não há mérito
algum nesta postura de Pedro. Ninguém tem mérito por afirmar que Jesus é o
Cristo, filho do Deus vivo. Somente os regenerados reconhecem isto e aceitam o
convite de Jesus. Ser um discípulo é intrinsecamente assimilar a mensagem de
salvação do Cristo e repassá-la aos outros. Ide e fazei discípulos de
todas as nações disse Jesus o qual lemos em Mateus 28:19. Esta é a
grande missão da igreja.
Que igreja seria esta? Com certeza, não são
as igrejas abertas em cada esquina. A igreja propriamente dita é formada por discípulos
e não por paredes. Neste caso, então, não é necessário frequentar ou pertencer
a uma igreja instituição? Não é exatamente isto o que a bíblia diz, pelo
contrário, devemos congregar e com alegria. O salmista nos congraçou com o
texto contido no capítulo 122:1 “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do
Senhor”! Isto significa literalmente ir à igreja ou congregar com entusiasmo!
Entusiasmo significa “presença de Deus”. Como seres humanos falhos e limitados
e, considerando aqueles que não frequentam regularmente e nem tenham
atividades, nem sempre se têm a disposição em ir à igreja. Em qualquer nível,
seja pessoal ou institucional, esta relação como em qualquer outro tipo, se
desgasta e precisa constantemente de um novo motivador.
Igreja é algo relacional e exige
entrega exponencial. Neste ponto que as coisas começam a complicar. Doar-se
subentende-se dedicar tempo, dentre outras coisas, muitas vezes escassos. Como
entregar-se a uma missão se não consegue administrar o tempo nem para si mesmo?
A grosso modo dizemos que, quando temos o foco, não nos preocupamos com o que
encontraremos pela frente porque o importante é a meta atingida. Reconheço que
o projeto de crescimento de muitas igrejas é expansionista e cada dia menos
dedicada à profundidade da palavra. Pregam o evangelho da bíblia de forma
rasteira. O discipulado tornou-se irrelevante e os estudos bíblicos que, de tão
enfadonhos, foram até descartados da programação regular da igreja.
Mesmo com todos estes problemas, a
igreja tem cumprido a sua missão em fazer discípulo e segue caminhando. A
instituição não faz discípulo. Quem o faz é cada um de nós. O Ide é para a
Igreja constituída como templo do Espírito Santo. Apesar deste crescimento
vertiginoso dos cristãos, principalmente na Ásia e na África, muitos tem
abandonado a igreja e os motivos são os mais diversos possíveis. Tem aqueles
que não tem motivo, simplesmente se desencantaram, não exatamente com o
cristianismo, mas, decidiram adotar outro estilo de vida menos “intervencionista”
imposto pela denominação. Outros abandonaram a fé e eram membros atuantes e
assíduos nas programações e ir à igreja deixou de ser um hábito. Qual é o
principal motivo deste “êxodo congregacional”? Segundo dados do Centro de
Estudos do Cristianismo Global norte americano, o número de “desigrejados” no
mundo supera os 40 milhões. O percentual dos principais motivos são: “59%
das pessoas decidiram abandonar a casa de Deus por causa da mudança de situação
de vida (transferência de cidade, divórcio, nascimento de filhos, morte na
família). Em torno de 37% dos entrevistados alegaram que foram desapontados por
membros e pastores, e 19% estavam ocupados demais para participar das
atividades da igreja. Por fim, 17% disseram que as responsabilidades da casa e
a família contribuíram para o afastamento”.
Basicamente eu entendo que a igreja
tem uma missão e, junto com outros, na comunhão, deva exercer atividades
diversas em cumprir esta missão. O texto em Hebreus 10:24,25 fala exatamente
sobre isto, mas, não de forma pejorativa e nem acusatória. Vamos ao texto:
...e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às
boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns,
antes admoestando-nos uns aos outros;
Vamos discorrer um pouco sobre o
texto de hebreus que é mais realista e não poético como o de salmos. O contexto
fala basicamente da remissão de pecados cujo sacrifício vicário de Jesus
eliminou qualquer outro tipo de processo que liberasse o perdão. O texto fala
também de entrega, de dedicação, amparo e aconselhamento uns aos outros à
prática do amor e às boas obras. A igreja sem estas práticas seria uma igreja
disfuncional. Creio que a intenção é mudar o foco e trazer a visão de uma
igreja essencialmente funcional. A igreja é um corpo onde cada membro é
funcional. Não precisa praticar a fé e as obras somente dentre as quatro
paredes. A igreja é Igreja além da igreja. Observe estes textos. Sem fé é
impossível agradar a Deus (Hebreus 11:6), a fé sem obras é morta (Tiago 2:26) e
a salvação não é pelas obras para que ninguém se glorie (Efésios 2:8,9). Estes
textos constituem a espinha dorsal do evangelho no que tange à predisposição do
discípulo. A igreja está onde tiver um discípulo consciente de que toda ação
visa construir o Reino de forma altruísta. Servir é abrir mão de coisas
pessoais. Talento, tempo, casa e até dinheiro devem estar disponíveis para este
serviço dedicado a uma causa profundamente nobre conforme nos ensina o
evangelho. Não se pode iludir-se de que, servindo na igreja, não haverá
problemas de relacionamento. Todo grupo organizado onde há relacionamento de
qualquer natureza tem problemas porque há envolvimento de sentimentos,
personalidade distintas e pontos de vista diversos. Administrá-los convergindo
todas as ações para o bem comum não é uma tarefa fácil. Principalmente se este
grupo, como uma igreja organizada, por exemplo, cuja finalidade vai de encontro
às necessidades inerentes à espiritualidade. O mais importante é ser
constrangido pelo Espírito Santo e ter o foco na missão a qual todos devem
estar submissos.
A missão propriamente dita é levar o
evangelho usando de todos os meios (I Coríntios 9:22) para que atinja a mente e
o coração. Deve-se ter estratégias adequadas a cada grupo de pessoas. Se é um
grupo socialmente carente, teoricamente é fácil falar do Reino de Deus pois
atinge os anseios de esperança daqueles que ouvem. A situação se complica
quando é um grupo que se denomina “autossuficiente” e não tem qualquer necessidade
que provoque algum interesse na igreja ou no evangelho que é mais importante. O
evangelho, na maioria das vezes, não é atraente porque confronta diretamente os
valores adquiridos pelo ser humano. O evangelho é atraente apenas numa
situação. Um evangelho espúrio que fala o que se quer ouvir e que traz somente
as promessas de Deus e oculta os compromissos e a renúncia da velha criatura. O
outro evangelho, este não é nada atraente vai de encontro a aquele que tem um
espírito “desarmado” dos velhos conceitos independente da condição social e
saúde que são necessidades essenciais. Este último grupo quer o evangelho
porque deseja uma mudança de dentro para fora. Este tipo de mudança abre a
mente, consequentemente, também o coração. Quando o evangelho atinge a mente e
o coração percebemos a mudança e a autenticidade da conversão nas suas atitudes
e predisposição ao serviço eclesiástico não buscando, desta forma, o próprio
interesse.
Observamos também que existe uma linha tênue que
divide a seguinte questão de que a frequência à igreja não ratifica a nossa
espiritualidade, porém, deixar de ir, transparece de que deve estar havendo
algum problema com ela. Os motivos são diversos. Caso decida frequentá-la
novamente, saiba que deve-se buscar os interesses dos outros, nem tanto os seus
e tudo deve ser feito com sabedoria e discernimento porque ir à igreja pode
alimentar o ativismo. Deixar de ir e de se envolver denota, de certa forma, que
ainda falta ou perdeu-se algo que compreenda que o Ide de Jesus é uma missão a
ser cumprida dentro e fora da igreja.
A Igreja deve estar em todo lugar
porque a Igreja é cada discípulo com a missão na mente e no coração em fazer
outros discípulos. Não precisa esperar estar na igreja para isto, mas, faz
parte da caminhada cristã ajudar outros e dar assistência a quem precisa. O
texto de hebreus fala sobre isto “...estimular ao amor e às boas obras
e incentivar outros”.
Igreja é corpo unido na comunhão e no serviço. Não
devemos permitir que fatores externos desestimule o compromisso com Deus. Nunca
ignore o fato de que o mundo é sedutor e continuamente quer tirar o foco da
missão em servir. Nosso foco é o próximo seja de casa, da família ou fora dela
e seja da igreja ou fora dela. Frequentar a igreja não é primariamente um
compromisso social mesmo tendo estas atividades. Frequentar a igreja não deve
ser em hipótese alguma um modo prático para desencargo de consciência. Quando
perdemos a disposição em servir, a primeira coisa que fazemos é deixar de
congregar. Geralmente, também, deixamos de buscar à Deus e esquecemos que,
quando conversamos com Deus, a nossa visão é introspectiva com o intuito de
reavaliação para Deus nos refazer. Quando servimos, a nossa visão é para fora
porque nos preocupamos em que cada um saiba que Deus é o maior interessado em
que todos vivam bem e isto está no evangelho que deve ser repassado à toda
criatura. Não importa se tem títulos ou cargos, repassar o evangelho é missão
de todos. O Ide é para todos (Marcos 16:15). Deus não irá nos cobrar pelos
títulos que temos, todos são irrelevantes quando estivermos diante dEle.
Ultimamente temos visto a proliferação de “títulos sacerdotais”. A bíblia até
incentiva que se busque, não o título, mas, o que significa e o que isto
implica. Deus capacita cada um para uma determinada função conforme lemos em
Efésios 4:11,12. Chamo a atenção para o apostolado. Muitos têm se
autointitulado apóstolo. A bíblia nem diz sim e nem não. Particularmente julgo
que apóstolo são somente aqueles que receberam a mensagem diretamente de
Cristo. Surge, então, a indagação sobre Paulo, mas, o apóstolo mesmo não tendo
convivido, recebeu a mensagem pessoalmente quando foi abordado na estrada para
Damasco e Jesus se apresentou como luz. Creio que este episódio finalizou a
questão do apostolado. Não importa qual a função exercida. Todos foram chamados
para servir como discípulos. Deus não chama ninguém para servir a igreja, mas,
para ser Igreja. Ser Igreja em casa, ser Igreja na família, ser Igreja no
trabalho, ser Igreja para os vizinhos e ser Igreja para si mesmo que é uma
questão de honestidade. Nos holofotes não vale ser igreja. Tal como os
políticos que são honestos em frente a câmera de televisão, porém, nos
recônditos dos gabinetes tiram a máscara da honestidade e colocam a vestimenta
do que realmente são.
Para ser Igreja devemos tirar os olhos dos
homens porque sempre estaremos vendo as suas imperfeições. Ser Igreja é ter a
mente e o coração dedicados à causa do nosso Mestre Jesus. Os olhos em Cristo
sempre e as mãos no arado deixando a velha criatura com as tendências carnais
para trás. Jesus em caminhada para Jerusalém com os discípulos deixou bem claro
de que somente é apto para o reino de Deus aquele que põe a mão no arado e não
olha para trás (Lucas9:61).
Campinas, SP, Abril de 2018
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