terça-feira, 1 de agosto de 2017

RESTAURAÇÃO EM OITO ATOS

Venancio Jr

Ato I

O tempo de Deus

Uma palavra bonita e que a ouvimos em diversos cânticos e pregações. Restaurar é fazer novo algo já existente, porém, desgastado. Mas, o que implica uma verdadeira restauração? Quando chegamos na condição de pedir à Deus por restauração é porque julgamo-nos indignos de estar na tua presença. Isto demonstra a condição de um coração contrito. Um versículo interessante que fala sobre restauração está em Jeremias 29:11,12,13 quando foi escrita uma carta aos cativos da Babilônia: Pois eu bem sei os planos que estou projetando para vós, diz o Senhor; planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança. Então me invocareis, e ireis e orareis a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração. Apesar de na visão humana aparentemente estar tudo perdido, Deus está sempre atento às nossas necessidades, creia você ou não, e disposto a nos trazer um novo viver. Esta situação não significa necessariamente pessoas novas, ambiente novo ou qualquer outra coisa “palpável” ou pode ser isto também para tornar tudo novo. No caso, pode ser que seja uma nova perspectiva de vida sem que precise sair do lugar com um novo sentimento gerando uma nova motivação. Lembrando que esta condição não é o padrão de restauração. Algo novo é o que sempre buscamos numa restauração, pois, reacende a esperança de um novo viver. Porém, para que o novo surja, o velho deve ser retirado porque senão fica ou com cara de velho ou influenciado pelos velhos costumes. Agora complicou porque não adianta o exterior ser sadio e o interior continuar doente porque sem este processo não haverá restauração. Absolutamente nada vai mudar. Se a Igreja precisa de restauração, os conceitos, as doutrinas e os dogmas envelhecidos pelos costumes, deverão sofrer este processo de expurgação. Muitas vezes isto dói muito porque remexe um passado mal cicatrizado e a ferida é novamente aberta e precisará de um novo tempo para remover as infecções e muita paciência no processo de cicatrização. Superando este processo, os conceitos valorizados precisarão ser revistos e renunciar a eles é difícil. Muitos são tratados com carinho e até predileção julgando que sejam importantes. E as vontades, o que faria com elas? O que resultou de positivo em fazer a própria vontade? É importante continuar insistindo em supervalorizar o que se sente e dar vazão a elas? O processo de restauração exige renúncia. Não há outro caminho quando o que se precisa é renunciar às coisas velhas e ter tudo novo de novo. O processo é de dentro para fora e não o inverso. No processo de restauração as coisas velhas não convivem com as novas. Mas Deus incomoda mostrando que devesse ser restaurado de acordo com os princípios da sua palavra. Não conheço alguém que tenha passado por uma restauração sem sacrifícios e sem lágrimas porque é preciso retirar as infecções emocionais para que a ferida sare. Isto dói muito. O desejo deve estar sempre diante de Deus porque a vontade dEle para a nossa vida é perfeita e agradável e se deve permitir que seja colocada no coração. Aceitar a vontade de Deus é algo difícil quando se está sofrendo em busca de uma solução urgente. Muitos traumas são gerados porque busca-se a própria solução. Primeira ação válida para um início eficaz de restauração é ter atitudes de sabedoria. O temor ao Senhor é o princípio da sabedoria. Meditar na sua palavra e confiar a Deus suas ações e emoções sejam os anseios, as dúvidas, as tristezas, as angústias, a alegria, o prazer e a esperança para que tudo seja restaurado. A restauração não é um processo de magia. A cicatrização acontece após a cura das feridas que leva tempo e sofrerá um processo contínuo quando serão curadas. O processo de restauração exige tempo, o tempo de Deus.


Ato II

O “Eu

Palavra tão pequena, mas, quando “explode”, toma as rédeas e pode causar estragos irreparáveis. Porém, mesmo eclodindo, existe uma força quando potencializada, a sua capacidade de construir e a envergadura em reunir interesses que beneficiam o meio vivente, propiciará grandes benefícios. Seria ótimo se esta condição fosse permanente. Mas, o “eu” está sempre disposto, seja para o bem, seja para o mal. Sem perceber, ele sobressai e começa a ditar as regras, define o caminho e pode nos colocar em várias enrascadas que nos deixam aviltados. O “eu” quase nunca é submisso. Quem pode dominá-lo ou domá-lo? A Bíblia refere-se ao “eu” como algo perigoso. O “eu” nunca pode estar sozinho com autonomia para decidir. Ele deve ser controlado. Quem pode controlar o “eu” que é composto de personalidade e caráter? Qualquer um deles pode controlar o “eu”. Toda a problemática do “eu” começa quando foi expulso da presença de Deus. Lemos isto em Romanos 3:23, Todos pecaram e destituídos da glória de Deus. O termo “destituído” é interessante porque significa que nos foi retirada a glória que estava em nós, melhor dizendo, estava no “eu” que era submisso. Nesta "nova" condição o “eu” foi desfigurado e perdeu a característica celestial. Deu rumo à sua própria vida. Decidiu seguir o seu próprio caminho e ignorou as consequências para o qual ficou sujeito. Quando o “eu” decide, desconsidera totalmente as implicações desta decisão. Mas como podemos domar o “eu”? Simplesmente, não é possível. O “eu” é incontrolável. A personalidade reage frente ao imprevisto e faz mau uso dele. Assim como o caráter, que age e foi, obviamente, descaracterizado, também faz mau uso dele. O que nos resta fazer para que as decisões do “eu” não destruam o que nos envolve como o próprio “eu”? O apóstolo Paulo exemplificou com a sua própria vida. Paulo era oficial do exército romano. Nesta condição, fazia o que mandavam. Cumpria, a rigor, ordens superiores. Porém, os métodos e as formas como fazia, era ele, ou melhor, o “eu” dele que decidia, porque imprimia o seu próprio ritmo a níveis de crueldades absurdas. Era uma pessoa nefasta e com várias pessoas que o odiavam e eram os seus potenciais inimigos. Na verdade, odiavam o “eu” dele. Quando fazemos o que queremos, o “eu” é quem está dominando todo o ser composto pela personalidade e o caráter. O apóstolo Paulo quando teve um encontro pessoal com Cristo, ouviu o porquê O perseguia. O “eu” de Paulo retrucou: quem és tu? A partir deste momento iniciou-se o confronto interior do “eu” de Paulo. E esta batalha o acompanhou até o fim da sua vida. O que nos coloca em maus lençóis é a personalidade que reage com os impulsos. Já, o caráter, tem a capacidade de nos levar à condenação eterna, caso, não seja transformado pelo poder de Deus. Caráter e personalidade, repito, formam o “eu”. Ambos precisam ser domados e anulados em suas decisões. Mas, como assim, anulados? Então eu deixo de existir? Exatamente! Não decidimos mais pela nossa vida porque fomos comprados e temos um novo dono. Leiamos o texto de Romanos 8:10 “Ora, se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça”. É exatamente isto, o “eu” deve estar morto, crucificado com Cristo e reviver justificado pela sua graça. Como sofremos quando deixamos o nosso “eu” tomar a direção da nossa vida. O “eu” deverá seguir o mesmo caminho de submissão. Não adianta insistir em corrigir o “eu”. Ele foi desfigurado e descaracterizado. Somente Cristo é capaz de anular as más intenções do “eu”. Não pense que é tarefa fácil submeter o nosso “eu” a Cristo. É algo muito difícil que exige renúncia. Uma luta constante. A carne luta com o espírito. São adversários, Gálatas 5:17. E uma das grandes atitudes é anular as tendências da carne. Cristo usou um termo bem “cruel”, porém, necessário para que o “eu” fosse dominado, “Negue-se a si mesmo” (Mateus 16:24) quando deu a opção, quem quiser seguir, o “eu” tem de ser submisso a Cristo porque é impossível segui-lo fazendo o que bem entende. Não se trata de uma despersonalização, mas, de descaracterização. Deus muda o caráter e não a personalidade. A chatice é uma questão de personalidade. Se você é chato, continuará chato, caso não administre a sua personalidade. Deus não nos tira a capacidade de raciocinar porque a sabedoria e o bom senso, amplamente discorrido em provérbios são capacidades da razão. Quando a intenção é má, a razão desperta para uma decisão sábia e sensata. Este é o processo de submissão do “eu”. Basta seguir com rigor o que a Bíblia nos diz. Um “eu” submisso não é garantia de ausência de problemas. “...no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” João 16:3. A capacidade de superação numa condição de submissão não pertence mais ao “eu”. Tornando-nos submissos, não ficamos abandonados porque o Senhor peleja por nós. Deuteronômio 3:22.


Ato III

O coração

Na jornada rumo aos propósitos que Deus planejou para nós, há muitos obstáculos. O livro de Provérbios 12:25 alerta-nos: “...o coração ansioso deprime o ser humano”. Somos sujeitos a toda e qualquer tipo de dificuldades físicas e emocionais. De qualquer forma, não devemos permitir que sejamos debilitados. Cabe à nós evitar que permaneçamos caídos e isto depende fundamentalmente das ações e intenções do coração de onde provem o bem e o mal. Não falo somente das nossas práticas devocionais, tais como oração diária, leitura e meditação da palavra que são disciplinas de fortalecimento e que nos mantém em pé, mas, de atitudes que refletem o nosso relacionamento com as pessoas com quem convivemos e, principalmente, com Deus. Podemos esconder das pessoas o que fazemos, mas, não de Deus. Em Jeremias 17 no versículo 10, Deus mostra que nada está encoberto: “Eu, o Senhor, esquadrinho a mente, eu provo o coração; e isso para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” O final do texto fala sobre o caminho que escolhemos e sobre as consequências das nossas atitudes. Conseguiremos avançar no crescimento a partir do momento em que as nossas ações sejam verdadeiramente condizentes com o princípio da palavra de Deus. Seguir este princípio depende fundamentalmente de um coração disposto a obedecer. Assim, removemos as “escamas espirituais” que nos cegam impedindo de enxergarmos a verdade e o caminho, nos ensurdecem impedindo de ouvir a orientação por qual caminho devemos prosseguir e bloqueiam o coração cauterizando a nossa consciência de sentir qual é a perfeita e agradável vontade do Senhor. Removidas as escamas, o risco em fazer a nossa vontade diminui que, muitas vezes, segue o que há em nosso coração. Em Jeremias 17:9 Deus revela tudo sobre o nosso coração: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o poderá conhecer?”. O que podemos dizer de algo que a própria Bíblia diz que é enganoso? Ler a Bíblia e orar sem o discernimento do Espírito Santo conseguiremos identificar nos versículos apenas aquilo que nos interessam e nos manterá na nossa “velha criatura religiosa”. Uma condição perigosíssima porque podemos ficar chocados até a qual nível podemos chegar. A esta altura pode ser tarde demais, na melhor das hipóteses, fica muito mais difícil em retroagir. Os legalistas religiosos crucificaram Jesus porque o coração estava longe de Deus. Provavelmente, muitos deles se arrependeram em apoiar esta atrocidade, mas, já era muito tarde e o único arrependimento eficaz, a partir de então, seria dos pecados. A restauração, de fato, começa quando seguimos o que o apóstolo Paulo diz que o “eu” não vive mais, mas, Cristo vive em nós. Gálatas 2:20. Isto significa que a vontade pessoal não vale mais porque tem origem no coração enganoso e devemos deixar que Cristo potencialize as atitudes que nos reconduzirão ao caminho da verdade. Temos de ter em mente que a nossa carne quer permanecer no pecado, consequentemente, estaremos fora da presença de Deus. Quando a vontade de Deus em nosso coração torna-se soberana, as nossas atitudes mudam em prol do nosso crescimento e de todos com quem convivemos. Onde está aquilo que, de fato, tem valor? “Onde está o tesouro, lá estará o coração.” Mateus 6:21.


Ato IV

Ser cheio do Espírito Santo

O maior exemplo de uma vida cheia do Espírito Santo é Cristo. Mas, não constituem a mesma pessoa? Sim, é a mesma pessoa. A manifestação distinta da trindade foi necessária para que entendêssemos a missão de cada um. No caso de Jesus, considerando que, na sua peregrinação terrena, fora lhe dado todo o poder e autoridade, “Foi me dada toda a autoridade no céu e na terra”. Mateus 28:18. Nunca atraiu para si benefícios e nem demonstrou qualquer grau de soberba. Então, Jesus tinha o poder, mas, preferiu humildemente se submeter a autoridade de Deus-Pai. Ele mesmo enfatizou que não estava fazendo a vontade dEle, mas, do Pai que está no céu. O que entendemos quando lemos no livro de João 6:38 na própria palavra de Jesus: “Pois Eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou”. Outra afirmação de Cristo que, mesmo quando estava emocionalmente debilitado e profundamente triste porque se aproximava a sua crucificação, revela que era cheio do Espírito Santo, leia o texto de Lucas 22:42 “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; entretanto, não seja feita a minha vontade, mas o que Tu desejas!”. Se Jesus fizesse o que queria a sua natureza humana, nada daquilo que lhe fora confiado teria acontecido, inclusive o processo de restauração do ser humano. Ele estaria coberto de razão em fazer a tua vontade. Seria crucificado para o perdão daqueles que o traíram, condenaram e o mataram. Quem faria isto? Ninguém! Somente uma vida cheia do Espírito Santo é capaz de transpor barreiras aparentemente intransponíveis. Ser cheio do Espírito Santo é decorrente de uma vida com o foco em Cristo revelando a verdadeira submissão que produz frutos para o engrandecimento do Reino de Deus. Quais são os frutos do espírito? No livro aos Gálatas 5:22 ao 25, o apóstolo Paulo escreveu: “Entretanto, o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Domínio próprio, no caso, não é controlar a si mesmo, mas, submeter-se ao controle do Espírito Santo que age em nós. Contra essas virtudes não há Lei. Os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e os desejos do coração não regenerado. Crucificar a carne é anular as suas obras com a presença do Espírito Santo na vida de forma completa. Se vivemos pelo Espírito, andemos de igual modo sob a direção do Espírito”. Ser movido pelo Espírito Santo de Deus é depender da sua ação. Não há como produzir frutos do Espírito vivendo na carne. É preciso crucificação da carne. As obras da carne são podridão. No mesmo texto de Gálatas 22, a partir do verso 19 lemos: “Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatrias e feitiçarias; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e tudo quanto se pareça com essas perversidades...”. É preciso deixar que o Espírito Santo domine sua mente e o coração para tornar-se íntimo de Deus. Muitos confundem quando recebem o dom de línguas ou, mais conhecida como, batizadas com o Espírito Santo e julgam que são cheias do Espírito Santo e nunca ficam vazias. Ledo engano. Dom é uma condição permanente de Deus e ser cheio do Espírito Santo é uma situação provocada se permanecer na sua doutrina. Quando recebe o dom espiritual, mesmo que a pessoa produza frutos da carne, Deus não retira o dom que pode se manifestar a qualquer momento. Reitero que ter o dom espiritual não significa ser cheio do Espírito Santo. A pessoa pode ter os dons, porém, as atitudes podem revelar o inverso. Quando saímos da sua doutrina, os frutos da carne se manifestam e são providos de destruição. Permanecendo na sua doutrina, os frutos do espírito se revelam. Tudo que decide qual o caminho seguir é intencional, o de submissão a ação do Espírito Santo ou o de soberba de origem na carne. Se permanecermos na vontade da carne, com certeza, sofreremos uma contínua desfiguração do nosso caráter. Mas, se optarmos pela ação do Espírito Santo na nossa vida, a restauração será percebida nas nossas ações. Pelos frutos conhecereis a árvore. Jesus foi incisivo quando disse em Mateus 7:19 a 21, “Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e atirada ao fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo aquele que diz a mim: “Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” Não há outra opção. Não há plano B. É uma contínua busca, ser cheio do Espírito Santo para fazer a vontade de Deus. Confusão, crises, medo e angústia podem acontecer, mas, quando se é cheio do Espírito Santo, os frutos do espírito são revelados. Busque incansavelmente ser cheio de Deus nas ações e nas intenções submissas ao Espírito Santo de Deus.


Ato V

Caráter e Personalidade

O caráter está ligado a alma e a personalidade ao espírito. O caráter age e reage e a personalidade revela o que, de fato, nós somos. Basicamente é assim que funciona aquilo com o qual nos identificamos. Somos sujeitos ao meio em que vivemos e consequentemente sofremos as agruras impostas pela vida. Fomos condicionados a isto enquanto vivermos por aqui. Somos os responsáveis pelo sucesso e insucessos daquilo que decidirmos, consequentemente sofreremos as consequências destas decisões. O que nos controla e o que nos faz viver? Somos submissos a missão em busca de algo. Estamos em busca do quê? Daí deriva a palavra submissão. Isto significa que algo nos controla e estamos condicionados a um objetivo que é a busca por um ideal. Neste processo, somos plenamente convictos de que temos liberdade exacerbada para fazer o que quiser e como quiser sem qualquer critério que rege a nossa conduta. A maneira como agimos e reagimos na execução destes processos é que expõe o nosso caráter e personalidade. Ambos devem ser controlados pelo Espírito Santo porque uma vida insubmissa provoca uma desfiguração da personalidade e, principalmente, marcas indeléveis no caráter. Tem muitos que expõem o desvio de caráter na sua personalidade. Já, outros, conseguem manter ocultas suas mazelas comportamentais internas. Caráter e personalidade são coisas intrínsecas e não se pode separá-las. Quando um vai mal, ambos sofrem. Da mesma forma, não se pode separar a vida social, profissional e familiar da vida espiritual. A essência da vida é espiritual. Quando sai para o trabalho, para um churrasco ou em férias com a família, não se deixa a alma ou o espírito em casa. Em qualquer situação, o nosso todo (caráter e personalidade) está presente. A espiritualidade está condicionada a ação e reação do caráter. Em se tratando de caráter, infelizmente, não temos controle sobre o nosso caráter. Quando afirmamos que uma pessoa é de bom caráter, isto tem uma profundidade muito maior do que imaginamos na questão da bondade. Como não temos controle sobre ele, então, quem pode controlá-lo e modificá-lo quando necessário? Somente através de uma força sobrenatural será possível esta mudança. O poder sobrenatural de Deus muda o caráter. A personalidade, cada um administra a sua. Quando mal administrada, as consequências são gravíssimas podendo até perder a herança do Reino. Muitas características da personalidade podem ser reflexos do desvio de caráter. O que precisamos é de descaracterização e não de despersonalização. A espiritualidade herdeira do Reino precisa seguir e permanecer no caminho que qualifica aqueles que cumprem a vontade de Deus. Lendo desta maneira parece que nos tornamos escravos de um Deus cruel. Na verdade, fazer a vontade de Deus, considerando o mundo em que vivemos que jaz no maligno, é somente para os que são livres da condenação eterna. A verdadeira liberdade é ter um caráter e personalidade sem as máculas de uma vida pregressa quando tínhamos o caráter forjado na conformidade deste mundo. Quando o apóstolo Paulo escreveu no livro de Romanos 12:2 que não devemos tomar a forma deste mundo, mas sermos transformados pela renovação dos pensamentos, ele propôs que nos submetêssemos a ação do Espírito Santo de Deus. A renovação proposta é porque o pecado nos envelhece como diz o salmista no capítulo 32 verso 3, até consumir os ossos. A renovação do nosso ser não é pelo nosso mérito, mas, esta é a nossa parte no processo. A misericórdia e a superabundante graça de Deus nos sustentam e devemos ser submissos. A misericórdia de Deus se renova a cada manhã, Lamentações 3:23 e a sua graça é superabundante Romanos 5:20. Temos um caráter e personalidade livres quando restaurados pela ação do Espírito Santo de Deus na nossa vida.


Ato VI

Desconstrução do ser

Ser cristão é um processo contínuo e incessante de entrega do ser. No que implica este processo? O que adquirimos ao longo da vida, revela muito daquilo que realmente somos. Os anseios, os sonhos, os planos e vontades não deverão formar a nossa característica de cristão quando não submetidos a vontade de Deus. Podemos pensar: “Sou cristão há muito tempo e sei o que quero e o que Deus quer para mim porque Ele mudou a minha vida!”. Certo! Sendo cristão, julgamos de que tudo o que pedirmos esteja certo porque está de acordo com o que sentimos e podemos pedir a Deus tranquilamente que Ele irá nos abençoar de acordo com a nossa vontade. Errado! Isto é muito arriscado. Reconheço que seja uma questão de honestidade. Podemos desejar e até fazer algo certo ou errado e que esteja no nosso coração. Honestidade é, em suma, fazer o que quer ou o que está sentindo. O problema é que honestidade nada tem a ver com certo ou errado. Nesta condição apresentamos uma oração ilegítima quando apresentamos a Deus que ele faça da forma como queremos e perdemos totalmente a legitimidade das nossas petições. Não basta simplesmente ter na mente e sentir no coração. Tudo deverá ser submetido à vontade de Deus porque não sabemos orar. É preciso desapego do ter e uma integral e profunda desconstrução do ser. O apóstolo Paulo em Romanos 8:26 nos exorta de que “não sabemos o que havemos de pedir como convém”. Somente Deus nos conhece intimamente e sabe o que fazemos, Provérbios 15:03 “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, vigiando os maus e os bons”. Deus nunca fará a nossa vontade a partir de nós, mas, fará o que nos convém pedir em conformidade a tua soberana vontade. No livro de Tiago 4:3 o texto é bem radical: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus”. Isto é muito forte. Mas, por que fala da amizade do mundo? Exatamente pela ilegitimidade da oração. O sentimento está adulterado, foi construído sobre uma base disforme do propósito de Deus em total sintonia com os “sentimentos mundanos” e fora de sintonia daquilo que a Bíblia nos apresenta. Por exemplo, se você tem algo contra alguém e ao invés de orar por ela conforme a Bíblia ensina, ora a Deus que a faça ser prejudicada. Outra situação bem comum é quando toma uma decisão errada em algum negócio, mesmo assim ora a Deus para abençoar tentando atrair a vontade de Deus para a sua vontade pessoal e, desta forma, tentar consertar o erro. Totalmente ilegítimo. O melhor em qualquer situação certa ou errada é submeter aquilo que está na mente e no coração a vontade de Deus. Desconstruir a sua vontade e reconstruí-la na confiança em Deus. Acreditar em Deus é saber da sua existência. Crer em Deus é saber que pode todas as coisas. Confiar, além de saber da sua existência e de que pode todas as coisas, é entregar tudo a Ele, submeter toda a sua vontade e pensamento a Deus. Mente e coração submissos. Uma total desconstrução do “ter” para que Deus nos dê o que precisamos e desconstrução do “ser” para que Deus nos faça como Ele quer que sejamos.


Ato VII

A velha criatura

A vida pregressa do cristão é estar fora da presença de Deus porque fomos expulsos da tua gloriosa presença e tornamo-nos velhas criaturas perdendo a forma celestial. Não importa o que faça por mais bem-intencionado que esteja, nada fará mudar em relação a condição espiritual. Neste estágio, não se tem olhos para enxergar a luz de Deus, não se tem ouvidos para ouvir a voz de Deus e muito menos boca para glorificar a Deus, pois, não há motivos para isto. Olhos para enxergar, enxergar o quê? Enxergar a luz de Deus que nos conduz no caminho correto e evitar olhar para a direita e para a esquerda aquilo que faça tropeçar e se desviar. Olhos para enxergar a nova criatura agora restaurada pelo seu poder. Olhos para enxergar o quão bondoso Ele é e enxergar as suas obras e maravilhas. Ouvidos para ouvir, ouvir o quê? Ouvir a voz de Deus, através da tua palavra numa orientação e exortação. Quando estamos com os ouvidos atentos isto desperta um alerta e ignoram-se os maus conselhos e permanece no caminho da sabedoria. Ouvidos para ouvir o chamado para a grande comissão de Deus. Ouvidos para ouvir a voz do clamor dos que precisam de salvação. Boca para glorificar e exaltar ao Deus supremo. Boca para anunciar as boas novas de salvação a todos os povos. Boca para exortar, orientar e corrigir o que está perdido e precisa ouvir uma mensagem de alento. Boca para dizer não ao pecado. Boca para dizer não aos principados e potestades. Boca para dizer não aos maus conselhos vindos até de familiares. Boca para dizer não aos frutos da carne. Este é o comportamento do cristão. Uma vez cristão sempre cristão! Não é verdade! Enquanto estivermos no mundo sofreremos aflições e perseguições e poderemos cair e tornarmos novamente uma velha criatura sem se aperceber disto. Estamos envoltos em imoralidade, roubo, homicídios, lascívia e mentiras. Os principados e potestades do mal nos perseguem e agem para que caiamos. Uma vida de mentiras torna-se insensível a presença de Deus. No menor descuido produzimos estes frutos da carne revelando que caímos numa armadilha. Em Provérbios 14:12 lemos que “há um caminho que nos parece direito, mas, no final conduz a morte”. Este caminho é uma armadilha, é o caminho percorrido pela velha criatura. Morremos espiritualmente porque os nossos olhos não enxergam mais o caminho tortuoso e de destruição que estamos prosseguindo. Morremos porque os nossos ouvidos não ouvem mais a voz de Deus nos exortando. Morremos porque não conseguimos dizer não aos principados e potestades do mal. Morremos porque não conseguimos dizer não a mentira e ao diabo que é o pai da mentira. Quando acordamos deste pesadelo, já é tarde, os olhos estão vedados, os ouvidos tapados e a boca amordaçada, ou seja, mortos. Uma vez morto, deixa-se de orar como convém. Um morto não sente mais a vida que há na presença de Deus. Não que Deus esteja longe, mas, nós quem distanciamos de Deus. Morremos para Deus. Não conseguimos, sequer, orar porque não conseguimos mais sentir a presença do Espírito Santo. Oramos, mas, Deus não nos ouve mais. Nós também não conseguimos mais ouvir a voz de Deus. De tão longe, que Deus não nos enxerga mais e saímos do seu campo de visão. Lembrando que não existe a condição de "estar longe de Deus". Na verdade, estamos ou não estamos na sua presença. o termo "longe de Deus" é apenas para mostrar que estamos longe de qualquer possibilidade. Desta forma, nem conseguimos enxergar o caminho sobremodo excelente de Deus. Quanto mais o tempo passa, mais distante destas possibilidades estaremos e a nossa voz não será mais ouvida. Na verdade, mesmo não querendo, nos “libertamos de Deus” e nos tornamos escravos do diabo. Então, decidimos fazer do nosso jeito. Atropelamos o que seria melhor para nós, perdendo a razão e o bom senso. Aparentemente estamos bem, tal como o sepulcro caiado, por dentro a podridão se intensifica a cada decisão errada. O Espírito Santo não age mais em nós porque estamos mortos. Para sair deste estado de putrefação é preciso retirar a pedra do túmulo. Como um morto poderá retirar a pedra? A situação é crítica porque a pedra precisa ser retirada. Neste caso, o próprio morto é quem deverá retirar a pedra do seu túmulo, retirar as escamas dos olhos para enxergar a sua própria podridão, retirar os tampões dos ouvidos para ouvir a voz de Jesus dizendo: “Saia para fora!”, porque você está apodrecendo e retirar a mordaça da boca para pedir que Deus tenha misericórdia e ser ressuscitado daquela morte espiritual. Caso não reaja para retirar a pedra, não haverá ressurreição. Lázaro já estava morto a 4 dias e Jesus pediu que retirassem a pedra. Jesus queria ressuscitar o morto, então, por que não retirou a pedra? O milagre é Jesus quem faz, porém, a pedra somos nós quem a retiramos. Se não retirarmos a pedra do túmulo onde estamos mortos o milagre da nossa ressurreição não acontece e continuaremos a ser uma velha e desgastada criatura. A ressurreição só é possível em Cristo que nos faz uma nova criatura à sua imagem e semelhança.


Ato VIII

Mudança de perspectiva

Um dos mais graves problemas da atualidade é a crise existencial. Esta situação é identificada no cotidiano do trabalho, por exemplo, onde passamos a maior parte do nosso tempo e as vontades são tolhidas e cerceadas por uma personalidade mais forte. No ambiente familiar não é diferente, considerando que a relação é ainda mais estreita. Geralmente a pessoa em crise se acomoda pelo virtual conforto de não ter a preocupação em tomar quase nenhuma decisão. Desta forma, o referencial é perdido e não se tem mais qualquer identificação em que possa se firmar. A crise se manifesta quando a pessoa percebe que não há mais prazer no ambiente e nem com aqueles com as quais convive. Uma sucessão de situações de mágoas e frustrações desencadeia uma instabilidade emocional sem precedentes onde ocorre o início de uma depressão. É preciso fazer algo para mudar antes que se agrave mais ainda. Mas, neste estágio da crise, a pessoa não tem condições de raciocinar e nem mapear o ambiente a qual está inserida e muito menos identificá-la. A eclosão emocional aconteceu e causou estragos por toda a parte. O problema é exatamente este, estar combalido, pulverizado, em frangalhos e incapaz de se autoanalisar e encontrar o caminho que deseja. Qual o caminho seria menos doloroso, considerando que a esta altura qualquer decisão compromete relacionamentos e valores até, então, intocáveis? Um acúmulo de emoções e de sentimentos confusos que precisam ser extravasados para que não se torne uma bomba atômica pronta para explodir a qualquer momento. É como o problema dos acumuladores. Só que, neste caso, o acúmulo é emocional. Há uma sobrecarga que está escondendo o que, de fato, é essencial e confortável para se viver. A explosão provocada pelo excedente emocional é que deflagra a crise existencial. As pessoas que sofrem de crise existencial, na verdade, são vítimas de si mesmas sufocadas pela incapacidade de reagir adequadamente ao cotidiano de cada ambiente. Quando percebem que é hora de decidir, optam, de forma atropelada, pelo pior caminho e uma sucessão de erros tornarão a situação gravíssima com consequências quase irreversíveis. Ser vítima de si mesmo não há mudança de ambiente ou de pessoas que resolvam. Mudar os relacionamentos também não adiantará porque o problema está dentro de si. É impossível fugir de si mesmo. No auge da crise, tudo é joio e tudo é descartado. O melhor caminho é mudar a perspectiva. Esta é a hora de separar o trigo do joio. Nesta opção enxerga-se as pessoas e o ambiente de forma diferente sem sair do lugar e as consequências ruins são mínimas, quase imperceptíveis. Mágoas e frustrações serão descartadas e evitadas. É necessário que haja consciência de que há pessoas envolvidas que nada tem a ver e a boa relação precisa ser preservada. É preciso desapaixonar-se do lado ruim da rotina e assimilar o que há de bom. É preciso imprimir outro ritmo menos intenso. É preciso exigir menos, mas, bem menos de si mesma. Mudar a perspectiva é a forma eficaz e menos traumática, evitando sequelas causadas por decisões impensadas. Mudar a perspectiva é, em suma, mudar a si mesmo.